Garimpo ilegal em Maués: mesmo atividade licenciada não tem controle dos órgãos de fiscalização (Foto: PF/Divulgação)
Do ATUAL
MANAUS – O garimpo legal também causa danos ambientais na Amazônia devido à flexibilização no licenciamento, falta de transparência na implementação das proteções socioambientais e ausência de fiscalização, mostra o estudo “Garimpo legal do ouro na Amazônia: recomendações para um adequado controle dos impactos socioambientais”, realizado por pesquisadores do projeto Amazônia 2030 da PUC (Pontifícia Universidade Católica) do Rio de Janeiro.
O estudo considerou os 8.589 processos ativos de requerimento de PLG (Permissão de Lavra Garimpeira) para extração de ouro no banco de dados da ANM (Agência Nacional de Mineração) entre os anos de 2000 e 2023. Neste período, foram aprovadas 2.345 PLGs para a exploração de ouro no país, de um total de 1.054.906 hectares.
No período de 2016 a 2023, 82% das autorizações para garimpo no Brasil foram concedidas na Amazônia Legal. O Pará e o Mato Grosso concentram, respectivamente, 35% e 64% do total regional, diz o estudo.
Conforme a pesquisa, os requerentes de PLG podem ser cooperativas, pessoas físicas ou firmas individuais e constata que cada cooperativa possui, em média, em PLG para a extração de ouro na Amazônia, mais de duas vezes a área que cada indústria mineradora tem sob a sua concessão. Isto significa que há cooperativas de garimpeiros com licença para operar como atividade de “pequeno porte”, mas operam com características industriais como se tivessem a CL (Concessão de Lavra), que se aplica à mineração industrial.
“A pesquisa mineral prévia se define pela execução dos trabalhos necessários à definição do local da jazida e à determinação de sua viabilidade econômica, como, por exemplo, a realização de levantamentos geológicos, geofísicos e geoquímicos, análises físicas e químicas de amostras e ensaios de beneficiamento de minérios. Trata-se de procedimentos caros, demorados e com baixas chances de sucesso em identificar jazidas minerais viáveis”, afirmam os pesquisadores Gabriel Cozendey e Joana Chiavari, autores do estudo.
Segundo eles, a legislação ainda trata o garimpo como “atividade artesanal e rudimentar”, mas, na realidade, as cooperativas atuam em escala empresarial e industrial. “As cooperativas são capazes de devastação extensiva na busca e extração do ouro na Amazônia, cenário que é facilitado pelas lacunas legislativas e regulamentares”, dizem os pesquisadores.
No estudo, eles defendem um licenciamento trifásico, que é um processo que divide a análise de um empreendimento em três etapas: Licença Prévia (LP), Licença de Instalação (LI) e Licença de Operação (LO), como regra geral. E o que foi constatado é um licenciamento ambiental do garimpo de forma simplificada e municipalizada.
O estudo também identifica que os projetos de lei de nº 2973/2023 e o de nº 957/2024 não buscam corrigir as distorções da legislação. Mas ao contrário, procura criar mais benefícios à exploração, como a expansão da lista de minerais que podem ser garimpados.
“Exemplos dessa política equivocada de regulamentação são dois decretos federais publicados em fevereiro de 2022: um determina que a ANM estabeleça procedimentos simplificados de permissão para empreendimentos de mineração de pequeno porte”, dizem Gabriel Cozendey e Joana Chiavari.
O Projeto de Lei (PL) nº 2973/2023, em discussão no Senado, visa permitir a outorga de lavra garimpeira em áreas que já possuem autorização de pesquisa de outros minerais ou em áreas com requerimento de autorização de pesquisa, mesmo que os titulares das autorizações de pesquisa discordem. E o PL nº 957/2024 trata da revisão do Código de Mineração (Decreto-Lei nº 227/67).
Além das incoerências na regulamentação do garimpo o estudo também identificou falta de transparência nos processos de licenciamento ambiental e na forma como o licenciamento é tratado pela ANM antes da emissão de PLG.
“Na ANM, seria importante entender se a agência realiza algum tipo de avaliação do licenciamento ambiental do garimpo antes de emitir a PLG, já que a licença é condição para essa emissão”, afirmam os pesquisadores.
Jovens indígenas foram treinados para operar os drones (Foto: Evilene Paixão/HAY)
Do ATUAL
MANAUS – Os yanomamis na fronteira com a Venezuela vão usar drones para vigiar suas terras contra invasões de garimpeiros e combater o desmatamento. Com os drones, os indígenas podem vigiar 10 milhões de hectares.
A proposta sobre uso de drones na vigilância da terra indígena surgiu em 2019 quando a área ocupada pelo garimpo ilegal cresceu 495% e 301% em unidades de conservação, segundo levantamento do MapBiomas.
Em 2022, a HAY (Hutukara Associação Yanomami) buscou parcerias e financiadores europeus para implementar adquirir as aeronaves não tripuladas e capacitar jovens. Em 2023, por meio da Cafod (Agência Católica para o Desenvolvimento Ultramarino), os yanomamis e ye’kwana, um grupo étnico que compartilha o território, tiveram o projeto aprovado.
“O objetivo do curso era capacitar jovens yanomamis, tentar despertar a inovação no pensamento deles para que pudessem atuar como multiplicadores de aprendizagem para outros jovens”, afirma Maurício Ye’kwana, diretor da HAY, em entrevista à plataforma de jornalismo ambiental Mongabay.
Neste momento, a vigilância dos drones está centralizada em locais mais procurados pelos garimpeiros, mas vai se estender para outras áreas indígenas.
Para realizar a capacitação do programa de drones, a HAY pediu ajuda ao CIR (Conselho Indígena de Roraima). De 2022 a 2024, foram realizadas três oficinas presenciais dos módulos iniciante, intermediário e avançado.
O engenheiro agrônomo, do CIR, Giofan Erasmo, ficou entusiasmado com os resultados e considerou a capacitação como “muito bem-sucedida”. “Depois de estudar o módulo avançado, eles ensinaram outras pessoas a usar os drones, para tirar fotos do território indígena”, diz o engenheiro que deu o curso de formação de drones.
