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Brasil : ASSOMBRADO/POÇO
Enviado por alexandre em 21/06/2021 22:46:56

"Poço do Inferno", no Iêmen, abriga "demônios e gênios, teme a população

Cercado por mistérios e contos sobre demônios, o Poço de Barhout, no leste do Iêmen - conhecido como o "Poço do Inferno" - é uma maravilha natural pouco conhecida. Mais perto da fronteira com Omã do que da capital iemenita, Sanaa, de opnde está a 1.300 quilômetros de distância, o buraco gigantesco no deserto da província de Al-Mahra tem 30 metros de largura e acredita-se que tenha entre 100 e 250 metros de profundidade.

O folclore local diz que foi criado como uma prisão para os demônios - uma reputação reforçada pelos odores desagradáveis ??que emanam de suas profundezas. Autoridades iemenitas dizem que não sabem o que está abaixo.

 

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"É muito profundo. Nunca chegamos ao fundo deste poço, pois há pouco oxigênio e nenhuma ventilação", disse Salah Babhair, diretor-geral da autoridade de pesquisa geológica e recursos minerais de Mahra, à agência France Presse. "Fomos visitar a área e entramos no poço, chegando a mais de 50-60 metros de profundidade. Percebemos coisas estranhas lá dentro. Também sentimos algo estranho. É uma situação misteriosa", acrescentou ele. 

 

'Poço do Inferno', no Iêmen

Foto: Reprodução

 

A superstição local diz que objetos próximos ao buraco podem ser sugados em sua direção. Ao longo dos séculos, circularam histórias de figuras malignas sobrenaturais conhecidas como gênios vivendo no poço.  Muitos residentes locais ficam preocupados em visitar o vasto buraco, ou mesmo falar sobre ele, por medo de azar de um abismo que, diz a lenda, ameaça a própria vida na Terra.

VEJA VÍDEO:https://portaldozacarias.com.br/site/noticia/-poao-do-inferno---no-iamen--abriga--demanios-e-ganios---teme-a-populaaao.-veja/

 

Fonte: Extra.online

Brasil : SONGDO/FUTURO
Enviado por alexandre em 21/06/2021 22:41:25

Como é Songdo, a cidade do futuro criada do zero na Correia do Sul

"Quando me mudei, era como estar em uma terra de ninguém. Eu e meus colegas costumávamos brincar e chamar esta cidade de Songberia. Uma mistura de Songdo e Sibéria."

 

É assim que James Park, vice-diretor de Relações Externas e Desenvolvimento do campus asiático da Universidade de Utah, descreve seus primeiros anos na cidade sul-coreana de Songdo, a 65 quilômetros da capital Seul.

 

"Tinha que pegar um ônibus para ir ao supermercado, e o mais próximo ficava a 25 minutos. Não havia literalmente nada em volta da minha universidade", diz ele. Se você alguma vez se perguntou como serão as cidades do futuro, uma delas já existe — e é Songdo.

 

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Construída do zero em uma imensa área aterrada do mar, a Songdo International City é inspirada em Nova York e nos canais de Veneza (embora não haja gôndolas, mas sim táxis aquáticos).  É um dos maiores empreendimentos imobiliários público-privados do mundo.

 

Songdo é um dos maiores empreendimentos imobiliários público-privados do mundo; acima, dois dos promotores do projeto — Foto: Getty Images via BBC

Songdo é um dos maiores empreendimentos imobiliários público-privados

do mundo; acima, dois dos promotores do projeto (Foto: Getty Images via BBC)


Quando a ilha artificial onde fica a cidade começou a ser erguida, em 2003, as empresas envolvidas previam um custo de US$ 40 bilhões. O plano diretor foi elaborado pelo famoso escritório de arquitetura Kohn Pedersen Fox (KPF).

 

A americana Gale International, a coreana POSCO E&C e o governo da cidade metropolitana de Incheon — à qual pertence Songdo — foram responsáveis ??pela implementação da infraestrutura avançada e do desenvolvimento nas fases posteriores.

 

E, embora a cidade tenha sido concluída em 2015, os primeiros moradores começaram a chegar antes, em 2009. Sua localização no mapa, dizem os anúncios sobre a cidade, permite acesso a um terço da população mundial em um voo de até 3,5 horas de duração ao Aeroporto Internacional de Incheon.

 

O parque central é a principal atração da cidade — Foto: Getty Images via BBC

O parque central é a principal atração da cidade

(Foto: Getty Images via BBC)

 

A cidade cresce em volta do parque central, um imenso oásis com lagos, colocado estrategicamente no coração do projeto urbanístico desde o início. E ao lado dele está a escola internacional.

 

Na região central, estão localizados também o centro de controle, a prefeitura e o novíssimo Centro de Artes, para citar alguns dos edifícios de maior destaque. As residências medem o consumo de eletricidade por minuto e o refletem em um painel.

 

Centenas de câmeras permitem saber quantos carros cruzaram a ponte que leva à cidade, e o tráfego é controlado por um imenso centro de controle. É uma cidade muito verde, plana e fácil de se locomover de bicicleta - um paraíso para as famílias, dizem os moradores.

 

Songdo nasceu com uma filosofia clássica: é uma cidade verde, tecnológica, zona franca e internacional. Muitas de suas inovações estavam à frente de seu tempo, como a criação de estações de recarga para carros elétricos ou a proibição do uso de água potável em banheiros de escritórios. E seu sistema de reciclagem chama a atenção.

 

O lixo é praticamente invisível em Songdo — Foto: BBC

O lixo é praticamente invisível em Songdo. (Foto: BBC)

 

"Não se vê lixo na cidade. Acho que é um ótimo sistema. Permite que a cidade se mantenha limpa", diz Parker. Um mecanismo aspira os resíduos diretamente das cozinhas, e os leva por meio de uma vasta rede subterrânea de túneis até o centro de processamento. Por isso não se vê caminhões de lixo ou grandes contêineres na cidade.

 

"A Coreia do Sul, em geral, é organizada e limpa. As pessoas são super-simpáticas. O nível de escolaridade é muito alto, você pode ver que eles são muito respeitosos com tudo", afirma Alberto González, arquiteto urbano e morador de Songdo. "A parte da comunicação é muito complicada, mas uma vez superado isso, é uma vida muito confortável." 

