Sentença datada do último dia 26 de março, prolatada pelo Juíza Silvana Maria de Freitas, da 2ª Vara da Fazenda Pública de Porto Velho, condenou por improbidade administrativa o ex-Secretário de Segurança Pública do Estado na gestão do Governador Ivo Cassol, Delegado de Polícia Civil Renato Eduardo de Souza. Junto com ele foi também condenado o Delegado André Roberto Lima de Sousa, na época Delegado da Central de Polícia. Os dois delegados foram condenados em razão da prisão arbitrária do Auditor Fiscal Joaquim Ferreira da Costa, ocorrida no dia 03 de fevereiro de 2006. Naquele dia, o Auditor deteve no Posto Fiscal da Balsa um comboio de caminhões que transportavam gado que era conduzido por Marcelo de Andrade, filho do Secretário de Estado das Finanças da época José Genaro de Andrade. O filho do Secretário não trazia nota fiscal do gado e nem guia sanitária do IDARON, e por isso o auditor deteve a carga, começando então uma discussão entre os dois homens. Irritado com o Auditor, mesmo sem autorização para prosseguir com a carga, Marcelo de Andrade foi embora com o gado. Por telefone, ele acionou o Governador Ivo Cassol, que mandou o Delegado Renato Eduardo, na época Secretário de Segurança, ao posto fiscal. Disse Marcelo ao Governador que Joaquim tinha rasgado a nota fiscal apresentada no posto e que mostrava sinais de embriaguez. Renato Eduardo foi pessoalmente ao posto fiscal com o delegado plantonista André Roberto e outras autoridades da SEFIN. Foi procurada a nota que teria sido extraviada pelo Auditor, mas não se encontrou sequer vestígio do documento. Ainda assim, os delegados prenderam o auditor por extravio de documento público. Considerou o Ministério Público, autor da ação, que a prisão foi arbitrária porque não foram encontrados vestígios do documento supostamente extraviado, não existindo, portanto, situação de flagrância. Em razão da prisão em flagrante arbitrária, o auditor ficou preso vários dias e respondeu a processo criminal, no qual terminou sendo absolvido. A condenação imposta aos dois delegados foi apenas o pagamento de multa. Em contato com o Promotor de Justiça ALZIR MARQUES, que acompanha o caso, este informou que irá recorrer da decisão por considerar que a imposição apenas de multa não condiz com a gravidade do ato praticado pelos Delegados. O Promotor também afirmou que o caso revela o despropósito da chamada “PEC da Impunidade”, que atribui poder de investigação apenas aos Delegados e está em discussão no Congresso Nacional. Disse que, se valesse tal regra, quem teria que investigar os Delegados seriam seus próprios colegas, o que implicaria prejuízo ao esclarecimento dos fatos em razão do corporativismo. Em casos assim, de acordo com a PEC, o Ministério Público não poderia investigar e haveria prejuízo para a sociedade. Concluiu ressaltando a importância de a sociedade protestar contra a PEC da Impunidade. Confira a sentença na íntegra: CONCLUSÃO Aos 30 dias do mês de Janeiro de 2013, faço estes autos conclusos a Juíza de Direito Silvana Maria de Freitas. Eu, _________ Silvia Assunção Ormonde - Escrivã(o) Judicial, escrevi conclusos. Vara: 2ª Vara da Fazenda Pública Processo: 0011835-47.2010.8.22.0001 Classe: Ação Civil de Improbidade Administrativa Requerente: Ministério Público do Estado de Rondônia; Estado de Rondonia Requerido : André Roberto Lima de Sousa; Renato Eduardo de Souza Vistos. O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RONDÔNIA intenta AÇÃO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA em desfavor de ANDRÉ ROBERTO LIMA DE SOUSA e RENATO EDUARDO DE SOUZA. Narra a parte Autora que em 03 de fevereiro de 2006, André Roberto Lima de Souza, na qualidade de Delegado de Polícia, em cumprimento a determinação de seu superior hierárquico, Secretário de Estado de Segurança, o coréu, Renato Eduardo de Souza, diligenciou no sentido de promover prisão em flagrante do Auditor Fiscal Joaquim Ferreira da Costa, quando exercia sua função no Posto Fiscal da Balsa, nesta Comarca, ao argumento de que este último teria supostamente desviado via de nota fiscal de determinado produtor e, ainda, estaria atuando