“Há três anos, eles não tinham a menor ideia sobre drones ou como usá-los, e agora já atingiram um nível avançado de operação. A partir de agora, eles poderão fazer um trabalho concreto em benefício de suas comunidades”, disse.
Srs. ministros Camilo Santana e Alexandre Padilha Por Gonzalo Vecina, médico sanitarista, fundador e ex-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária
Foto: reprodução
Temos um imenso transatlântico, tendo a bordo cerca de 240 mil jovens brasileiros navegando rapidamente em direção a um imenso iceberg chamado exame da ordem, no qual o Congresso e as entidades médicas brasileiras estão se lambuzando e parecem que desejam que eles se afoguem! E o imenso esforço que a sociedade está realizando para aumentar a necessária oferta de médicos soçobre.
Senhores, os seus ministérios deixaram as faculdades de medicina criar um excepcional negócio – faculdades de medicina com 250 vagas ano com uma mensalidade de R$15 mil! Um imenso negócio! Não têm professores, não têm local para realizar a parte prática da formação – internato e nem pensar residência. Não têm hospital, escola ou serviços onde capacitar os alunos.
Já as entidades médicas, algumas inclusive fizeram avisos, mas a busca de ganhar dinheiro e a real falta de médicos junto com os desgovernos que vivemos nos últimos anos, nos levaram a um momento em que enfrentamos uma tempestade perfeita – o que os órgãos oficiais não permitem que funcione, o Judiciário garante o funcionamento – existe um grande número de faculdades privadas funcionando graças a medidas judiciais. Com isso, não estou acusando o Judiciário que interpreta as leis, acuso o Congresso que, neste momento, quer criar uma válvula de escape chamado exame da ordem e o Executivo que não se apresenta para enfrentar os tubarões do ensino privado que têm farta representação no Legislativo.
Estamos próximos a um desastre – o exame da ordem, vulgarizado pelos advogados, impede o reprovado de atuar como advogado em situações definidas pelo sistema legal, mas permite que o profissional atue no mundo jurídico. No caso da medicina, a reprovação não permite que o profissional que ganhou um diploma de uma instituição reconhecida pelo Poder Público realize qualquer atividade dentro do cuidado a saúde! E isso é correto, pois não foi aprovado em um exame que busca saber se ele foi adequadamente preparado pela sua faculdade para atender os pacientes.
O que acontecerá com o aluno reprovado? Se estima que cerca de 70 a 75% dos alunos serão reprovados, ou seja, algo como 30 mil alunos por ano, que estarão formados ao longo de um curso de seis anos em período integral e não poderão ter atividade na área para a qual foram formados. O que serão? Certamente irão encontrar subempregos ilegais como médicos de segunda classe, tendo um carimbo de um profissional para legalizar uma situação que eticamente não terá como ser suportada.
A lei que criou o Mais Médicos (12871/13) foi uma ação muito corajosa e necessária. O Brasil precisava e precisa de mais médicos e a solução dos médicos cubanos foi correta. Por volta de 45 milhões de brasileiros passaram a ter acesso à assistência medica na atenção básica nas áreas mais desiguais do país. A elite medica e os políticos de ocasião foram contra pela má-fé ou por seus interesses escusos. Porém, a lei também permitiu criar novas faculdades em locais onde elas seriam mais necessárias. Não existe como mandar um profissional para onde ele não queira ir, a solução passa de certa forma por saturar a oferta de profissionais. Com certeza continuarão a existir vazios assistenciais que terão que ser resolvidos por políticas públicas mais inteligentes… e caras.
Assim sendo, faltam médicos e a criação de faculdades, que é parte da solução, está em marcha, mas não pode ser realizada de qualquer forma e muito menos resolvida da forma como está sendo proposta através do exame da ordem.
O MEC terá que fazer valer sua autoridade regulatória em relação aos alunos de medicina. Na área da saúde, existe uma assimetria de informação que impede que o mercado seja o regulador. Assim, o Executivo terá que regular as condições de funcionamento das faculdades e verificar ao longo do tempo as condições de funcionamento das escolas. Além disso, criar um conjunto de condições que permitam acompanhar o funcionamento das escolas e processo de formação dos médicos.
Essas discussões são bem conhecidas no meio médico. A proposta da fiscalização dos cursos, a criação das diretrizes educacionais mínimas, a proposta dos exames seriados aos quais todos deverão ser submetidos, entre outras medidas, são capazes de produzir o efeito de garantir uma maior homogeneidade nos formandos.
A lei 12.871/13 também propôs o sistema nacional de avaliação do ensino superior da qual se originou a proposta da avaliação seriada do ensino médico nos 2º,4º e 6º ano e porta de entrada da imprescindível residência medica, foram suspensas na esquecida balbúrdia que foi o governo Temer com a famosa EC 95/16.
A lei 12.871/13 também propôs o sistema nacional de avaliação do ensino superior, que originou a proposta da avaliação seriada do ensino médico nos 2º,4º e 6º ano e o plano de ser uma porta de entrada para a imprescindível residência medica. No entanto, essa questão foi suspensa na esquecida balbúrdia que foi o governo do presidente Michel Temer com a famosa Emenda Constitucional nº 95 de 2016.
Os conselhos médicos querem atuar na oferta de médicos e é isso que ganharam com as medidas tomadas naquele governo – se ataca freando a entrada de novos médicos e não se ataca a causa da má-formação, que é a ausência da regulação do MEC na formação dos médicos necessários ao funcionamento do SUS!
Temos que enfrentar a necessidade de formar mais médicos, mas temos que garantir que sua formação seja regulada e acompanhada pelo Estado. A proposta do exame da ordem é tão criminosa quanto permitir que profissionais despreparados sejam permitidos atuar na atenção a saúde de nossos pacientes.
É fundamental que essa discussão não fique encobertada nos gabinetes de Brasília ou realizada no escurinho do Congresso, onde tudo se resolve com uma emenda Pix secreta!
A solução está na ação do Estado em fiscalizar o funcionamento das faculdades de medicina públicas e privadas que se candidataram a formar medico que poderão conduzir o funcionamento do SUS para uma nova realidade.
