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Brasil : DESMOTIVAÇÃO
Enviado por alexandre em 07/06/2021 09:19:39

Pandemia criará tsunami de desmotivação e falta ao trabalho, alerta psicóloga

"Há muitas reclamações de esgotamento porque achávamos que a pandemia seria uma corrida de velocidade, não uma maratona."

É assim que Elke Van Hoof, professora de Psicologia da Saúde na Universidade de Vrije, em Bruxelas, e especialista em estresse e trauma, define a pandemia do coronavírus.

Van Hoof conversou inicialmente com a BBC News Mundo quase um ano atrás, quando disse que o mundo viveria "o maior experimento psicológico da história", devido ao confinamento causado pela pandemia da covid-19. O resultado, porém, é que demonstramos "mais resiliência do que imaginávamos", agrega ela agora.

Mas a pesquisadora alerta que essa resiliência está em declínio e que o absenteísmo (falta de funcionários no trabalho) é esperado no longo prazo, embora ainda haja esperança de contê-lo.

Agora, a especialista, que também assessora o governo belga em questões psicológicas causadas pelo confinamento, analisa os efeitos do isolamento social na saúde mental das pessoas.

Abaixo, um resumo da entrevista com Elke Van Hoof.

Línea

BBC News Mundo - Quase um ano atrás, você disse que o confinamento seria o maior experimento psicológico da história e que pagaríamos o preço. Nós pagamos? Ainda estamos pagando?

Elke Van Hoof - Acho que uma das principais descobertas é que nós, como humanos, temos muito mais capacidade de resiliência do que imaginávamos.

Portanto, o que vemos na população em geral é que permanecemos firmes.

Claro, há muitas reclamações por cansaço porque todos pensávamos que a pandemia global seria uma corrida de velocidade e agora parece uma maratona sem fim.

Ilustração de mulher com máscara olhando pela janela

Crédito, Cecilia Tombesi/Getty

Legenda da foto,

Estamos todos nos exaurindo lentamente, e isso se mostra em pesquisas com queixas relacionadas ao estresse, diz pesquisadora

Estamos todos nos exaurindo lentamente e isso se mostra em pesquisas com queixas relacionadas ao estresse, incluindo sentimentos de depressão e ansiedade por causa do medo de possíveis problemas de longo prazo relacionados à covid-19 que as pessoas sentem.

Existem altos níveis de languidez (diminuição do ânimo). Mas quem está pagando um preço ainda maior são aqueles que tinham algum tipo de vulnerabilidade antes da pandemia. Seja porque tiveram um diagnóstico psiquiátrico ou outro problema, eles estão realmente sofrendo.

BBC - Como as pessoas responderam psicologicamente a um ano de pandemia?

Hoof - A população em geral continua firme.

Antes da pandemia, em 2019, vimos que 1 em cada 3 pessoas estava indo bem, e agora, em março de 2021, vemos que apenas 1 em cada 5 pessoas ainda pode ir bem. Isso significa que há uma redução na resiliência.

Mas também nos mantemos firmes porque as faltas ao trabalho ainda não estão aumentando, o que é surpreendente.

Em nossa pesquisa, vemos que existem mais fatores de risco que uma pessoa pode enfrentar quando sofre de algum tipo de transtorno relacionado ao estresse e doença de longa duração.

Os profissionais de saúde estão realmente pagando o preço de estar na linha de frente há mais de um ano. Mas não só porque estão lá, mas também porque não se sentem mais amparados pela população em geral, que tem dificuldade em manter as medidas, que podem ser bastante restritivas.

É de se esperar que todo mundo esteja começando a se cansar dessa pandemia global, mas os profissionais de saúde precisam continuar trabalhando duro, e não se sentem tão apoiados. Essa é uma carga emocional que aumenta a exaustão.

Existem outros fatores de risco: as pessoas temem a covid-19. Falamos, por exemplo, de pais solteiros e de pessoas que possuem sistemas familiares complexos, além daqueles que já tiveram algum tipo de diagnóstico psicológico ou psiquiátrico prévio.

Também tendemos a ver que, quanto mais fatores de risco uma pessoa tem, maior a chance de ela sofrer de transtornos relacionados ao estresse e ter experiências traumáticas, mesmo a longo prazo.

Nosso conselho é que devemos abordar os fatores de risco porque eles são o que chamamos de cumulativos e multiplicativos. Por isso, é importante detectá-los e gerenciá-los.

Então, se você me perguntar, estamos pagando um preço? Sim, estamos e há mais por vir, porque ainda estamos na pandemia.