 

Para ele, Songdo contrasta com as cidades velhas e decadentes do resto da Coreia do Sul. "Tem um tecido urbano muito diferente do resto da Coreia. É uma cidade que responde ao modelo de urbanismo do movimento moderno." Na verdade, diz ele, não para de chegar gente por ali.

 

Fora da região central, o ideal urbanístico com que nasceu a cidade não é seguido — Foto: Getty Images via BBC

Fora da região central, o ideal urbanístico com que nasceu a

cidade não é seguido (Foto: Getty Images via BBC)

 

A população já passa de 180 mil habitantes, apesar de a cidade estar apenas 60% construída. E o trem de alta velocidade que ligará Songdo a Seul será inaugurado em breve.

 

Excelência em educação


Soleiman Dias também é um dos primeiros moradores. Ele vive na Coreia do Sul há 20 anos, mas chegou à cidade em 2009, quando as máquinas ainda estavam aterrando parte do mar com a terra trazida de outras ilhas.

 

"Os apartamentos não estavam prontos. Tivemos que morar em um hotel por quatro meses", conta ele à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC, de sua casa em Songdo. Como diretor de Relações Internacionais da escola internacional, Dias fez parte do projeto desde o início. Abrir a instituição de ensino era prioridade para as autoridades.

 

"Para os sul-coreanos, o mais importante é a educação, por isso a escola fica exatamente no meio da cidade." "Ela foi construída como uma escola modelo. Era para ser — e é — uma referência para todo o país", afirma. "Passados dez anos, é a mais famosa e reconhecida do país. Em 2016, a primeira turma se formou e ingressou nas melhores universidades do mundo."

 

Alguns dos melhores arquitetos e designers urbanos do mundo participaram do projeto da cidade — Foto: Getty Images via BBC

Alguns dos melhores arquitetos e designers urbanos do mundo

participaram do projeto da cidade (Foto: Getty Images via BBC)

 

Início complicado


Mas, apesar de ser uma cidade com as tecnologias mais avançadas, no início nem tudo eram flores. Para John Starling, consultor de negócios e um dos primeiros moradores da cidade, o pior de Songdo quando ele chegou é que parecia um tanto distópica.

 

"Era muito artificial. Não tinha nada, não tinha cultura, não tinha cena musical...", diz ele. "A cultura é feita por bares, cafés, festivais de arte e música." 


"Investiram bilhões de dólares nesses edifícios. E os sul-coreanos amam uma novidade. Eles amam o novo, e muitos se mudaram para Songdo, mas ninguém sabia realmente o que iria acontecer. Era apenas um experimento", acrescenta.

 

Agora as coisas mudaram muito. A comunidade internacional cresceu, e os sul-coreanos, acredita Starling, aceitaram a influência estrangeira. "Inicialmente, Songdo era uma boa ideia, mal executada, mas está melhorando. A cada dia, está melhor."

 

O exemplo disso é que acabam de construir um enorme centro de artes e, segundo ele, há um bom cenário esportivo. "Isso a torna muito diferente do resto do país, mas Songdo nunca será Cingapura."

 

Do centro de controle você pode ver a cidade toda — Foto: Getty Images via BBC

Do centro de controle você pode ver a cidade toda.

(Foto: Getty Images via BBC)

 

Para ele, a sociedade sul-coreana é muito fechada e uniforme: "Há muito pouca diversidade aqui." Ele diz que na Coreia do Sul é difícil ver um carro vermelho. "São todos brancos, pretos ou cinzas".

 

Algo semelhante acontece com os edifícios: "Todos os blocos de apartamentos são iguais". Songdo decepcionou seus habitantes em alguns aspectos, mas o ponto mais destacado diz respeito a seu almejado caráter internacional.

 

A ideia era atrair talentos do exterior, e acreditava-se que a língua da cidade deveria ser o inglês. No início, sinais de trânsito, cartazes, cardápios de restaurantes e comunicações de bairro eram nos dois idiomas. Mas, aos poucos, isso foi se perdendo — e a maioria deles só pode ser lida em coreano.

 

A cidade sul-coreana de Songdo já tem 180 mil habitantes — Foto: Getty Images via BBC

A cidade sul-coreana de Songdo já tem 180 mil habitantes.

(Foto: Getty Images via BBC)


González acredita que há ainda mais coisas que não deram certo. "Se você sai da região central, o design fica contaminado. Você encontra muitos quarteirões que não correspondem aos ideais do plano original e que são mais genéricos", revela.

 

Maximizando os lucros


"É uma pena porque quando se fala sobre Songdo, se começa a falar sobre uma 'oportunidade perdida'. Acho que ainda há uma chance de recuperar aquele design urbano interessante do início."

 

"Os sócios quiseram maximizar seus lucros e no meio do caminho perderam parte do espírito com que nasceu a cidade. Se esqueceram das considerações de design ou qualidade do espaço urbano e decidiram recorrer a quarteirões de desenvolvimento rápido", afirma. "Eles estavam com pressa, como tudo o que acontece na Coreia, que é muito rápido."

 

 

James Park acredita, no entanto, que "é uma cidade com um futuro brilhante". "Fica melhor a cada dia com coisas adicionais, tanto em termos de hardware quanto de software." "Não existe nenhum lugar no mundo como Songdo", acrescenta Starling. 

 

Fonte: G1

Brasil : 500 MIL MORTOS
Enviado por alexandre em 21/06/2021 09:03:26

A tragédia esquecida que dizimou brasileiros durante 3 anos no século 19

Cerca de 40 anos antes da gripe espanhola, uma catástrofe matou 50 milhões de pessoas no mundo. Desta vez, a principal causa foi a fome.

Uma sucessão de eventos climáticos combinados gerou uma seca sem precedentes em praticamente toda a região equatorial do globo.

No Brasil, a falta de chuvas foi o primeiro capítulo de um flagelo que incluiu uma epidemia de varíola e matou pelo menos 500 mil pessoas entre 1877 e 1879.