sob efeito de álcool. Diz que referida prisão foi absolutamente irregular nos termos do Código de Processo Penal, logo caracterizado abuso de autoridade, pois c Informa que estando todos no local, passou-se então a procederem busca com o fim de encontrar a alegada "nota fiscal extraviada segundo narração do produtor Marcelo", contudo nada se achou, ou seja, não havia o menor indício do documento ou de seu extravio, ainda, assim, o Auditor Fiscal foi levado preso, após receber voz de prisão em flagrante pelo policial João Batista Sales dos Réis, sob argumento de que teria incorrido no crime tipificado no art. 314 do Código Penal. Diz inexistir relação com os fatos a tipificação criminal com o fim de fundamentar a prisão em flagrante, logo cuida-se de medida absolutamente irregular, pois ao chegarem no local não mais persistia a informação de extravio de documento fiscal, que na remota possibilidade de ter ocorrido se deu antes da chegada dos policiais, assim como também não se tratava de perseguição, logo sobre qualquer prisma não caberia a imputação criminal e o ato de levá-lo preso. Alega que neste caso ocorreu em verdade medida privativa da liberdade individual praticada com abuso de poder, ou seja, a medida se deu com o fim de mostrar que o Auditor Fiscal - teria mexido com quem não devia – logo Renato Eduardo e André Roberto violaram o princípio da legalidade, incindo na regra do art. 11, inciso I e art. 12, inciso III, ambos da Lei n. 8.429/92. RENATO EDUARDO DE SOUZA, apresenta defesa prévia (fls. 13/25), onde anota que o extravio de documento é o próprio crime, razão de não ter sido localizado, depois de acordo com os demais presentes, o Auditor Fiscal estaria trabalhando sob efeito de álcool e teria sumido com o documento fiscal, logo a prisão em flagrante se deu a partir destes fatos, portanto no cumprimento do dever legal, depois ressalta que o Auditor não recebeu relaxamento de prisão, mas concessão de liberdade provisória, tendo o processo criminal tramitado regularmente o que descaracteriza a tese inicial, assim inexistente ato ímprobo não deve o feito ser recebido. ANDRÉ ROBERTO LIMA DE SOUSA apresenta defesa prévia (fls. 27/38), onde anota que ao chegar no Posto Fiscal e solicitar a nota fiscal que deveria estar arquivada, esta não foi localizada, e a notícia é de que teria o Auditor Fiscal, supostamente sob efeito de álcool, sumido com referido documento fiscal, razão da prisão em flagrante, pois destruir documento público é crime nos termos do art. 314 do CP, depois a prisão foi homologada pelo Juízo plantonista e ao requerer relaxamento foi indeferido e somente decorridos sete dias fora concedida liberdade provisória, logo agiu no estrito cumprimento do dever legal, portanto inexistente elementos a caracterizar improbidade administrativa, devendo ser rejeitada a ação. MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RONDÔNIA manifestou-se quanto as defesas prévias (fl. 41). Recebia a ação foi determinada a citação dos Requeridos (fls. 46/47). ANDRÉ ROBERTO LIMA DE SOUSA apresenta contestação (fls. 65/75), no mesmo sentido da defesa prévia. RENATO EDUARDO DE SOUZA apresenta contestação (fls. 76/88), no mesmo sentido da defesa prévia. O Ministério Público ao manifestar-se requer a improcedência da ação (fls. 89/95), contudo, posteriormente, por outro Promotor de Justiça, entendeu não ser o caso e requer o prosseguimento. Em saneador fora deferida prova testemunhal (fl. 104). Audiência de instrução com oitiva de Eder Paulo Santos Paes (fls. 124/125), Joaquim Ferreira Costa (fls. 126/127), Domingos Sávio da Costa Amorim (fl. 128), Ciro Muneo Funada (fls. 129/130), alegações finais pelo Ministério Público do Estado de Rondônia (fls. 132/133). Informação de descumprimento da Carta Precatória, pois não fora localizada a testemunha (fls. 145), tendo o Ministério Público desistido do depoimento de João Batista Sales dos Reis e mantém alegações finais (fl. 146). As partes apresentam alegações finais (fls. 151, 152/158 e 159/167). É o relatório. DECIDO. O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RONDÔNIA propõe