O que expliquei há um ano é que haverá alguns problemas de resposta tardia que ainda não são visíveis, mas eles virão.

Embora haja alguns sinais de alerta, eles ainda são bastante controláveis ​​no momento, mas sabemos disso por experiências anteriores.

Por exemplo, uma grande crise econômica no início dos anos 2000 nos mostrou que a resposta tardia é inevitável e que ainda não aconteceu.

BBC - Quais seriam essas respostas tardias que ainda podemos enfrentar?

Hoof - Acredito que um dos principais problemas que esperamos é a falta ao trabalho a longo prazo.

Elke Van Hoof

Crédito, Koen Bauters

Legenda da foto,

"Esta pandemia é tratada de uma perspectiva médica muito mais do que de uma perspectiva de saúde mental e isso vai gerar um custo", disse Elke Van Hoof

As pessoas cairão devido ao esgotamento e transtornos relacionados ao estresse, que chamamos de languidez ou esgotamento do coronavírus (coronavirus burnout), em alguns países.

As empresas também estão sofrendo com isso. Estão ficando sem maneiras criativas de inspirar as pessoas novamente e recarregar sua resiliência para enfrentar aquele enorme aumento do absenteísmo que vimos no passado e que sabemos que vai acontecer novamente.

Mas já que sabemos que isso acontecerá, há esperança. Podemos antecipar esse tsunami de faltas ao trabalho.

Meu conselho para as empresas é que se preparem para quando as pessoas começarem a se ausentar por longos prazos.

Certifique-se de ter um plano de respaldo para manter a continuidade do trabalho, mas também que você já criou um bom plano de retorno ao trabalho. Porque vemos na pesquisa que, a nível social, se existem políticas que incluem um retorno sólido ao trabalho, há menos absenteísmo no trabalho após uma crise.

Agora é a hora de investir em uma política de retorno ao trabalho muito boa, a fim de estar preparado para aquela ausência prolongada que aparecerá em todos os lugares.

BBC - O que aprendemos sobre nossa saúde mental neste momento especial e crítico de nossas vidas?

Hoof- Acredito que a saúde mental ainda seja considerada um luxo, uma mercadoria para poucos.

Se eu analisar a gestão global desta pandemia, ainda sinto que não estamos tratando da saúde mental como deveríamos.

As pessoas estão sofrendo para manter as medidas rígidas que todos devemos seguir para vencer e enfrentar esta pandemia. Claro, isso reduz a motivação delas.

Mas isso também se deve ao fato de que não estamos lidando com saúde mental. Não estamos investindo em inspirar as pessoas a tentarem dar-lhes ferramentas para manter sua saúde mental.

Para mim, a ideia mais importante de um ano neste enorme experimento psicológico, é que pensei que já estávamos entrando em um modelo biopsicossocial de abordagem de problemas. Mas acho que não.

Esta pandemia é tratada de uma perspectiva médica muito mais do que de uma perspectiva de saúde mental e isso vai nos custar caro.

BBC - Que oportunidades a pandemia nos oferece?

Hoof - A maior oportunidade é dar importância à saúde mental e também enfatizar a efetiva qualidade de vida.

O lado positivo está no fato de que sempre podemos mudar a maneira como lidamos com essa pandemia.

Acho que também podemos refletir sobre como queremos que seja o futuro.

Já estamos fartos, mas se conseguirmos manter essa flexibilidade do home office, temos uma grande oportunidade de termos uma sociedade muito mais inclusiva.

Ilustração de uma mãe e um filho durante o ensino doméstico

Crédito, Cecilia Tombesi/Getty

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Pesquisadora aponta que alguns países ainda estão vendo a saúde mental como um luxo, como um bem para quando têm tempo de sobra

Existe a oportunidade de uma maior participação das pessoas em situação de vulnerabilidade, incluindo essas pessoas que estão em casa há muito tempo.

Vejo muitas oportunidades para definir esse grande "Novo Mundo", em que todos queremos viver. Mas também vejo sinais de que alguns países não estão levando isso muito a sério.

Eles ainda estão vendo a saúde mental como um luxo, como um bem para quando têm tempo de sobra, e não acho que seja um bom caminho a seguir.

BBC - Há algo positivo com que você, como psicóloga, tenha se surpreendido neste ano?

Hoof - Acho que o ponto positivo foi durante a primeira fase do confinamento em vários países.

Muitos trabalhadores romantizaram o trabalho remoto e conseguiram respirar um pouco de ar fresco porque o mundo ficou mais lento.