É importante que a sociedade saiba que no Congresso existem muitos projetos de lei caminhando no sentido de aprovar leis que se propõe a punir os alunos das faculdades que o estado brasileiro permitiu funcionarem. E é isso que o propalado exame da ordem propõe – mas eu sou a favor de que médicos despreparados atendam os pacientes do SUS? Não, isso é inaceitável! O que todos deveremos buscar, é que os alunos e as famílias que bancaram esse sonho da formação de médicos não se transformem em uma tragédia – ter um jovem recém-formado que será levado a atuar de maneira ilegal como um submédico atendendo em alguma biboca que também terá o beneplácito do Estado brasileiro.
Todas essas situações poderão ser evitadas se os senhores ministros chamados no título desta súplica se moverem e fizerem o que a sociedade espera de vossas senhorias.
Gonzalo Vecina é médico sanitarista, fundador e ex-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária
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Entre janeiro de 2018 e agosto de 2024, 9 bilhões de reais foram emprestados para 24 mil cadastros ambientais rurais na Amacro, a fronteira agropecuária lançada por Bolsonaro. Parte do dinheiro foi parar nas mãos de envolvidos em desmatamento e suspeitos de financiar a tentativa de golpe de Estado
Desde março de 2024 SUMAÚMA vem mergulhando em uma área específica da Amazônia brasileira, a Amacro, para desvendar um ciclo devastador: como forças políticas e econômicas, com aval e dinheiro público, aceleraram a morte da maior Floresta tropical do planeta. Nesta investigação inédita, analisamos agendas políticas, documentos governamentais e acadêmicos, dados de financiamentos do Banco Central, números do desmatamento e punições por infrações ambientais. Foram mais de 2 mil quilômetros percorridos por estradas, seguindo o caminho do dinheiro que flui do crédito rural – um empréstimo com juros baixos que tem sido um dos motores financeiros da destruição do bioma estratégico para barrar o aquecimento global. Com acesso a 65.315 empréstimos, cruzamos informações detalhadas para traçar o perfil dos beneficiários, das instituições financeiras e, sobretudo, do destino do dinheiro que sustenta quem mata a Amazônia e compromete o futuro de gerações. As conclusões são assustadoras, pelo que revelam e pelo impacto que produzem.
No quilômetro 120 da BR-319, que liga Manaus a Porto Velho, a cena cotidiana de uma fazenda mostra tratores e máquinas de pulverizar agrotóxicos dividindo espaço com sacos de fertilizantes em um galpão de mais de 60 metros de comprimento. As duas portas abertas naquele domingo permitem ver mais desse maquinário na parte de dentro. A Fazenda Arco Íris pertence a Juares Monteiro e teve, em outubro de 2019, parte de sua área embargada por “infração da flora”: ele retirou as árvores de 217 hectares sem a autorização dos órgãos ambientais. Embargo é uma medida administrativa que bloqueia as atividades econômicas de uma terra para evitar que o dano ambiental flagrado nela avance. Juares foi multado em pouco mais de 1 milhão de reais, um valor que ainda aparece em aberto, cinco anos depois, nas bases do Ibama.
Fazenda do Juares Monteiro, que fica no município de Porto Velho, em Rondônia, que recebeu financiamento do Branco do Brasil mesmo com uma área embargada pelo IBAMA. Matéria sobre desmatamento com financiamento de verba pública na região da AMACRO. Foto de João Laet / Sumaúma
Mas, mesmo assim, ele recebeu em seis ocasiões, três em 2020 e três em 2021, empréstimos que beiram 1 milhão de reais de bancos públicos, a juros muito baixos, entre 5,75% e 7,5% ao ano. Para um cidadão comum os juros são, em média, de 8% ao mês. Na porteira de sua terra com irregularidades, uma placa declarava: “Banco da Amazônia financia a Fazenda Arco Íris”. Poucos metros antes, um baú frigorífico, usado no transporte de corpos de Bois e Vacas, estampava orgulhoso a bandeira do Brasil.
A área de Juares faz parte da Amacro, uma nova frente de destruição com um velho jeito de matar. A sigla é a junção dos estados do Amazonas, Acre e Rondônia e se refere a um projeto que começou a ser planejado pelos ruralistas locais em 2015 e que acabou se tornando uma bandeira do ex-presidente Jair Bolsonaro. No governo do extremista de direita, a Amacro se fortaleceu como uma nova fronteira agrícola e um novo projeto político-econômico na Amazônia. Ela engloba 32 municípios e uma área de 454.220 quilômetros quadrados, maior do que a do Paraguai. Foi anunciada no começo de 2021 e oficialmente lançada em dezembro do mesmo ano, ainda que a destruição tenha começado anos antes pelo burburinho de que, um dia, ela sairia do papel. Mesmo que os sistemas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), assim como qualquer outro de detecção de desmatamento, não façam a distinção entre a derrubada legal e ilegal de árvores, os dados mostram que, em apenas três anos, entre 2020 e 2022, uma área de quase sete vezes o tamanho de Londres deixou de ser Floresta na região da Amacro. Foram derrubados 1.026.830 hectares de árvores. O pico da destruição aconteceu no último ano de Bolsonaro no poder.
Parte dos que receberam recursos de empréstimos para atividades em áreas embargadas nesse período teve acesso direto ao Palácio do Planalto e a governadores, senadores, prefeitos, deputados estaduais e federais. São figuras alinhadas aos interesses do ex-presidente extremista de direita, algumas delas suspeitas de financiar os atos golpistas de 2023. Há nomes que já foram autuados por trabalho análogo à escravidão e outros acusados por organizações da sociedade civil de ameaçarem moradores tradicionais. Há, ainda, o registro de empresas que acessaram os recursos subsidiados e foram investigadas em Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) por suposto roubo de terras públicas.
Ao longo da BR-319, a Floresta deu lugar à soja ou a terras que se preparam para recebê-la. Ou a áreas de pasto, onde Bois e Vacas dividem espaço com solitárias Castanheiras, árvores cuja derrubada é proibida no Brasil e que, sem seu ecossistema, são condenadas a uma morte lenta em meio ao fedor do agrotóxico e do esterco. Uma paisagem modificada pelos empréstimos subsidiados dos bancos. Uma paisagem modificada indiretamente por você, por meio de impostos, depósitos bancários, poupança e investimentos financeiros destinados ao agronegócio.