AÇÃO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA em desfavor de ANDRÉ ROBERTO LIMA DE SOUSA e RENATO EDUARDO DE SOUZA, sob fundamento de que os Réus, na qualidade de Delegados de Polícia e, ainda, este último enquanto Secretário de Estado de Segurança de Rondônia, valendo-se dos cargos, declararam prisão em flagrante de Joaquim Ferreira da Costa, enquanto Auditor Fiscal, por ter este exigido Nota Fiscal. Guia de Transporte de Animais e Certificado Sorológico dos gados transportados em doze caminhões, sob o comando e responsabilidade de Marcelo Valichek de Andrade. Anota-se que os Requeridos não negam os fatos ocorridos em 03/02/2006, contudo afirmam que as medidas adotadas se deram no estrito cumprimento do dever legal, pois receberam telefonema de autoridades superiores afirmando que havia um Auditor Fiscal em serviço sob efeito de álcool junto ao Posto da Balsa e, ainda, teria inutilizado e extraviado segunda via de nota fiscal de produtor, logo não poderiam ter assumido outra conduta enquanto Delegados de Polícia, senão a de dirigirem-se até o local e levar o Auditor Joaquim preso em razão dos fatos. Com efeito, em relação a imputação de ato criminoso pelo Auditor Fiscal Joaquim, é matéria superada considerando que fora julgado pela Juízo criminal e absolvido, logo dispensando discorrer sobre este ponto. Pois bem. Incontroverso nos autos que Marcelo Valichek de Andrade ao chegar no Posto Fiscal da Balsa, em razão do comboio de gado, não apresentou a documentação necessária, bem como, não portava Guia de Trânsito de Animais e Certificado Sorológico dos gados em cumprimento a exigência do Idaron, assim, de posse de talonário de nota fiscal passou a preenchê-la no próprio Posto Fiscal, contudo é sabido que esta conduta foge ao regramento tributário, logo é evidente que estava violando regra tributária e sanitária em se tratando de transporte de animal. Nesse seguimento é importante anotar os testemunhos prestados em Juízo que se encontravam no Posto da Balsa no dia 03/02/2006, a partir de suposta denúncia: 1) Eder Paulo Santos Paes (fls. 124/125) prestava serviço como digitador no Porto Fiscal: Recorda-se que chegaram uns caminhões com gado para passar no posto fiscal, mas havia orientação para que não entrasse gado no Estado em razão da febre aftosa. Além disso a nota do produtor não estava devidamente preenchida, tendo entrado no posto sem autorização do auditor e houve entre eles uma discussão. O depoente recorda-se daquela pessoa ter dito ser filho do então Secretário de Estado Genaro. Que o auditor fiscal na ocasião estava sóbrio e o depoente nunca soube, durante três meses em que trabalhou até aquela ocasião que houvesse bebidas alcoólicas no ambiente de trabalho. Que os policiais chegaram a perguntar ao depoente sobre notas fiscais rasgadas referente ao caso em questão, tendo o depoente respondido que não viu tal fato até porque saiu logo que iniciou a discussão. Os policiais procuraram o documento rasgado no posto fiscal, mas não o localizaram. A nota foi entregue a Joaquim, mas explica que não sabe o destino dado a ela. 2) Domingos Sávio da Costa Amorim (fls. 128/130) que prestava serviço como chapa no Posto Fiscal: Recorda-se que a orientação era de parar os veículos para fiscalização. Passou um caminhão com gado e o depoente foi para a pista a fim de parar os demais, acredita que eram uns 15 caminhões aproximadamente. Joaquim perguntou sobre os documentos e o depoente se lembra que a nota fiscal não estava preenchida e o preenchimento da nota ocorreu dentro do posto fiscal. A carga também não tinha um documento do Idaron de liberação. Que o responsável pela carga queria passar com o gado sem atender as exigências. Joaquim não queria deixar a carga passar e então houve uma discussão entre eles. Recorda-se que Marcelo disse a Joaquim que iria dar uma ligação e iria sair de lá rapidamente. Logo após o telefonema, chegaram, Fabiano, Secretário de Segurança, Ciro, policial civil e delegados. Marcelo queria por tudo levar Joaquim algemado, mas foi Fabiano que o levou em seu carro particular. Se Joaquim bebeu, o depoente não foi capaz de perceber até por