Isso era o equivalente a 5% da população do país contabilizada no primeiro censo, de 1872.

A então província do Ceará foi de longe a mais afetada. Só em 1878, o pior ano da seca, 119 mil pessoas morreram e outras 55 mil foram obrigadas a migrar.

Gráfico da estimativa de mortos pela Grande Seca em relação à população da época no Brasil, nos estados do atual Nordeste e do Ceará

A província assistiu à redução drástica de sua população, de cerca de 900 mil em 1876 para 750 mil em 1881, de acordo com o médico Barão de Studart, no livro Climatologia, Epidemias e Endemias do Ceará.

A única tragédia em escala semelhante no país, desde então, acontece neste momento, com a pandemia de covid-19, que já tirou quase meio milhão de vidas em cerca de um ano e meio.

A "Grande Seca", como ficou conhecida, ocorreu em um momento e em uma proporção diferente — a população brasileira hoje é cerca de 21 vezes maior do que a de 1877, por exemplo.

No entanto, seu impacto foi resultado de uma combinação de fenômeno natural, crise econômica, falhas na assistência à população e disputas políticas — dinâmicas que ainda podem ser vistas no Brasil de hoje.

Um desastre natural ‘ao acaso'

Juntamente com o nordeste do Brasil, as regiões mais duramente atingidas pela Grande Seca foram Índia, Austrália, sul da África, nordeste da China e Mediterrâneo.

Mas, apesar da catástrofe humana e ambiental na época, só recentemente a ciência passou a investigar suas razões.

O primeiro trabalho que analisa a Grande Seca como um fenômeno global do ponto de vista climatológico é de 2018. Nele, a pesquisadora Deepti Singh e seus colegas apontam a combinação de pelo menos quatro eventos recordes e quase simultâneos: um dos piores El Niño de que se tem notícia, redução das temperaturas do Pacífico tropical, aquecimento das águas do Atlântico Norte e uma oscilação de temperaturas no oceano Índico que afetou a temporada de monções.

Mapa que mostra as regiões do mundo afetadas pelo fenômeno climático que gerou a seca em 1877

Em um período anterior ao do aquecimento global, essa equação foi obra do acaso. Ou, em linguagem científica, das oscilações periódicas e naturais do clima, explicou Singh à BBC News Brasil.

Mas o resultado da combinação foi tão intenso que, caso algo do tipo ocorresse hoje, "seus efeitos poderiam ser ainda maiores, já que as mudanças climáticas agravam os desastres naturais", afirma.

Por outro lado, para alguns pesquisadores, como Mike Davis, da Universidade da Califórnia, a ação humana ajuda a explicar o número tão elevado de mortes causadas por esse fenômeno climático.

Em seu livro Último Holocausto Vitoriano, ele afirma que a desestruturação da economia de subsistência em países como Egito e Índia, provocada pelo colonialismo europeu, foi uma das responsáveis pela fome que decorreu da seca.

No Brasil também, segundo historiadores, a crise econômica e as decisões do poder público agravaram o problema — que se tornaria uma tragédia sem precedentes na história contemporânea brasileira.

A 'invasão' dos famintos

Em 1877, cem anos depois da última seca prolongada no Ceará, praticamente não caiu água do céu entre janeiro e março. Sem gado e sem colheita, teve início um grande êxodo dos sertões em direção à capital, Fortaleza.

Ao contrário do que pregava parte dos intelectuais na capital do Império, o Rio de Janeiro, a chuva também não veio nos meses seguintes. E as fileiras de migrantes engrossaram com um exército de famintos.

Fotos de retirantes cearenses em Fortaleza durante a Grande Seca

Os refugiados eram fotografados em estúdio em Fortaleza; a Grande Seca foi a primeira registrada dessa maneira | Foto: Biblioteca Nacional

"Morria-se de fome, puramente de fome nas ruas da cidade, pelas estradas", escreveu o médico cearense Barão de Studart.

Desesperados, os retirantes comiam o que encontravam pelo caminho — inclusive vegetais venenosos que lhes acabavam tirando a vida.

"Depois de alimentar-se de raízes silvestres (especialmente da mucunã), de algumas espécies de cactus (chique-chique, mandacaru) e bromélias (coroatá, macambira), do palmito da carnaúba e de outras palmeiras, das amêndoas e entrecasca do cocos, o faminto passara a comer as carnes mais repugnantes, como a dos cães, a dos abutres e corvos, e a dos répteis."

Em dezembro de 1877, 80 mil haviam chegado a Fortaleza, número quatro vezes maior que a população da capital, 19 mil.

Uma multidão que ficava na rua, nas praças, sob a sombra dos cajueiros, como descrevem os livros da época.

O Ceará, além da província mais afetada, é também a que melhor manteve registros estatísticos da migração dos retirantes e do clima. Os únicos dados disponíveis sobre os índices pluviométricos do nordeste no período, por exemplo, vêm da estação climatológica de Fortaleza, diz a pesquisadora Deepti Singh.

No entanto, documentos e jornais da época contam como a seca prejudicou também as províncias vizinhas.

Os governos de Pernambuco e Alagoas, por exemplo, se desentenderam porque ambos julgavam não ter responsabilidade sobre um contingente de 9 mil retirantes concentrados na fronteira. Alagoas dizia que os migrantes só estavam ali porque tentavam chegar ao depósito de alimentos pernambucano instalado em Taracatu; Pernambuco alegava que, tecnicamente, as pessoas ainda estavam em solo alagoano.

O historiador Roger Cunniff, que esteve no Brasil na década de 1960 para pesquisar o tema, relatou este e outros episódios em The Great Drought: Northeast Brazil, 1877-1880 ("A Grande Seca: Nordeste do Brasil, 1877-1880", em tradução livre).

Em outro trecho, ele narra o desespero de migrantes que cruzam o rio São Francisco de Pernambuco para a Bahia, menos afetada pela seca do que as demais, e invadiam as fazendas para pedir esmolas e roubar.

"Era uma crise de refugiados", disse à BBC News Brasil Dain Borges, professor do departamento de História da Universidade de Chicago e pesquisador dos séculos 19 e 20 na América Latina.