Castanheira morta em meio a plantação de soja no município de Capixaba, no Acre. Matéria sobre desmatamento com financiamento de verba pública na região da AMACRO. Foto de João Laet / Sumaúma
Os dados analisados, que vão de janeiro de 2018 a agosto de 2024, apontam a concessão, na região da Amacro, de empréstimos de crédito rural a cerca de 24 mil CARs (Cadastro Ambiental Rural), um registro público obrigatório para imóveis do campo. Juntos, eles somaram mais de 9 bilhões de reais. A maioria desses empréstimos está em Rondônia e pressiona nove Terras Indígenas, Florestas públicas não destinadas, áreas protegidas por lei, que ainda não têm um uso específico, além de projetos de assentamento e unidades de conservação. O Banco do Brasil e o Banco da Amazônia, ambos estatais, foram os que mais forneceram esse tipo de empréstimo no período analisado, além de cooperativas diversas. O Banco Central disponibiliza os registros de empréstimos desde 2013, mas somente em 2018, por determinação do novo Código Florestal Brasileiro e do Manual do Crédito Rural, passou a ser obrigatório vincular a concessão de crédito ao Cadastro Ambiental Rural. Ou seja, apenas a partir de 2018 se tornou possível acompanhar para qual área exatamente vai o dinheiro dos empréstimos, por isso o período da nossa análise começa em 2018.
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O crédito rural é um tipo de empréstimo direcionado ao setor agropecuário e serve para custear as operações no campo, desde o plantio até a comercialização dos produtos. Os recursos são, em grande parte, públicos, mas também vêm do dinheiro de correntistas, pessoas convencionais, que confiam suas economias aos seus bancos. Além disso, ele inclui subsídios, em que o governo arca com parte dos custos (como juros reduzidos) para tornar os empréstimos mais acessíveis. Funciona assim: os bancos oferecem ao indivíduo ou empresa crédito rural, previsto no Plano Safra, a juros mais baixos do que aqueles praticados pelo mercado. E, para que os bancos não tenham “prejuízo” ao operar com taxas reduzidas, o governo cobre a diferença. Em resumo, é uma política pública. Somente em 2023 e 2024, o Plano Safra disponibilizou 441,92 bilhões de reais para o agronegócio do Brasil.
Entre 2018 e 2024, bancos públicos financiaram 8 bilhões de reais em crédito rural na Amacro, pressionando Terras Indígenas e áreas protegidas. Infográfico: Ariel Tonglet e Rodolfo Almeida/SUMAÚMA
Para acessar o crédito rural, os bancos exigem, além do cadastro no CAR, que o proprietário apresente documentos como certidão de registro de imóveis, uma classificação de porte (se ele é pequeno, médio ou grande produtor), além da comprovação de que não está inscrito na lista suja do trabalho escravo. Por fim, o proprietário precisa comprovar que não tem embargos ativos por desmatamento ilegal.
A análise dos dados dos últimos seis anos e meio, porém, mostra que áreas previamente embargadas pelo Ibama receberam 5 milhões em empréstimos, o que contraria as normas do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central do Brasil. Em resumo: um total de 5 milhões de reais foram para as mãos de pessoas que derrubaram a Floresta.
Mais de 68 milhões de reais foram concedidos a proprietários que depois seriam embargados pelo Ibama. Infográfico: Ariel Tonglet e Rodolfo Almeida/SUMAÚMA
Juares, um dos sócios da Fazenda Arco Íris, foi o proprietário de área embargada que mais recebeu empréstimos irregulares, com um aporte que chega perto de 1 milhão de reais. Em agosto de 2018, quando ainda estava em campanha para a Presidência da República, Bolsonaro afirmou em uma coletiva de imprensa em Porto Velho, capital de Rondônia: “Aqui em Rondônia são 53 unidades de conservação e 25 Terras Indígenas. É um absurdo o que se faz no Brasil usando o nome ambiental. Isso aí tem inibido o progresso daqueles que querem investir no agronegócio e até na agricultura familiar. Vamos achar um ponto de inflexão nisso”. E acharam. Rondônia se tornou a capital da Amacro e fisgou 72% dos empréstimos, subsidiados na maior parte, direcionados para a região.
O site do Grupo Arco Íris, do qual Juares é sócio-administrador, afirma que a empresa foi criada em 18 de outubro de 2018. Ela possui quatro fazendas em Porto Velho com cerca de 700 hectares voltados para o plantio de soja e milho. E tem ainda um rebanho com 500 bovinos da raça Nelore.
O que o texto não diz é que Juares Monteiro teve 217 hectares de terras embargadas em 13 de outubro de 2019. Juares também recebeu uma multa de mais de 1 milhão de reais associada ao embargo. Mesmo assim, conseguiu financiamentos do Banco da Amazônia e do Banco do Brasil em 2020 e em 2021 para investir em gado na Amazônia. Uma avaliação das imagens de satélite feitas nas terras de Juares oferece indícios de que, nos últimos anos, o desmatamento avançou também para outras áreas dele embargadas pelo Ibama. Imagens de satélite da equipe do Earth Genome identificaram centenas de cabeças de gado nas áreas embargadas de Juares em setembro de 2021.
Às margens do Rio Madeira, a 125 quilômetros das terras de que Juares é um dos sócios, barcos e balsas estão atracados na Estação de Transbordo de Cargas da Cargill. O porto construído pela multinacional no estado ajuda a estimular a monocultura de soja na região. Além disso, outro terminal de cargas da Cargill, com investimento de 300 milhões de reais, está em construção. No horizonte, grandes silos com o nome do Grupo André Maggi, um dos maiores sojeiros do país, contrastam com as poucas árvores que resistem. Em 2022 e 2023, foram transportadas 20,8 milhões de toneladas de carga pelo Rio Madeira – metade delas era de soja. Entre janeiro e novembro de 2024, foram 9 milhões de toneladas – soja, milho, combustíveis e fertilizantes somam quase 100% desse total. A Agência Nacional de Transportes Aquaviários prevê que, em 2044, a quantidade de carga transportada chegue a 28 milhões de toneladas.