Pessoas que de repente disseram: "Uau, tenho mais tempo com meus filhos, posso começar um novo hobby."

Achei que as pessoas ficariam muito mais estressadas e, nas primeiras fases do confinamento, estavam mais relaxadas do que nunca.

Claro, devido à grande persistência desta pandemia, perdemos essa vantagem.

Acredito que os governos perderam essa oportunidade. Perdemos a motivação, mas também o empenho das pessoas porque não as incluímos, não as ouvimos.

Também algo que realmente me surpreendeu, e que é negativo, é o medo da morte.

Perdemos tantas vidas para a covid-19 que muitos não conseguiram dizer adeus. Na maior parte das vezes, isso só foi possível por meio de smartphones, devido aos riscos de contágio.

Muitas pessoas morreram sozinhas. Muitas famílias que perderam alguém não conseguiram viver o luto como deveriam.

Meu conselho a todos os países é que instalem monumentos para lembrar todos aqueles que morreram, onde as pessoas possam refletir e que as famílias saibam que seus entes queridos não são esquecidos.

Não sabia que tínhamos medo da morte assim e que, na verdade, estamos relatando as perdas, mas não estamos reconhecendo a dor que as acompanha.

BBC - Parece que ainda temos um longo caminho a percorrer nesta pandemia. Algum conselho para nossa futura saúde mental?

Hoof - Acho que um bom conselho para nossa saúde mental é cuidar de nós mesmos e ter um bom estilo de vida, incluindo níveis suficientes de exercício.

Elke Van Hoof

Crédito, Koen Bauters

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"Agora é a hora de investir em uma política de retorno ao trabalho muito boa, a fim de estarmos preparados para aquela ausência de longo prazo que aparecerá em todos os lugares"

Mas uma das principais dicas que quero compartilhar é ajudarmos uns aos outros.

Se você encontrar alguém e disser "olá", reserve um tempo para perguntar: "Como vai você?" Higienize as mãos e pegue nas mãos das pessoas. Seja gentil e atencioso. Envie cartões para alguém. Faça algum trabalho voluntário em sua comunidade.

Se você tiver um momento de sobra, ligue para os centros de idosos e pergunte se você pode falar com alguém que não recebe visitas. É para eles que realmente precisamos mostrar que estamos cuidando uns dos outros.

Não cuide apenas de si mesmo, mas invista no cuidado das outras pessoas porque isso também nos ajuda.

Isso dará nossos níveis de bem-estar de uma forma muito mais sustentável.

Brasil : O LADO NEGRO
Enviado por alexandre em 07/06/2021 09:16:36

Os chocantes relatos sobre internatos onde morreram 6 mil crianças indígenas no Canadá

A escola Kamloops em 1937: local tinha capacidade para abrigar até 500 crianças

De 1863 a 1998, mais de 150 mil crianças indígenas foram separadas de suas famílias e levadas a internatos no Canadá.

Esses colégios administrados pelo governo, e em sua maioria operados pela Igreja Católica, formavam parte da política de assimilação cultural das crianças indígenas.

Os menores não podiam falar sua língua ou praticar a cultura de seus povos. Muitos eram maltratados e sofriam abusos.

Agora, a aterrorizante descoberta dos restos mortais de 215 crianças que estudavam em um desses internatos, a escola residencial indígena Kamloops, colocou novamente em discussão os abusos cometidos nessas instituições.

"Genocídio cultural"

As igrejas cristãs foram essenciais na fundação e operação dessas escolas.

A Igreja Católica, em particular, foi responsável por operar até 70% dos 130 internatos, de acordo com a Sociedade de Sobreviventes de Escolas Residenciais Indígenas.

Crianças em um internato para menores indígenas no Canadá em 1950

Crédito, Getty Images

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Crianças em um internato para menores indígenas no Canadá em 1950

As crianças eram obrigadas a abandonar suas línguas nativas, falar inglês ou francês e se converter ao cristianismo.

Joseph Maud foi uma dessas crianças. Em 1966, com cinco anos de idade, ele entrou no internato Pine Creek, em Manitoba, no Canadá.

Era esperado que os alunos falassem inglês ou francês, mas Maud só falava a língua de seu povo, Ojibwa.

Se os alunos falassem suas próprias línguas, eles levavam puxões de orelhas e suas bocas eram lavadas com sabão, relatou Maud à BBC em 2015, quando foi publicado um relatório da Comissão de Verdade e Reconciliação sobre o tema.

"Mas a maior dor era estar separado dos meus pais, primos e dos meus tios e tias", contou Maud à BBC.