Fotos de retirantes cearenses em Fortaleza durante a Grande Seca

As fotos dos famintos eram acompanhadas de poemas sobre a seca e se transformavam e cartões postais, para sensibilizar a população do sul | Foto: Biblioteca Nacional

Se tornaram emblemáticas as imagens chocantes de homens, mulheres e crianças esquálidas feitas dentro do estúdio do fotógrafo Joaquim Antonio Corrêa em Fortaleza.

Ele trabalhou na época com o jornalista José do Patrocínio, enviado pela Gazeta do Rio de Janeiro para o Ceará, de onde narrava a seca sob a rubrica "Viagem ao Norte".

Segundo o professor do departamento de História da Universidade Estadual do Ceará (UECE) Gleudson Passos, essa foi a primeira vez que uma seca foi registrada em fotografias no Brasil.

A ideia de expor e explorar a miséria dos retirantes era sensibilizar a opinião pública e alertar para a gravidade dos fatos que se desenrolavam nas chamadas províncias do Norte, que parte dos brasileiros do sul do país achava ser exagero.

Os jornais contavam histórias de mulheres que se prostituíam por um prato de comida, de pais que vendem e até mesmo comiam os próprios filhos.

"Se bestializava os miseráveis nessas descrições, inclusive naquelas que querem criar empatia e misericórdia com o retirantes", disse à BBC News Brasil a professora do departamento de História da Universidade Federal Fluminense (UFF) Verónica Secreto.

Montagem de anúncios do jornal Gazeta de Notícias sobre bailes beneficentes e arrecadações para os afetados pela seca

Na capital imperial, a alta sociedade organizava bailes, peças de teatro e concertos em benefício aos afetados pela fome | Fotos: Biblioteca Nacional

A "campanha para sensibilizar finalmente a corte" deu certo. Na capital do Império e nas províncias do Sul, comitês passaram a organizar bailes e banquetes beneficentes em favor das "vítimas da seca", que suplementassem o auxílio do governo.

A tragédia virou inclusive notícia na imprensa internacional. A Scribner's Magazine de Nova York chegou a enviar um correspondente ao Ceará para cobrir a seca.

A epidemia de varíola e o ‘dia dos mil mortos'

A tragédia provocada pela fome virou calamidade com a disseminação da varíola, que dizimou parte da população cearense em 1878.

A doença foi registrada bem antes na província da Paraíba, a primeira atingida: 74 pessoas morreram entre abril e maio de 1877, de acordo com os documentos citados por Cunniff.

Nos meses seguintes, o vírus foi percorrendo o caminho da procissão dos retirantes.

Subiu à província do Rio Grande do Norte e atingiu especialmente Mossoró, que recebia os sertanejos paraibanos. E entrou no Ceará pelo município litorâneo de Aracati, destino, por sua vez, de levas de migrantes vindas de Mossoró.

Quando chegou a Fortaleza, mais de 100 mil sertanejos já estavam aglomerados em campos e vivendo em péssimas condições de higiene.

Foto de crianças atingidas pela seca em Fortaleza

Fragilizados pela fome e aglomerados em acampamentos, os retirantes foram as primeiras e principais vítimas da epidemia de varíola | Foto: Biblioteca Nacional

Eram os chamados "currais do governo" ou abarracamentos, a solução encontrada pela administração local para lidar com os refugiados.

"(Os abarracamentos) Eram verdadeiras palhoças", descreve o professor Gleudson Passos. "Umas colunas de pau, geralmente feitas de madeira de carnaúba, e uma cobertura. Esses espaços eram cercados e lá se amotinavam as populações que vinham dos sertões, para que elas não entrassem na cidade."

Sem saneamento adequado, essas aglomerações foram decisivas para que a varíola explodisse na cidade.

"Os sertões haviam conseguido conter surtos de varíola antes da seca, mas foram eventos isolados e as autoridades não tinham dado importância suficiente a eles a ponto de tomarem medidas efetivas para que fossem eliminados. O deslocamento e a concentração da população afetada pela seca forjou as condições ideiais para o surgimento de uma epidemia", escreveu Cunniff em The Great Drought.

Apesar do desastre humanitário, os abarracamentos continuariam sendo usados em secas posteriores, sob o nome de "campos de concentração".

Nos arredores da capital cearense, dez desses currais reuniam cerca de 110 mil pessoas conforme os registros feitos à época pelo farmacêutico Rodolpho Teóphilo.

Em seu livro Varíola e vacinação no Ceará, ele descreveu a situação no pico da epidemia, quando hospitais estavam em ocupação máxima e as ruas, repletas de cadáveres — em dezembro de 1878, Fortaleza viveu o que ficou conhecido como o "dia dos mil mortos".

Rodolpho Teóphilo | Foto: Fundação Waldemar Alcântara

‘Sombria desolação'

Rodolpho Teóphilo

Entrou setembro de 1878 e a seca tocava ao período mais agudo. O êxodo do sertão para o litoral era incessante e vasto.

A varíola propagou-se como um incêndio ateado na base de uma meda de palhas secas e alimentado por um fole.

No fim de outubro já não havia mais esperanças de restabelecer o serviço hospitalar mais ou menos regular dada a cifra de variolosos.

O pânico já começava a abater o ânimo da população mais agasalhada e domiciliada na área urbana, concorrendo para isso o triste e repugnante espetáculo do transporte dos cadáveres de variolosos pelas ruas mais públicas de Fortaleza.

Imagine-se um cadáver, meio putrefato, vestido apenas de ligeiros trapos, amarrado de pés e mãos a um pau, conduzido por dois homens, ordinariamente meio embriagados, e se terá visto o modo como porque iam para a vala os retirantes mortos de varíola em Fortaleza.

Quantas vezes as famílias chegando às janelas de suas casas entravam horrorizadas porque deparavam com estes esquifes estendidos nas calçadas e ao lado os carregadores, que, excitados pelo álcool, descansavam da carga palrando sem descanso.

Em dezembro, a peste atingiu o período agudo.

Tinha Fortaleza o aspecto de sombria desolação. A tristeza e o luto estavam em todos os lares. O comércio completamente paralisado dava às ruas mais públicas a feição de uma terra abandonada.