Porto da Cargill no Rio Madeira, em Porto Velho, onde escoa a safra de soja. Matéria sobre desmatamento com financiamento de verba pública na região da AMACRO. Foto de João Laet / Sumaúma
Além de vetar empréstimos para áreas que foram embargadas por desmatamento ilegal, o Manual do Crédito Rural proíbe os bancos de repassarem dinheiro para áreas sobrepostas a Terras Indígenas, unidades de conservação, territórios Quilombolas, projetos de assentamento e Florestas públicas não destinadas. Além de Juares Monteiro ter recebido dinheiro para uma terra embargada, são dele áreas que, segundo indicam as imagens de satélite, podem estar sobrepostas à Gleba Rio Preto. As Florestas públicas não destinadas pertencem à União, aos estados ou municípios, logo, nenhuma pessoa física ou jurídica pode ter a propriedade ou o domínio privado dessas terras. No entanto, Juares Monteiro tem cadastros do Incra que certificam as terras dele e está com o registro no CAR ativo no Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (Sicar). Ele nega as irregularidades (leia abaixo).
A análise dos dados permite concluir também que o crédito rural financiou áreas que totalizam 2.364 registros de embargos ambientais – nem todos por desmatamento ilegal, o único tipo que veta o financiamento posterior pelo Manual do Crédito Rural. Há áreas onde os empréstimos seriam irregulares, como no caso de Juares. E outras que receberam o dinheiro antes do embargo, mas os empréstimos continuam ativos, o que também seria irregular; e outras ainda que receberam a punição ambiental por desmatamento depois de o empréstimo já ter sido totalmente pago, o que não representa nenhuma irregularidade, mas pode sugerir que a verba pública tenha sido usada, também, para ampliar a destruição irregular da floresta.
Os créditos concedidos antes de as áreas serem embargadas pelo Ibama somam mais de 68 milhões de reais. Dinheiro que foi dado a proprietários que cometeram infração ambiental e mesmo assim mantiveram todos os benefícios do crédito rural. O Manual do Crédito Rural afirma, no entanto, que o contrato de concessão de crédito “deve prever que, caso verificado o descumprimento de quaisquer obrigações ambientais no imóvel rural durante a vigência do financiamento, a operação poderá ser desclassificada”, o que não ocorreu com esses proprietários. Somente sete financiamentos foram desclassificados na Amacro pelas instituições financeiras, o que corresponde a 0,54% do valor dos empréstimos, um total de 372.108,51 reais.
Fazenda do Jorge Moura, que recebeu financiamento de verba pública. Matéria sobre desmatamento com financiamento de verba pública na região da AMACRO. Foto de João Laet / Sumaúma
Ao anunciar a criação da Amacro no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, em 2021, o general Hamilton Mourão defendeu o investimento do setor privado para preservar e desenvolver a bioeconomia na região amazônica. Na época, Mourão era vice-presidente no governo de extrema direita de Bolsonaro e presidente do Conselho Nacional da Amazônia. A realidade, porém, é comprovadamente bem diferente.
Na Amacro, o investimento de bancos privados ainda é modesto se comparado ao de bancos públicos que operam o crédito rural. Atualmente, o De Lage Landen Brasil, que faz parte do grupo Rabobank, um dos maiores bancos cooperativos do mundo, com sede na Holanda, é o que operou o maior volume de crédito, mais de 12 milhões de reais. Segundo um relatório feito a pedido do Greenpeace, o Rabobank lucra enquanto contribui para o desmatamento e a degradação ambiental. Em uma investigação realizada pelo jornal FD e pela Repórter Brasil, eles encontraram 365 produtores rurais do Brasil autuados pelo Ibama que haviam conseguido crédito no banco, apesar das infrações ambientais.
Outros bancos internacionais que operam crédito na Amacro são o John Deere Bank, uma instituição financeira ligada à John Deere, uma das maiores fabricantes mundiais de máquinas agrícolas, equipamentos de construção e florestais, além do Santander. Entre os privados nacionais, há o Itaú Unibanco e o Bradesco.
O Rei da Soja e do crédito
No topo dos que mais receberam recursos do crédito rural para a Amacro está o Rei da Soja. Em Rio Branco, Acre, todos têm uma história para contar sobre Jorge José de Moura, o detentor do título, que deve 325 mil reais em multas por infrações ambientais. Sozinho, ele embolsou mais de 137 milhões de reais de créditos subsidiados entre janeiro de 2018 e agosto de 2024, um valor 47% maior do que o do segundo colocado do ranking, que recebeu quase 94 milhões de reais. Pelo menos 90% desse dinheiro (124 milhões de reais) foi dado pelo Fundo Constitucional de Financiamento do Norte (FNO), um fundo do governo federal, dinheiro público, que integra a política de desenvolvimento da Amacro e é administrado pelo Banco da Amazônia. Entre os anos 2019 e 2022, durante a gestão do extremista de direita Jair Bolsonaro, ele recebeu mais de 76 milhões de reais.
Depois do Fundo Constitucional de Financiamento do Norte, a maior fonte de recursos para o Rei da Soja veio da poupança rural, que é semelhante à poupança comum, mas destinada ao produtor rural. Nessa modalidade, o dinheiro poupado (que é um empréstimo do poupador ao banco) precisa, necessariamente, ter 65% aplicado pela instituição financeira em operações de crédito rural. Por último, estão os recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Os valores são administrados, em sua maioria, pelo Banco da Amazônia e pelo Banco do Brasil, mas também por cooperativas como a Sicredi, que sozinha foi responsável por um financiamento de quase 3,5 milhões para duas áreas de Jorge Moura.
O complexo de fazendas do Rei da Soja tem 12.059 hectares, uma área maior do que a cidade de Paris, na França. Ele fica a 93 quilômetros de Rio Branco, capital do estado do Acre, entre as cidades de Plácido de Castro e Capixaba.