O relatório descreveu a política liderada pelo governo como "genocídio cultural".

"Essas medidas faziam parte de uma política coerente para eliminar os aborígenes como povos distintos e assimilá-los na corrente dominante canadense contra a sua vontade", diz o documento.

"O governo canadense seguiu essa política de genocídio cultural porque desejava se livrar de suas obrigações legais e financeiras com o povo aborígene e para obter controle de suas terras e recursos", aponta o relatório.

Evelyn Camille, sobrevivente da escola Kamloops posa ao lado de memorial das vítimas do lugar

Crédito, COLE BURSTON

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Sobrevivente da escola Kamloops, Evelyn Camille posa ao lado de memorial das vítimas do lugar

Condições precárias e abusos

O relatório detalha falhas graves no cuidado e segurança das crianças, com o apoio da igreja e do governo.

Os alunos costumavam ficar alojados em edifícios com construções precárias, mal aquecidos e insalubres, segundo o relatório. Muitos não tinham acesso a um médico capacitado para acompanhá-los.

O trabalho da Comissão de Verdade e Reconciliação apontou que cerca de 6 mil crianças morreram enquanto estavam em internatos. Seus corpos raramente voltavam para a família. Muitos foram enterrados em sepulturas sem nomes.

O Projeto Crianças Desaparecidas documenta as mortes e os locais de sepultamentos de muitos desses menores. Em um levantamento recente, a iniciativa divulgou que já identificou os locais em que foram enterradas mais de 4,1 mil crianças.

Muitos daqueles que sobreviveram tiveram de conviver com as recordações de abusos emocionais, físicos e até sexuais.

Maud disse à BBC, em 2015, que tinha que se ajoelhar em um chão de concreto da capela, porque as freiras diziam que "essa era a única forma para que Deus o escutasse".

"Eu estava chorando quando me ajoelhei e pensei: quando isso vai acabar? Alguém me ajuda", relatou.

Ele se lembrou que certa vez urinou na cama. Uma freira encarregada de seu quarto, então, esfregou o rosto dele contra a própria urina.

"Foi muito degradante e humilhante. Porque eu estava em um dormitório com outras 40 crianças", contou.

Em 2008, o governo canadense se desculpou formalmente pelas ações do passado.

Diversos sapatos deixados em protesto contra mortes de crianças indígenas

Crédito, Reuters

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Alguns canadenses colocaram sapatos de crianças em recordação aos pequenos que morreram em escola no passado

A descoberta na escola Kamloops

A escola Kamloops funcionou entre 1890 e 1969, na cidade de mesmo nome, na província de Colúmbia Britânica, no extremo oeste do Canadá. Era a maior desse segmento, conhecido como Sistema Escolar de Residências Indígenas.

Sob administração católica, chegou a ter 500 alunos durante o seu maior período de ocupação, na década de 1950.

No fim do mês passado, foi descoberta uma vala comum na qual há restos mortais de, ao menos, 215 crianças indígenas. O fato causou indignação em todo o país.

A descoberta foi feita por uma iniciativa da nação indígena Tk'emlups te Secwepemc, da região, que informou ter usado um radar de penetração no solo durante uma pesquisa no local.

Fachada da escola residencial Kamloops, que abrigava crianças indígenas

Crédito, Reuters

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Havia cerca de 130 internatos para crianças indígenas no Canadá. Na foto, a fachada da Kamloops

Especialistas de museus e legistas estão ajudando a estabelecer as causas e os momentos das mortes das crianças, que até o momento não são conhecidos.

O relatório final sobre a descoberta está previsto para ser divulgado em meados de junho, e as conclusões preliminares podem ser revisadas. Líderes e defensores indígenas acreditam que o número de 215 aumente.

Até hoje não há um panorama completo do número de crianças que morreram, das circunstâncias de suas mortes ou de onde estão enterradas. Iniciativas como a da nação Tk'emlúps te Secwépemc estão ajudando a reunir um pouco dessa história.

O primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, chamou a situação de uma "dolorosa lembrança" de um "capítulo vergonhoso da história de nosso país".

Trudeau pediu que a Igreja Católica "assuma a responsabilidade" de seu papel nas escolas residenciais indígenas.

O governo assumiu a administração da escola Kamloops em 1969 e a utilizou como residência para estudantes locais até 1978, quando o lugar foi fechado.

"Precisamos ter a verdade antes que possamos falar sobre justiça, cura e reconciliação", disse Trudeau.