que normalmente ele fica dentro do posto e os fiscais do lado de fora. 3) Ciro Muneo Funada (fls. 129/130) Coordenador da Receita Estadual: Recebeu um telefonema do Governador do Estado afirmando que o fiscal que estava trabalhando no posto da balsa estava embriagado e retendo indevidamente carga no local. Diante da gravidade do relato o depoente acionou a delegada da receita, Auxiliadora, o chefe do posto, Fabiano, e a presidente do Sindicato Cléia. Todos foram para o local. Chegaram praticamente junto com a polícia civil. Conversou com Joaquim e ele alegou que não deixou a carga passar por que a nota havia sido preenchida no próprio posto fiscal e também não havia sido apresentada a GTA. Naquela ocasião o depoente não percebeu que Joaquim exalasse odor de bebida alcoólica. Não tem certeza se no telefonema o Governador teria mencionado o sumiço da nota. A notícia era de que Joaquim haveria amassado ou rasgado a nota e jogado no lixo. Foi feito uma busca em todo o posto, e, inclusive nos bolsos do Joaquim, mas nada foi localizado. Impressionava a quantidade de pessoas no local, mas não sabe dizes se isso era normal, por que nunca antes havia tido um caso dessa natureza. Até hoje depoente se questiona se a inexistência da nota seria suficiente para manter Joaquim preso. Na opinião do depoente nunca ficou provado que Joaquim tivesse sumido com o documento. Também foi procurado a nota nas adjacências do posto. Neste caso, a nota seria emitida pelo Estado do Amazonas. Não se recorda se este ponto foi questionado pelos policiais. Com efeito, dos depoimentos acima não é possível entender tenha o Auditor Fiscal Joaquim efetivamente cometido ato criminoso, pois não há indícios de que tenha sumido ou mesmo extraviado referido documento fiscal. É fato que em razão de telefonema de autoridade máxima do executivo foi deslocado para o Posto Fiscal outras tantas autoridades de primeiro escalão, a exemplo do próprio Secretário de Estado de Segurança, Coordenador da Receita Estadual, Delegados e Chefe o próprio Posto Fiscal. Também chama atenção que a única preocupação era encontrar um documento fiscal que tudo levava a crer estava em poder do denunciante, filho do então Secretário Genaro. Está cristalino nos autos que Marcelo efetivamente transportava gado em doze ou mais caminhões sem se importar em cumprir regramento legal, contudo este ponto sim, de máxima relevância, não fora cuidado por nenhuma das autoridades presentes, ainda que se gaste milhões com propaganda contra febre aftosa. Nesse cenário, difícil acreditar que os Requeridos tenham atuado no rigoroso dever funcional, pois levar o Auditor preso sem dúvida fora uma medida no minimo excessiva. Não se despreza o fato de que o tipo do delito era "extraviar" documento público e que tal documento, efetivamente, não foi encontrado no Posto Fiscal. Contudo, os requeridos são Delegados de Polícia e, diante de uma denúncia de ilícito, não é adequado simplesmente acreditar em uma única versão, desprezando-se todo o contexto em que se verificou o suposto ilícito. Ora, ao chegarem no Posto Fiscal não fora encontrado respaldo no depoimento de nenhum dos presentes a notícia do suposto ilícito. Ninguém sabia da tal nota. A situação exigia cautela, mas os requeridos foram premidos pelo fato de que o denunciante possuía "costas quentes" como se costuma dizer. O que mais incomoda nesta situação não é apenas o fato de o Fiscal - que fez regularmente o seu trabalho - ter sido preso, mas sim que TODOS os presentes preferiram simplesmente fazer vista grossa ao fato de que mais de 10 caminhões de gado, aparentemente do filho do então Sr. Secretário Genaro, entraram ilegalmente no Estado e NINGUÉM adotou uma única providência para evitar que esses animais seguissem seu destino. O aparelhamento Estatal voltou-se exclusivamente contra quem cumpriu seu dever: o Fiscal e, confortavelmente, não foi adotada uma única providência contra o fato verdadeiramente criminoso. Nesse seguimento, tenho por transcrever pontos da sentença junto aos autos da ação criminal sob o n. 501.2006.000815, por tê-los como relevantes e ajustado em fudamento: |