Os empréstimos do Rei da Soja – e também Rei do Crédito – estão dentro da lei, mas podem indicar que a política de financiamento falha em proteger o meio ambiente. Em 29 de abril de 2020, ele recebeu empréstimos que somam 473.992 reais. Quatro anos depois a área foi embargada. Na descrição do embargo: “infração de flora”. O CAR dessa área consta como pendente na base do Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (Sicar).
No relatório “Bancando a Extinção: Bancos e Investidores como Sócios no Desmatamento”, o Greenpeace traz uma série de demandas levando em conta as lacunas tanto no Manual do Crédito Rural quanto na fragilidade na regulação e fiscalização desses empréstimos por parte das instituições financeiras.
A organização ambiental defende a necessidade de cancelar e/ou suspender imediatamente a concessão de crédito quando há embargo por desmatamento; aumentar o rigor nos critérios para a concessão do crédito rural; não emprestar recursos para quem tiver embargo e/ou autuação em quaisquer propriedades rurais, independentemente se o pedido para o empréstimo contemple uma área em que não houve embargo; aplicar análise mais rigorosa para aqueles que já constaram na “lista suja” de trabalho escravo e/ou tenham sido acusados de violações de direitos fundamentais e de envolvimento com conflitos fundiários. Para os reguladores – Banco Central do Brasil, Conselho Monetário Nacional, Comissão de Valores Mobiliários, Superintendência de Seguros Privados e Superintendência Nacional de Previdência Complementar – o Greenpeace indica: exigir monitoramento do imóvel financiado antes e durante a operação de crédito, observando o cumprimento dos critérios socioambientais; aprimorar e intensificar as medidas para a efetiva responsabilização das instituições que descumprirem com as normas vigentes.
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Entre os proprietários que mais acessaram crédito rural na Amacro, três tiveram acesso direto ao Palácio do Planalto durante a gestão de Bolsonaro: além do próprio Jorge Moura, o Rei da Soja, José Marcos Leite Júnior e Antônio Aparecido Custódio estiveram no dia 7 de março de 2022 em um evento chamado Encontro com o Movimento Ação Voluntária Amigos da Pecuária. Essa controversa reunião não aparecia, em um primeiro momento, na agenda oficial do extremista de direita Jair Bolsonaro. O compromisso, que só foi tornado público após o término, tinha o título de “Assuntos relativos à pecuária brasileira”. Mas reportagens da época indicam que possivelmente se tratava de um encontro para financiar a campanha à reeleição de Bolsonaro, que contou com a presença, por exemplo, de Luciano Hang, dono da Havan e um dos maiores apoiadores do ex-presidente. Hang, é importante sublinhar, atua na área varejista e não na agropecuária.
Jorge Moura e Bolsonaro conversam em Rio Branco, no Acre, em março de 2024, enquanto o pastor e ex-vereador Arnaldo Barros faz uma selfie. Foto: Sérgio Vale
O nome da iniciativa, Movimento Ação Voluntária Amigos da Pecuária, não poderia ser mais bem justificado. Entre as modalidades financiadas na Amacro, os bovinos e a soja são, respectivamente, o primeiro e o segundo lugar no ranking. Os outros produtos são obras de infraestrutura, máquinas e implementos, pastagem e milho, geralmente plantado na entressafra da soja.
A soja não é a única fonte de enriquecimento de Jorge Moura. A primeira empresa que fundou, em abril de 1985, foi um motel, em Cuiabá, em Mato Grosso. Em agosto do mesmo ano, ele criou a Helatex Hevea, que se destinava à fabricação de borracha. Dois anos depois, em setembro de 1987, a Helatex Pneus, que ficou ativa por 29 anos. Apesar de o nome indicar que a empresa trabalhava com pneus, o registro de atividade (Cnae) era de um comércio varejista de artigos de óptica. As empresas que atuavam com borracha foram encerradas em 2016. O motel segue funcionando. Hoje Jorge Moura tem relação com ao menos 11 empresas como administrador, sócio-administrador ou representante legal. Entre os empreendimentos estão postos de gasolina, administradora de imóveis, empresas de transporte rodoviário, distribuidoras e sociedades pecuárias e agrícolas.
Em uma das áreas financiadas para Jorge Moura há embargos ambientais no nome de outras cinco pessoas, indicando que parte da terra que ele disse ao banco ser dele é reivindicada por moradores históricos da região. Esses conflitos estão na base de dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) em 2022 e em 2023. Um deles, de 2022, ocorreu em Capixaba, no Acre, envolvendo cerca de 15 famílias. O outro, no mesmo ano, em Plácido de Castro, envolvia seis famílias. Em 2023, a CPT voltou a registrar conflitos no antigo Seringal Capatará, hoje Fazenda Capatará, de Jorge Moura. Um contra 66 famílias, outro contra seis famílias e um terceiro contra quinze famílias.
É uma batalha desigual. “Essas terras eram do meu pai e um dia disseram que eram dos Moura, mas a verdade é que isso aqui sempre foi nosso”, diz o morador de uma das áreas em disputa. SUMAÚMA conversou com algumas dessas pessoas, que não terão a identidade revelada por questões de segurança. Elas contam histórias de um rei e seus descendentes, filhos e netos, que tentam a todo custo expulsá-los de terras que habitam há 62 anos. Há relatos de supostas ameaças contra moradores para que saiam das terras. “Mas, se formos embora, onde vamos morar? Onde vamos plantar?”, pergunta um deles. Jorge José de Moura é citado em pelo menos 61 processos na Justiça, alguns deles como autor, mas em outros como investigado por supostas ameaças, posse ilegal de armas e conflitos fundiários.