Brasil : EM QUEDA
Enviado por alexandre em 05/06/2021 00:51:24

Consumo de carne no Brasil é o mais desde o ano de 1996
Cerca de 40% da população brasileira deu adeus a algum tipo de gasto ou despesa durante a pandemia da covid-19, a despeito das medidas adotadas pelo governo para atenuar a crise, como o auxílio emergencial. A informação é do estudo “Os Brasileiros, a Pandemia e o Consumo”, realizado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), em parceria com o Instituto FSB Pesquisa. O trabalho também revelou que, a cada 10 pessoas ouvidas, sete alteraram a dinâmica dos gastos em casa.

É o que aconteceu na rotina da dona de casa Rosa Pereira da Silva, 31 anos. “O valor do auxílio atual não é suficiente para suprir as necessidades da minha família”, diz ela. “Os alimentos estão muito caros. Frutas, carnes e coisas específicas que meus filhos gostam, hoje, consideramos luxo. Preciso gastar com arroz, feijão, óleo. O arroz (pacote) está R$ 25 e eu já comprei por R$ 12. O óleo que era R$ 3, hoje eu pago R$ 9”, queixa-se.

Além da alta de preços, o consumo das famílias foi afetado fortemente pela queda na renda provocada pelo desemprego. De acordo com o Ministério da Agricultura, na pandemia, o consumo de carne caiu ao menor nível em 25 anos. Nos primeiros quatro meses de 2021, o consumo per capita caiu mais de 4% em relação a 2020, segundo os dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Em comparação com 2019, ano anterior à pandemia, a retração foi de 14%. A estimativa de consumo para carne bovina de cada brasileiro é de 26,4 kg por ano.

Agravante

A pandemia da covid-19 veio para exacerbar os efeitos da crise econômica que já fazia parte da rotina dos brasileiros, principalmente daqueles que são desassistidos pelo governo, como explica o economista William Baghdassarian, professor de economia do Ibmec Brasília. “A pandemia foi um agravante da crise de desequilíbrio fiscal que estávamos vivendo. O país gasta mais do que arrecada e, além disso, gasta mal”, afirmou.

O economista compara a situação do país diante da pandemia à de uma família em que os membros já estão endividados quando uma pessoa adoece. “A partir disso, não existe mais limite, todos vão fazer de tudo pra ajudar a pessoa, se endividar ainda mais, entrar em cheque especial para poder resolver aquela situação”, disse. “É o que aconteceu com os países, mas, no caso brasileiro, o buraco já estava aberto.”

“O auxílio foi um gasto para reaquecer a economia, criado em um contexto de evitar uma degeneração das condições de vida das pessoas. O valor inicial era de R$ 600, pouco para garantir condições dignas de vida, mas muito para a União”, explicou Baghdassarian.

Fábio Bentes, economista da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), destaca os principais fatores que levaram à alta dos preços dos produtos do mercado. “Deve-se considerar a desvalorização do real e o movimento inicial na primeira fase da pandemia, caracterizado pela corrida da população aos os supermercados. Houve um aumento na demanda, naquela época, por conta da expectativa de que faltariam produtos. Com isso, os índices inflacionários subiram”, citou.

Sem dinheiro suficiente, em busca de reverter a situação, a população optou por cortar gastos e retirar alguns produtos do carrinho, até mesmo os itens básicos na lista de compras. “Está muito difícil. Com esse valor do auxílio emergencial, tenho que fazer bicos para dar conta”, reclama o autônomo Alexandre Lima, 36 anos, residente em São Luís (MA). Ele reside com o filho de quatro anos e a esposa, de 32. Desempregado, ele usa o auxílio emergencial há sete meses. Antes, morava em Brasília, mas teve que se mudar em busca de novas oportunidades.

* Estagiárias sob supervisão de Odail Figueiredo

Material caro esfria construção

 (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press - 6/4/21)
crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press - 6/4/21

A alta nos preços dos materiais de construção fez a oferta de imóveis novos cair 14,8% nos três primeiros meses deste ano, na comparação com o mesmo período do ano passado. Apesar de um aumento recorde de 27,1% nas vendas de imóveis residenciais, a expansão do número de lançamentos foi bastante tímida, de apenas 3,7%, de acordo com um balanço divulgado ontem pela Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic).

Segundo a entidade, o número de imóveis lançados no país no primeiro trimestre de 2021 foi 58% menor quando comparado com o 4º trimestre de 2020. Enquanto isso, as vendas tiveram uma queda de 12,4% na comparação com o mesmo período. Na avaliação da Cbic, os dados mostram que a queda nos lançamentos não se deu em virtude da ausência de compradores, que têm sido encorajados pela redução das taxas de juros dos financiamentos imobiliários, mas pela insegurança dos empresários, desestimulados pelos aumentos nos insumos.