Os transeuntes que se viam eram vestidos de preto ou mendigos saídos dos lazaretos com sinais recentes de bexiga confluente que lhes esburacou a cara ou deformou o nariz.

A 10 do mês o cemitério de Lagôa Funda recebia 1.004 cadáveres! Esse assombroso obituário, de um dia, encheu de pânico a quantos dele tiveram notícia.

Por que o Brasil foi tão afetado?

Diferentes pesquisadores apontam erros e omissões do poder público da época que adicionaram à tragédia climática uma calamidade humana.

No entanto, a pobreza em que a região Nordeste já estava imersa foi um ingrediente essencial da catástrofe, diz Cunniff.

"Planejadores urbanos e regionais modernos usam o argumento convincente de que secas prolongadas como essa teriam efeitos mínimos em sociedade munidas de transporte adequado, uma indústria não agrícola e recursos razoavelmente distribuídos. Essa lógica não pode ser contestada. Se essa sociedade existisse no nordeste do Brasil em 1877, nenhuma ação emergencial teria sido necessária: não teria havido crise", escreveu o pesquisador no artigo O Nascimento da Indústria da Seca.

A pobreza à qual ele faz referência tem como pano de fundo a decadência da economia do algodão. Anos antes, com os preços recorde no mercado internacional devido à interrupção da produção nos Estados Unidos, o cultivo havia atraído para o Ceará milhares de migrantes de outras províncias do nordeste.

Com o fim da guerra civil americana e a retomada da produção no país, contudo, os preços despencaram na Bolsa de Algodão de Manchester, no Reino Unido, e a produção entrou em declínio.

Gravura da Bolsa de Valores do Algodão em Manchester, no Reino Unido, em 1835

A queda nos preços do algodão, regulados por Manchester, na Inglaterra, tinha mergulhado o nordeste em crise econômica | Foto: Getty

Mitigar os efeitos da recessão no nordeste não estava entre as prioridades do governo central, que concentrava seus investimentos nas províncias mais próximas da capital do Império.

Mesmo depois que a Grande Seca irrompeu, a região continuou em segundo plano.

Não houve urgência para articulação de socorro, fosse financeiro ou material. O Rio de Janeiro demorou a acreditar que havia um problema — e a disputa política entre o Partido Conservador, que estava no poder, e o Partido Liberal contribuiu nesse sentido.

Em um discurso na Câmara dos Representantes no início de 1877, o escritor José de Alencar, então deputado conservador, acusou a oposição de fazer uso político da climatologia e afirmou que as chuvas deveriam voltar a cair na região em pouco tempo.

Entre seus antagonistas estavam o senador liberal Tomás Pompeu de Sousa Brasil, que levou uma comitiva do Ceará nessa mesma época para pedir socorro à administração imperial.

Pompeu, que era cientista e colecionava estatísticas climatológicas do Ceará, também se contrapôs à ideia popular entre parte dos intelectuais da época de que os responsáveis pela seca eram os próprios retirantes.

A seca só passou a ser vista como um problema de Estado, que deveria ser objeto de políticas públicas de mitigação, depois do desastre de 1877 a 1879, diz o professor titular aposentado do Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da Universidade Federal do Ceará (UFC) José Nilson Campos em Secas e Políticas Públicas no Semiárido: Ideias, Pensadores e Períodos.

José de Alencar e Tomás Pompeu de Sousa Brasil

O antagonismo entre o escritor José de Alencar, conservador, e o senador Tomás Pompeu, liberal, representava o debate político sobre a seca | Fotos: Biblioteca Nacional e Arquivo Pares Pompeu

Esse período, aliás, expôs falhas graves na resposta do governo brasileiro a emergências do tipo.

Roger Cunniff cita três em The Great Drought: primeiramente, um sistema de comunicação ruim mesmo para a época, que dificultou o acesso das autoridades a informações precisas sobre o que estava acontecendo.

Em segundo lugar, a inabilidade do governo imperial de coordenar as ações dos presidentes de província e uma estrutura do Estado excessivamente centralizada, que impediu que as administrações locais tivessem acesso a dinheiro para socorrer necessitados "até que o governo imperial decidisse que a situação era grave o suficiente para justificar um auxílio emergencial".

E finalmente, mesmo quando o governo central foi convencido a aprovar o envio desses recursos, ele foram muitas vezes utilizados de maneira ineficiente pelos governos locais ou destinado a indivíduos que aproveitaram para fazer dinheiro com o negócio da seca.

O historiador Gleudson Passos ressalta que nos jornais do período eram frequentes as denúncias de corrupção, algo difícil de ser comprovado naquela época, dada a falta de órgãos de controle no Brasil Império.

Segundo pesquisadores, a "ração" de farinha, arroz e carne seca que passou a ser comprada e distribuída aos retirantes como parte do auxílio também era de baixa qualidade, o que contribuía para que eles permanecessem fracos e com a baixa imunidade.

Mapa da região afetada pela seca em 1877-79 no Nordeste brasileiro

Com a crise do sistema escravista no Brasil, os refugiados da seca foram considerados candidatos a substituir da força de trabalho dos escravizados.

"Houve até uma disputa pelos retirantes, que se transformavam em migrantes para outras regiões", afirma Secreto. As elites da região Amazônica, por exemplo, os queriam para o serviço nos seringais; já São Paulo, para o trabalho nos cafezais. Mas oligarquias locais não queriam perder o que enxergavam como eleitores potenciais, além de mão de obra.

Intelectuais liberais da época como o abolicionista André Rebouças defendiam que a melhor maneira de "salvar" os retirantes da fome era pagar-lhes por trabalhos, pequenos ou grandes.

"Nessa conjuntura da crise da escravidão, ele pensou nisso como uma solução nacional. No lugar de trazer imigrantes italianos, que era a solução paulista, ele dizia: ‘A solução está aqui dentro, é só a gente administrar bem a seca'."

"Rebouças chegava a comparar os nordestinos com o que valia um escravo na época. Era uma maneira de vender para as elites a ideia de que seria proveitoso ajudar aquelas pessoas", acrescenta a pesquisadora.