Maciel Oliveira da Silva, 39 anos, mostra os documentos que segundo ele comprovam o direito de posse do lote comprado pelo seu pai no início dos anos 80. Ele e outros posseiros da região do Capatará, no município de Capixaba, estão em conflito com o fazendeiro Jorge Moura. Matéria sobre desmatamento com financiamento de verba pública na região da AMACRO. Foto de João Laet / Sumaúma
Os generosos
Próximo da eleição presidencial de 2022, dos três fazendeiros que foram a Brasília, dois doaram para a campanha de reeleição de Bolsonaro: Jorge Moura fez um Pix de 29 mil reais ao extremista de direita; Antônio Aparecido Custódio foi um pouco mais generoso, doou 260 mil. Custódio também é diretor da cooperativa que opera crédito rural, Credisis Crediari. Em resumo: além de pegar recursos para as suas propriedades de outros bancos, ele empresta dinheiro a produtores rurais. De recursos da política pública, ele acessou mais de 27 milhões de reais, entre janeiro de 2018 e agosto de 2024, e tem mais de 400 hectares de terras embargadas pelo Ibama.
No nome de Custódio há ainda três multas relacionadas a infrações ambientais, que somam mais de 1,4 milhão de reais. A mais antiga é de 2007 e aparece até o momento como “aguardando pagamento”. Outro proprietário de terras, José Marcos Leite Júnior, não doou para a campanha de Bolsonaro, mas esteve em Brasília. Ele acessou 50 milhões de reais em recursos do crédito rural. A mãe dele, Ana Maria Leite, também produtora rural, acessou mais de 92 milhões de reais da política pública. Juntos, eles colocaram nos negócios da família 142 milhões de reais, apesar de somarem mais de 455 mil reais em multas ambientais.
Em 1º de novembro de 2022, dias após Bolsonaro perder as eleições para o atual presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Moura se uniu a manifestantes bolsonaristas que bloquearam um trecho da BR-364, em Rio Branco. No discurso, afirmou que Lula na Presidência seria “a chegada do comunismo ao Brasil” e que apenas as Forças Armadas poderiam “salvar” o país. “A hora é agora, de pedir clemência se preciso for até de joelhos na porta dos quartéis. É só o Exército que pode salvar este país lindo da miséria”, declarou. Antônio Aparecido Custódio, por sua vez, encomendou a instalação de outdoors pró-Bolsonaro na reeleição de 2022 – a Justiça, depois, determinou que ele os retirasse. As peças associavam a esquerda a crimes. Questionado pela imprensa, na época, Custódio disse que queria “um Brasil melhor”.
HOLAMBRA, SP, 24.08.2022 – Ao lado de Jair Bolsonaro, bandeira do Brasil, “Vida, Bandido Preso, Povo armado, Valores Crist√£os, Liberdade, Obras no Brasil, Agro Forte, Menos Impostos” (Foto: Matheus Reche/Uaifoto/Folhapress)
O ato levou Jorge Moura a ser apontado pelo Ministério Público do Acre como possível organizador e financiador dos atos golpistas. Uma pessoa que, por medo, prefere não se identificar, afirma que, além de discursos às margens da BR-364, Moura levaria comida para os manifestantes que bloquearam a via. “Ele mandava matar muitos Bois e levava para alimentar as pessoas que estavam lá. Se isso não é financiar, eu não sei mais o que é”, diz. Por telefone, a equipe do Supremo Tribunal Federal (STF) informou que não encontrou o nome de Jorge Moura na relação de financiadores do golpe, mas justificou que isso pode ocorrer porque o processo corre em sigilo e alguns nomes não podem ser divulgados.
Em dezembro de 2023, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) apertou o cerco contra os desmatadores. Em uma parceria com o MapBiomas, que monitora áreas da Amazônia e utiliza alertas de desmatamento ilegal, o banco afirma impedir a contratação, suspender as liberações ou mesmo solicitar o pagamento antecipado das operações de crédito consideradas irregulares. A decisão, em tese, impede desde março de 2024 a concessão de crédito rural a clientes com embargo ambiental vigente, mesmo que em imóveis não diretamente associados ao financiamento.
Embora o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, tenha dito que “a esmagadora maioria dos produtores rurais respeita as normas ambientais”, há quem acesse os recursos, depois seja flagrado cometendo irregularidade ambiental e permaneça, mesmo assim, com acesso ao crédito já contratado. Jorge Moura, por exemplo, acessou mais de 3,9 milhões do BNDES e teve sua área embargada em 23 de maio de 2024 por infração da flora, mas seus empréstimos não foram desclassificados – segundo o BNDES, isso aconteceu porque a aquisição do empréstimo dele foi anterior à nova regra. O dinheiro adquirido anteriormente foi usado para a compra de máquinas e a correção intensiva do solo para o plantio.
Ainda que as instituições financeiras garantam monitorar os recursos, o dano causado é irrecuperável. Milhões de Animais, Plantas e Fungos são aniquilados, mortos para abrir espaço para pastagens e plantações de soja. Esse dinheiro não só destrói a Floresta como ameaça a sobrevivência de povos originários e seus territórios, como a Terra Indígena Karipuna. “Se os bancos e os governos estão dando dinheiro para matar a Floresta, eles estão financiando a morte dos Karipuna”, denuncia Adriano Karipuna, uma das principais lideranças de seu povo.
Essa realidade vai além das estatísticas e das palavras: expõe o colapso iminente de um ecossistema vital para o planeta e para o futuro das novas gerações. Na próxima reportagem desta série, vamos aprofundar como os financiamentos afetam diretamente a resistência e a luta dos povos Indígenas.
Fazendeiro registra CAR dentro da Terra Indígena Karipuna e desmata até o limite do território. Matéria sobre desmatamento com financiamento de verba pública na região da AMACRO. Foto de João Laet / Sumaúma
O QUE DIZEM OS BANCOS E OS CREDORES
Em entrevista por telefone, em 26 de fevereiro de 2025, Juares Monteiro confirmou que realizou em sua propriedade a retirada de árvores sem autorização da autoridade ambiental. Segundo ele, a autorização foi solicitada, mas, por falha de comunicação com as pessoas que realizavam o trabalho na fazenda, ela acabou acontecendo antes de o documento chegar, o que gerou o embargo da área. Sobre a multa recebida, Juares informou que fez um acordo com o Ibama e pagou meio milhão de reais. Segundo ele, a multa aparece ainda pendente no sistema do órgão ambiental por uma provável demora no sistema.