“O ano de 2021 tinha todas as características para ser um dos melhores de todos os tempos para o setor da construção. Mas aconteceu um fato, que foram os aumentos absurdos em termos de insumos”, afirmou o presidente da Cbic, José Carlos Martins. “As incertezas geraram redução na oferta dos produtos.” O Índice Nacional de Custos da Construção (INCC) acumulou alta de 12,99% nos últimos 12 meses encerrados em abril — o pico desde o Plano Real. O custo com material se destacou no período, com expansão de quase 30%.

Conforme sondagem realizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) com o apoio da Cbic, a falta ou o alto custo de matérias-primas impactou a atividade de cerca de 57,1% das empresas do setor. No ano anterior, no mesmo período, o problema foi apontado por apenas 8,1% dos empresários.

A queda dos lançamentos no 1º trimestre, em relação aos três últimos meses de 2020, ocorreu em todas as regiões. A maior retração foi observada na região Norte, onde o número de lançamentos diminuiu 72%, seguida pelo Sudeste, onde houve queda de 67,9% nas unidades lançadas.

Na comparação com o 1º trimestre de 2020, porém, os lançamentos de imóveis (28.258 unidades) nos primeiros três meses de 2021 aumentaram 3,7%. Houve redução no número de unidades lançadas nas regiões Norte (-55,6%) e Sul (-20,7%) e aumento nas demais regiões. O maior crescimento foi observado na região Sudeste (3.004 unidades), com 28,1% mais lançamentos que no trimestre inicial de 2020.

* Estagiária sob a supervisão de Andreia Castro

 

BC: inflação surpreende

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, admitiu ontem que houve “surpresas altistas” quanto ao comportamento da inflação, e que as expectativas do mercado para a alta do custo de vida subiram mais do que em outros países, o que levou a instituição a iniciar um novo ciclo de alta da taxa básica de juros, a Selic.

“Quando se olha a inflação dos alimentos, a gente vê que a alta aconteceu em todos os países. Por isso, o Brasil foi o que cresceu primeiro (os juros), porque teve o fator adicional da desvalorização da moeda e teve uma desorganização interna um pouco maior”, disse Campos Neto, durante evento on-line da gestora de Private Equity eB Capital.

Por outro lado, ele avaliou que o BC vai elevar a projeção de crescimento para o Produto Interno Bruto (PIB) neste ano, já que o desempenho da atividade econômica , no primeiro trimestre, também trouxe surpresas e mudou favoravelmente as expectativas dos analistas.

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) revisou para cima a previsão para a inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Para 2021, a projeção para o índice, que é apurado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), teve aumento de 4,6% para 5,3%. A piora foi puxada pela pressão maior nos preços de bens e serviços monitorados pelo governo, como combustíveis e energia elétrica. O Ipea reviu sua expectativa de alta média desses itens de 6,4% para 8,4% em 2021.

A previsão de aumento nos preços dos alimentos no domicílio em 2021 foi mantida em 5%. “Contudo, as projeções indicam recuo na inflação de 12 meses no segundo semestre, uma vez que, nos primeiros meses da pandemia, em 2020, houve deflação (tornando a base de comparação baixa) e, no segundo semestre, a significativa aceleração inflacionária aumentou a base de comparação”, lembrou o Ipea na Carta de Conjuntura divulgada ontem.

A expectativa do Ipea se aproximou, assim, da projeção do mercado. De acordo com o Boletim Focus, uma pesquisa semanal em que o Banco Central coleta projeções de um grupo selecionado de instituições financeiras, a previsão dos analistas para o IPCA em 2021 subiu de 5,15% para 5,24%, apenas 0,01 ponto percentual abaixo do teto do teto definido pelo Conselho Monetário Nacional. A meta é de 3,75%, com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos.

Brasil : SEM CONTROLE
Enviado por alexandre em 04/06/2021 23:28:56

Alerta de desmatamento na Amazônia Legal bate recorde em maio

Número é o pior para o mês desde 2016 – e só foram validados os dados de 28 dias; também representa aumento de 41% em relação a todo o mês de maio de 2020

Murillo Ferrari, da CNN, em São Paulo
 

A área sob alerta para desmatamento na Amazônia Legal, em maio de 2021, bateu recorde mensal na série histórica mantida pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) desde agosto de 2015 – e só foram validados os dados de 28 dias do mês.