Dessa forma, os refugiados da fome nos sertões, aglomerados nos "currais do governo" e mal alimentados pelas rações de baixa qualidade, tinham que trabalhar em obras públicas ou em serviços da administração local para conseguir dinheiro para produtos de necessidade básica.

"As pessoas literalmente morriam de fazer esforço nas obras", diz a historiadora.

Foi nessas condições que o vírus da varíola encontrou a população do Ceará em 1878.

Além dos abarracamentos cheios de pessoas com a saúde debilitada, foi decisivo o fato de que cerca de 95% da população da província, também a mais afetada pelo vírus na região, não havia sido vacinada.

Gráfico das mortes por ano em Fortaleza entre os anos de 1867 e 1878

Apesar de a imunização contra varíola já ser amplamente conhecida naquela época, o governo central e os locais há anos falhavam em organizar uma ampla campanha.

Barão de Studart e RodolphoTeóphilo acrescentam outros dois obstáculos: de um lado, resistência por parte da própria população e, de outro, matéria-prima de baixa qualidade para a fabricação da vacina no nordeste enviada pelo Rio de Janeiro.

A "linfa" que veio a capital, como era chamada a vacina, chegou a causar pústulas e feridas em quem a tomava, aumentando ainda mais a desconfiança.

Em meados de 1878, "a epidemia havia tomado proporções tais que a ação dos poderes públicos se limitava a assistir os doentes que estavam recolhidos às enfermarias e enterrar os mortos", relatou Teóphilo.

"Em forçada resignação esperava-se que o tempo resolvesse tão angustiosa crise. A solução estava prevista: a varíola só se extinguiria quando atacasse o último indivíduo não imune."

A situação só começou a melhorar em 1879, depois que os números de infecções e mortes caiu naturalmente.

"Que nos reservaria o novo ano? O mês de janeiro registou ainda a enorme cifra de 2.134 óbitos por varíola em Fortaleza, mas em fevereiro descia o número a 176 e em março, a 107. Saciara-se o minotauro", escreveu Studart.

Duas sindemias,143 anos de diferença

Em agosto de 2020, Richard Horton, editor-chefe da revista científica The Lancet, afirmou que a pandemia de covid-19 deveria, na verdade, ser considerada uma sindemia — uma situação em que a nova doença, ao interagir com outras já existentes em um contexto ambiental e de profunda desigualdade social, tem um impacto exacerbado.

A sindemia de covid-19 já deixou mais de 3,7 de milhões de mortos globalmente — Estados Unidos, Brasil e Índia tiveram as maiores perdas, em números absolutos.

O mundo do século 19 era muito diferente do atual, desde seus sistemas de governo predominantes até a dificuldade de obter informações sobre doenças ou fenômenos climáticos, como uma seca excepcional.

Mesmo assim, o conceito de sindemia também se aplica à Grande Seca de 1877-79, na avaliação do historiador Gleudson Passos.

Naquele caso, ele explica, um "conjunto de forças sinérgicas formou uma trama" que relacionou diferentes crises — social, econômica, ambiental e produtiva —, de forma que o resultado dessa combinação foi muito pior do que seria cada uma delas isolada.

Como não havia um registro centralizado oficial de óbitos no Brasil, não é conhecido o número definitivo de mortes causadas pela seca — que inclui, segundo todos os especialistas consultados, os mortos por varíola no período.

A estimativa de 500 mil vítimas poderia ser, portanto, conservadora. Cálculos do projeto Our World in Data, da Universidade de Oxford, no Reino Unido, indicam que o Brasil teria perdido até 750 mil durante os três anos de estiagem, epidemia e crise no nordeste.

Mesmo com todas as diferenças entre os momentos históricos, a maior tragédia humana documentada até então no país se explica por uma combinação de fatores que ecoa nos dias atuais.

A pandemia de covid-19, que começou em janeiro de 2020, está prestes a registrar meio milhão de mortos no Brasil — que podem ser ao menos 35% mais, segundo alguns pesquisadores. Pouco mais de 11% da população está completamente imunizada contra o vírus (após ter recebido as duas doses), cinco meses após o início da vacinação.

Gráfico de mortes acumuladas por covid-19 no Brasil desde o início da pandemia

Nos últimos meses, especialistas têm repetido que a fatura macabra da pandemia poderia ser menor no país, não tivesse o vírus encontrado terreno fértil para se proliferar.

Sua avaliação é que o país já se encontrava fragilizado por uma crise econômica quando se deparou com um evento global de proporções devastadoras.

Além disso, o governo federal demorou a levar a crise a sério e perdeu-se em conflitos políticos em vez de dar uma resposta consistente ao problema — faltaram testes em massa, barreiras sanitárias, coordenação entre Ministério da Saúde e secretarias estaduais.

Por fim, criou um auxílio emergencial que não teve fôlego para acompanhar a longevidade da crise e errou na compra e distribuição das vacinas.

O historiador Dain Borges ressalta que, diferentemente do Brasil do século 19, hoje é claro que o Estado teria recursos para enfrentar melhor uma crise sanitária e social desse tipo.

"Acho que o governo brasileiro há um ano tinha capacidade de ter diminuído a crise e não o fez. Pensando nisso, é bem mais difícil julgar os erros dos governos brasileiros de 1878 e 79", conclui.

Brasil : CRIMINALIZAÇÃO
Enviado por alexandre em 20/06/2021 14:24:10

As faces da criminalização da pobreza

Othoniel Pinheiro Neto*

O histórico processo de dominação, adestramento e domesticação dos indivíduos sempre aconteceu nos mais variados tentáculos do tecido social, como a mídia, a religião, a escola, a medicina, a família, a cultura etc. Esse processo é o responsável por manter o status quo social, político e econômico, mantendo os indivíduos inertes, ou melhor, servis ao sistema.

Não é diferente com o processo de criminalização, que também serve às elites como forma de domínio, direcionando diversos meios de repressão criminal para a camada mais pobre da população, incluindo o fornecimento dos meios de legitimação desses instrumentos.