Questionado sobre como conseguiu obter financiamentos para uma área embargada, Juares disse que os bancos é que poderiam responder. “O banco pede informações, pede documento, a gente fornece e eles fazem o que é legal”, disse. “Acredito eu que seja tudo dentro da legislação prevista do que é permitido, senão o banco não iria liberar”, afirmou.
Juares afirmou também que todas as atividades que acontecem na Fazenda Arco íris foram feitas fora da área embargada e, por isso, estão em conformidade com a legislação. Sobre as imagens de gado flagradas pelos satélites nos locais embargados, ele disse não saber se pode ter havido alguma atividade pontual no local anos atrás. Reconheceu, no entanto, que não há cercas isolando a área embargada para evitar que o gado circule por ali, como determina a legislação. “Hoje não tem nada nas áreas embargadas, não tem nada plantado. Não sei te dizer se tinha cinco anos atrás”, disse ele, complementando que não mora no local e vai à Fazenda Arco Íris a cada três ou seis meses, aproximadamente.
Em uma conversa anterior, no dia 23 de janeiro de 2025, Juares Monteiro disse que suas terras que aparecem no satélite como possivelmente sobrepostas à Gleba Rio Preto são legais e registradas em cartório.
Enviamos email e tentamos contato por telefone com as empresas das quais Jorge José de Moura é sócio. Também enviamos mensagem para um número de WhatsApp que aparece como ligado a ele no site das empresas, mas não houve retorno.
O proprietário José Marcos Leite Júnior enviou, por intermédio de seu advogado, um posicionamento de dez páginas. O documento informa que o próprio Ibama, em 2015, confirmou, ao analisar as coordenadas geográficas da multa que havia aplicado, que o desmatamento atribuído a sua propriedade ocorreu fora dos limites de sua fazenda, o que anulou a infração. No entanto, a multa segue ativa nos arquivos públicos do Ibama.
O mesmo documento afirma ainda que, em 2019, Ana Maria Leite foi multada pelo Ibama por desmatar 42 hectares de vegetação. Em 2020, o Ministério Público Federal (MPF) entrou com um processo contra ela pedindo a recuperação da área degradada e, se necessário, o pagamento de indenização. Na audiência foi feito um acordo judicial com o MPF no qual ela se comprometeu em regularizar a situação ambiental da fazenda dentro das regras do Código Florestal.
Sobre a presença do proprietário José Marcos Leite na reunião com ruralistas e apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro, ele afirma que “se tratava-se de uma agenda relacionada ao setor do agronegócio, na qual ele esteve presente enquanto membro integrante da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Acre – Faeac, sem qualquer vínculo partidário”.
Entramos em contato com diversas empresas com as quais Antônio Aparecido Custódio tem relação. A CrediSIS CrediAri, onde ele é vice-presidente do Conselho de Administração, respondeu e afirmou que Antônio Aparecido Custódio não tomou e nem possui recursos de crédito oriundos de repasses rurais administrados pela cooperativa. Caso existam tais operações, segundo a instituição, estas foram realizadas por intermédio de outra entidade financeira.
Além disso, a instituição declarou que as questões formuladas envolvendo o nome de Custódio são de natureza pessoal e que, sem a autorização expressa do agente citado, não possui prerrogativa para se manifestar sobre suas decisões e negócios particulares. Pedimos o contato pessoal dele, mas a empresa não forneceu.
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SUMAÚMA procurou o Banco da Amazônia entre os dias 23 de janeiro e 13 de fevereiro por diversos meios: telefone, email e WhatsApp da assessoria de imprensa para entender em que situação os empréstimos feitos a áreas em situação irregular foram concedidos. Reiteramos a importância de um posicionamento da instituição, mas não houve resposta.
Sobre os empréstimos dados a Juares Monteiro, o Banco do Brasil afirmou que, “apesar de o embargo ser de 2019, a inclusão nas bases que permitem a consulta sistematizada ocorreu apenas em 2023. Por esse motivo, foram contratadas operações [empréstimos] em 2020 e 2021”. Disse ainda que, considerando o histórico de vigência das regras, quando identificados casos com embargos sobrepostos a áreas financiadas, as
O IBGE divulgou, nesta quinta-feira (17), dados da pesquisa ‘Características urbanísticas do entorno dos domicílios’ que mostram que, apesar de estarem cercados pela maior floresta tropical do mundo, os estados da Amazônia Legal registram os piores índices de arborização urbana no Brasil. Por outro lado, municípios ligados ao agronegócio, como Maringá (PR) e Lucas do Rio Verde (MT), se destacam positivamente, com mais de 90% da população vivendo em ruas com ampla presença de árvores.
No Acre, por exemplo, apenas 10,7% dos moradores urbanos vivem em vias com mais de cinco árvores. No Amazonas, o índice sobe pouco: 13,7%. Roraima, Pará e Amapá também aparecem entre os dez piores colocados. O levantamento considera como “rua arborizada” aquela com pelo menos uma árvore com mais de 1,70m, mas para avaliar níveis mais altos de cobertura verde, o Censo categorizou também vias com até duas, quatro ou mais de cinco árvores.
Já os municípios tradicionalmente ligados ao agronegócio apresentam os melhores índices. O Mato Grosso do Sul lidera nacionalmente, com 58,9% da população urbana vivendo em ruas com mais de cinco árvores. O Distrito Federal aparece em segundo (56,4%), seguido por estados como Paraná (49%), Mato Grosso (40,3%) e São Paulo (38,4%).
Porto Velho capital de Rondônia
Maringá, no interior do Paraná, desponta como a cidade com mais de 100 mil habitantes com maior arborização urbana: 98,6% dos moradores vivem em ruas densamente arborizadas. Outras “capitais do agro”, como Lucas do Rio Verde (MT), Sinop (MT) e Rondonópolis (MT), superam os 93% nesse quesito, provando que desenvolvimento urbano e preservação ambiental podem caminhar juntos.
Já em estados como Sergipe e Alagoas, mais da metade da população urbana vive em ruas sem nenhuma árvore, com 68,2% e 58,2%, respectivamente. Mesmo considerando apenas a presença de uma única árvore, os estados da Amazônia ainda figuram entre os piores resultados.