Este é o terceiro mês seguido em que o índice bate recorde mensal, após o Inpe indicar a devastação de 580,55 km² em abril e de 367,61 km² em março. É também a primeira vez que o número ultrapassa 1.000 km² para esse mês. 

No período de 1.º a 28 de maio foram detectados 1.180 km² de área desmatada em 4.148 alertas no Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter), um aumento de 41% em relação aos 31 dias do mesmo mês em 2020 – ou de 82,9% ao se considerar os mesmos 28 dias.

No período, os municípios com maior área desflorestada foram Altamira/PA, com 104 km², Labrea/AM, com 97,49 km², Novo Progresso/PA, com 77,33 km², Porto Velho/RO, 68,03 km², e Itaituba/PA, com 63,87 km².

“O dado é preocupante porque o mês de maio marca o início da estação seca, quando a devastação se intensifica, em grande parte da região amazônica”, afirmou o Observatório do Clima, em nota, ao comentar os dados.

“A permanecer a tendência nos próximos dois meses, a taxa oficial de desmatamento de 2021 (medida de agosto de um ano até julho do ano seguinte) poderá terminar com uma inédita quarta alta consecutiva”, completa o texto.

A Amazônia Legal é uma área de 5.217.423 km², que corresponde a 61% do território brasileiro, e engloba os estados do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins, além de parte do Maranhão.

 

A consolidação de dados sobre o desmatamento é feita por outra ferramenta: o Projeto de Monitoramento do Desflorestamento na Amazônia Legal (Prodes), também administrado pelo Inpe. 

O último levantamento oficial do Prodes  indicou alta de 9,5% no desmatamento entre agosto de 2019 e julho de 2020, totalizando 11.088 km².

A CNN entrou em contato com o Ministério do Meio Ambiente em busca de um posicionamento sobre os resultados do desmatamento na Amazônia, mas até o momento não retornou.

Área da Floresta Amazônica queimada às margens da BR-163 no Pará
Área da Floresta Amazônica queimada às margens da BR-163 no Pará
Foto: Gustavo Basso - 29.ago.2019/NurPhoto via Getty Images
  • O ministro do STF (Supremo Tribunal de Justiça), Edson Fachin
  • Desabamento de prédio residencial em Rio das Pedras, na zona oeste do Rio de Jan
  • Confederação Sul-Americana de Futebol confirma Copa América no Brasil
  • Vacina de Oxford/Astrazeneca
  • Desabamento de prédio residencial em Rio das Pedras, na zona oeste do Rio de Jan
  • Brasil : PANDÊMICOS
    Enviado por alexandre em 02/06/2021 09:24:36

    A busca por vacinas atravessa fronteiras

    Ana Carla Bermúdez, de Montevidéu; Edison Veiga, de Bled (Eslovênia); Eloá Orazem, de Los Angeles; Fernanda Bassette, de São Paulo; e Juliana Sayuri, de Toyohashi (Japão)
    31 de maio de 2021 às 04:30 | Atualizado 31 de maio de 2021 às 11:21
    Deslocamentos na pandemia
    Viajar em busca de alguém, alguma coisa ou de algo melhor para si: na pandemia de Covid-19, o movimento de cruzar fronteiras em busca de oportunidades - e vacinas - se repete
    Foto: Getty Images

    Cruzar fronteiras foi o que historicamente moldou o mundo tal como o conhecemos hoje: gigante, mas ao mesmo tempo pequeno; globalizado, mas desigual; diverso e, vale lembrar, cada vez mais compartilhado. Viaja-se em busca de algo, alguém ou de uma condição melhor para si. Na pandemia de Covid-19, grande catalisador de mudanças deste século, o movimento se repete.

    Quando se descobriu a primeira linhagem do novo coronavírus e as fronteiras se fecharam uma a uma, quase como num dominó, muitos quiseram viajar de volta para casa ou se isolar de tudo, em busca de refúgio. Aviões militares foram resgatar pessoas na cidade chinesa de Wuhan, o primeiro epicentro do vírus; viajantes desaceleraram drasticamente suas andanças e o lockdown definiu a temporada seguinte, marcada por restrições de mobilidade mundo afora após a declaração de pandemia pela OMS (Organização Mundial de Saúde), em 11 de março de 2020.

    Mas a humanidade se mobilizou, e cientistas desenvolveram, em tempo recorde, vacinas contra a Covid-19. Campanhas de imunização se iniciaram no mundo todo –  até 28 de maio de 2021, mais de 1,7 bilhão de doses de vacinas foram aplicadas, segundo dados do Our World in Data, projeto da Universidade de Oxford, no Reino Unido. E os fluxos agora são em busca desse elixir de normalidade. Dentro dessa ideia, estão os deslocamentos pandêmicos, tema desta reportagem especial da CNN.