A criminologia liberal, de concepção positivista, tem por base a ideia de que o crime é problema do indivíduo que não se adapta ao meio. Essa criminologia não se preocupa com fatores externos aos estudos da criminalidade, não procurando buscar na estrutura social excludente qualquer tipo objeto de estudo. Esse tipo de política criminal está muito mais preocupado em defender a propriedade privada diante de indivíduos isolados, do que em focar na questão das desigualdades sociais como uma das responsáveis pelo crime e em caminhos para soluções.

Assim, não é interessante para a criminologia liberal estudar o problema da violência sob a perspectiva social, justamente por que abre espaço para a participação do Estado em questões como educação, saúde, assistência social e redistribuição de renda.

Por isso, o mais interessante é focar exclusivamente na responsabilidade individual do sujeito, rechaçando qualquer outra discussão, uma vez que o interesse maior não é combater à criminalidade, mas, sim, manter o sistema econômico beneficiador das elites dominantes.

Em paralelo, o avanço do neoliberalismo mundo afora evidencia o desmonte de políticas públicas sociais, o empobrecimento da população, bem como verdadeiros ataques aos instrumentos de justiça social na distribuição das riquezas. No Brasil, isso acontece a partir da década de 90, quando, não por coincidência, aumenta a instituição de políticas penais cada vez mais rigorosas.

É justamente nesse contexto histórico do avanço das medidas de combate à violência que se observa um aumento da repressão preferencial dos indivíduos das camadas inferiores da população. Nesse cenário repressivo, mesmo que as pessoas não queiram admitir, mas no subconsciente, o marginal é previamente delimitado no imaginário popular. Trata-se do negro, do pobre e do favelado, sempre sujeito à criminalização nas periferias, onde o processo se revela por meio de policiamento ostensivo nas ruas, nas casas e em festas por meio de “batidas” que colocam as pessoas contra a parede para a busca de supostos objetos do delito ‒ situação que não se verifica em festas da classe alta da sociedade, que por vezes ocultam negociatas, exploração sexual, consumo de drogas etc.

Outro aspecto a se destacar é que uma das faces dos instrumentos de controle social dos grupos hegemônicos relativas à criminalização da pobreza revela-se quando observamos pessoas pertencentes à própria classe dos dominados vibrando com linchamentos, violências policiais e toda ordem de desrespeito à Constituição Federal, na seara do suposto combate à criminalidade, uma vez que são justamente essas pessoas os potenciais alvos desse sistema. Importante mencionar que essa estratégia já está intencionalmente plantada pelo sistema como uma forma de desmobilização das classes populares e subtração do sentimento de classe e de união.

Isso não significa que o sistema não penalize os privilegiados, pois, como bem destaca Zaffaroni e Pierangeli, “em parte, o sistema penal cumpre essa função, fazendo-o mediante a criminalização seletiva dos marginalizados, para conter os demais. E também em parte, quando os outros meios de controle social fracassam, o sistema não tem dúvida em criminalizar pessoas dos próprios setores hegemônicos, para que estes sejam mantidos e reafirmados em seu rol, e não desenvolvam condutas prejudiciais à hegemonia dos grupos a que pertencem, ainda que tal fenômeno seja menos frequente (criminalização de pessoas ou de grupos contestadores pertencentes à classe média alta). Também, em parte, pode-se chegar a casos em que a criminalização de marginalizados ou contestadores não atenda a nenhuma função em relação aos grupos a que pertencem, mas unicamente sirvam para levar uma sensação de tranquilidade aos mesmos setores hegemônicos, que podem sentir-se inseguros por qualquer razão (geralmente, por causa da manipulação dos meios massivos de comunicação)[1]”.

No pacote, também se vislumbra que a densidade política do direito penal está presente em cada medida tomada pelo poder público no âmbito dos três poderes.

É nesse cenário que se fala em processo de criminalização primária, que se dá no âmbito do Poder Legislativo com a criação de tipos penais (crimes) e suas respectivas penas, bem como em processo de criminalização secundária, que é executado pela polícia, pelo Judiciário e pela mídia, entre outros. É também nesse contexto que se identifica a seletividade do sistema policial, jurídico e midiático, como instrumento a serviço da classe dominante para a permanência do status quo.

Nessa mesma linha, a estrutura montada para desmoralizar e criminalizar os movimentos sociais mostra, com clareza, que o sistema de poder também objetiva encobrir problemas sociais e políticos que deveriam ser debatidos e enfrentados pela sociedade.

Há outra faceta dessa problemática, configurada na repressão a movimentos sociais ou a todo aquele que revelar interesses de classes populares, evidenciando também um processo de criminalização da pobreza e até mesmo de criminalização de atos que reivindicam transformações sociais, executados juntamente com estigmatizações de sujeitos, sindicatos e movimentos, construindo a ideia de transgressão e legitimando repressões por grande parte da sociedade.

Nesse panorama, a estrutura do poder (conservadora como sempre foi) é imediatamente acionada diante de qualquer ato que reivindique transformações sociais, especialmente em se tratando de minorias sociais, como pobres, sem-terra, homossexuais, índios, mulheres etc. Popularmente falando, para a nossa elite, pobre não tem direito de reivindicar e, se o fizer, será sempre enquadrado, estigmatizado, ridicularizado e até criminalizado.

É por isso que toda e qualquer reivindicação de minoria social sofre múltiplas repulsas de uma significativa parte da sociedade, que sempre associa tais reivindicações a crimes, badernas, ridicularizações etc.

*Othoniel Pinheiro Neto é Defensor Público do Estado de Alagoas e Doutor em Direito UFBA.

Citação

[1] ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. 5. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 11.

Brasil : IMPACTO
Enviado por alexandre em 19/06/2021 01:29:47

Pandemia impactou atividades de pesca sustentável em reserva da Amazônia no ano de 2020

O mais recente relatório técnico anual lançado pelo Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM), organização social fomentada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) que oferece assessoria técnica ao manejo de pesca na Amazônia, revelou que a pandemia ocasionada pelo coronavírus (COVID-19) prejudicou diversas atividades envolvendo os coletivos de manejo que atuam nas Reservas de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, Amanã e entorno durante o ano passado.

 

Em virtude da crise de saúde pública, o relatório de 2020 apontou uma diminuição na quantidade das ações presenciais. Segundo o levantamento, elaborado pela equipe técnica do Programa de Manejo de Pesca (PMP) do Instituto Mamirauá, foram realizados no período apenas um curso de controle de qualidade e uma oficina de monitoramento e boas práticas de manipulação do pescado durante a temporada de pesca.

 

O tradicional Encontro de Manejadores, foi substituído por uma reunião com um representante de cada coletivo de pescadores, e o processo de avaliação só pôde ser realizado em abril deste ano, mas ainda com um número reduzido de participantes. Antes da pandemia, o instituto capacitava em média 150 a 250 pescadores por ano, contrapondo ao número de 48 pescadores e pescadoras que receberam treinamento em 2020.

 

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Cabe ressaltar que algumas atividades não foram realizadas em razão das restrições de deslocamento, e de muitos pescadores integrarem o grupo de risco. Além disso, a maior parte das ações presenciais foi suspensa com o objetivo de evitar aglomerações que pudessem potencializar a transmissão do vírus.

 

 

“Sem os cursos, não foi possível colocar em prática todas as melhorias que haviam sido pactuadas no ano anterior para o fortalecimento organizacional dos grupos de manejo. Isso tende a impactar na visão de mercado e na postura dos grupos ao negociar, que se sentem enfraquecidos diante do mercado”, explicou a coordenadora do PMP Ana Cláudia Torres Gonçalves.

 

A proteção dos lagos onde acontece a pesca também foi uma atividade fortemente impactada pela pandemia. Apenas seis das 12 áreas assessoradas continuaram implementando as atividades de vigilância para combater e reprimir a pesca ilegal.

 

“Os grupos que não deixaram de monitorar suas áreas tiveram mais facilidade para pescar sua cota porque não foram alvos de constantes invasões. Entre as outras seis áreas não monitoradas, alguns grupos acabaram não realizando a pesca por ter se constatado que elas haviam sido muito invadidas, o que dificulta a atividade e compromete o equilíbrio da espécie” complementou.

 

Faturamento

 

O mais importante componente da renda proveniente da pesca nas reservas e seu entorno é o pirarucu, o gigante peixe amazônico que estava em vias de extinção quando o Instituto Mamirauá começou a atuar na região e implementar os planos de manejo.

 

Mesmo com os desafios impostos pela pandemia, cerca de 10 mil pirarucus e 6,8 toneladas de tambaqui foram comercializados a um preço médio de cinco reais o quilo. Duzentas e cinquenta toneladas de outras espécies de peixes da região também foram negociadas na temporada. O faturamento bruto das 36 comunidades que participaram do manejo ultrapassou os 3,3 milhões de reais, beneficiando diretamente cerca de 1.261 pessoas.

 

Segundo a coordenadora do PMP, a redução no faturamento esperado para 2020 se deu principalmente na pesca de outras espécies, a exemplo do tambaqui. Já a renda gerada pelo pirarucu só não foi maior porque estava atrelada à cota de pesca anual, que oscila a cada ano. A cota anual é estabelecida a partir do resultado da contagem de pirarucus, e prevê a remoção de no máximo 30% dos adultos, deixando os 70% restantes para assegurar a reprodução da espécie.

 

O relatório também indica uma elevação do consumo pelo mercado local, especialmente em Tefé-AM, onde fica a sede do Instituto Mamirauá. Além do impulsionamento dado pelas duas feiras promovidas no final de temporada de pesca, também houve aumento na compra de pescado oriundo das áreas de manejo pelo frigorífico local.

 

Proteção das áreas de pesca

 

As atividades de proteção e vigilância são uma importante etapa do manejo participativo na região do Médio Solimões. Com a ausência quase total do estado e grandes extensões a serem fiscalizadas, o trabalho acaba sendo feito por agentes ambientais voluntários das comunidades ribeirinhas, capacitados pelo Instituto Mamirauá, que monitoram as áreas, realizam atividades de educação ambiental e sensibilização da população local, e alertam os órgãos responsáveis sobre invasões.

 

 

A pesca ilegal já era uma das principais ameaças à pesca sustentável na região, mas vem crescendo com a pandemia. Diante da redução da vigilância nas áreas, invasões em grande quantidade passaram a ser reincidentes. As ações de fiscalização do estado também foram reduzidas, tornando-se praticamente inexistentes.

 

Avanços na organização dos grupos de manejo

 

A coordenadora do programa avalia que, mesmo com as dificuldades impostas pela pandemia, foi possível perceber avanços na organização dos grupos. Segundo ela, diversos grupos de manejo implementaram os encaminhamentos acordados em 2019 e cumpriram com o pacto de melhorias no processo, o que repercutiu numa melhor forma de comercialização e na organização dos grupos.

 

“Ainda assim, a pandemia nos trouxe o desafio de tentar implementar a autogestão, a gestão integral dos projetos de manejo para as associações comunitárias. Vimos que isso é fundamental para que elas não fiquem dependentes da assessoria e para que se fortaleçam organizacionalmente para que, independentemente de haver um agente externo dando apoio ou orientação, eles tenham convicção e segurança na tomada de decisão”, concluiu Ana Cláudia.

 

 

Fortalecimento

 

A partir da atuação do Instituto Mamirauá na região e implementação dos planos de manejo, com o passar dos anos e o engajamento das comunidades locais, os estoques de pirarucu aumentaram 427%, viabilizando a retomada da pesca, de forma sustentável, e o aumento da renda e da qualidade de vida da população local.

 

 

Visando fortalecer esse trabalho, o Projeto “Estruturação e fortalecimento de arranjos produtivos do pirarucu de manejo na Amazônia Central” – financiado pelo Programa Cadeias Produtivas da Bioeconomia do MCTI – irá construir uma estrutura flutuante de recepção e pré-beneficiamento do pescado. A estrutura, que será contemplada com sistema de tratamento de água e efluentes e energia solar, promete ainda beneficiar mais de 400 pessoas ligadas ao manejo de pirarucu na Amazônia, além de capacitar 100 pescadores sobre boas práticas no manuseio do pescado.  


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