    Eles vão além de um simples “turismo da vacina”. Sim, há aqueles que viajam, exclusivamente com esse propósito, a países com estágio avançado de imunização, praticando o turismo já clássico. Mas há quem tenha ficado preso em algum lugar antes de as vacinas existirem. Há quem more num país com doses abundantes e tenha que se vacinar no vizinho. Tem gente fazendo bate-e-volta na pátria mãe porque o lar atual se recusa a apertar o passo da vacinação.

    Um uruguaio radicado no Brasil se largou em 2,4 mil quilômetros de estrada para se vacinar no Chuy. Uma americana instalada no Japão voou quase 10 mil km para se imunizar em Los Angeles. Uma brasileira calhou de estar em Vancouver, no Canadá, quando as fronteiras se fecharam, lá ficou e lá tomou a primeira dose. Um alemão embarcou no primeiro tour de uma agência norueguesa rumo à Rússia para receber a Sputnik V. Estes são alguns dos relatos à CNN, que identificou 12 fluxos ocorrendo atualmente. 

    Alguns dos viajantes não quiseram se identificar. Eles dizem temer críticas por viajarem em plena pandemia (o fenômeno conhecido como “travel shaming”), por terem usado uma posição econômica privilegiada para buscar as injeções ou implicações por recorrerem a “atalhos” extraoficiais para fazerem a viagem.

    Fluxos pandêmicos
    Foto: Arte CNN

    As histórias desses e outros personagens estão contadas nesta série que a CNN publica hoje:

    Se os roteiros dos viajantes variam, as condições para as travessias são ainda mais diversas: num mundo de fronteiras atravancadas, há de se considerar as diferentes exigências de entrada em cada país, entre passaportes, status imigratório, quarentena talvez obrigatória, dias de intervalo entre as doses da vacina, além da distância e dos preços de passagens, sujeitos às turbulências do câmbio. Em duas palavras, tempo e dinheiro.

    Aqui, discutimos com especialistas o que esses deslocamentos dizem da humanidade hoje. Como refletem histórias passadas, como migrações por conta da gripe espanhola. E o que desenham para o futuro das relações internacionais e interpessoais.

    CHEGADAS E PARTIDAS

    Vacinar populações é tido como o primeiro passo rumo a certa normalidade, “uma luz no fim do túnel”, como definiu o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom. Em larga escala e combinada a políticas públicas para conter a disseminação do vírus, a imunização global permite imaginar o fim da pandemia no horizonte. E a consequente reabertura de fronteiras.

    Mas, seja por escassez de doses, entraves de logística ou fatores econômicos, a distribuição das vacinas ainda é bastante desigual ao redor do globo. Em busca da imunidade, muitos estão viajando para se vacinar onde as campanhas estão mais avançadas ou abertas.

    A possibilidade de viajar para se vacinar passou a ser aventada desde fevereiro, quando Rússia e Cuba sinalizaram as primeiras intenções de imunizar turistas. Mas foi a partir de abril e maio que a tendência do “turismo de vacinas” de fato deslanchou.

    Já é possível identificar destinos como Estados Unidos, Emirados Árabes e Rússia, que contam diversos relatos na internet e reportagens na imprensa internacional. mas há fluxos “fora da curva”, como Sérvia e Líbano. Também há expectativa de se iniciarem novas rotas para o arquipélago das Maldivas, no Oceano Índico, e, do outro lado do mundo, para a ilha de Cuba, no Oceano Atlântico -- ambos governos indicaram que pretendem dar acesso a vacinas para turistas em breve.

    Vacinação na Sérvia
    Moradores de países vizinhos viajam a Belgrado, capital da Sérvia, para se vacinar
    Foto: Anadolu Agency/Getty Images

    VIAGENS SANITÁRIAS NO TEMPO

    Tempo é considerado um elemento essencial para conter a pandemia. Desenvolvidas em período recorde, as vacinas contra Covid-19 têm sido tratadas como um tipo de chave para reabrir o mundo. Talvez isso explique a velocidade com que as pessoas passaram a se deslocar atrás delas – e o tempo que estão dispostas a investir para consegui-las.

    Nas epidemias do passado, o tempo também foi um fator crucial. Na pandemia da gripe espanhola, lembrada como a gripe de “3 dias”, muitos tentaram migrar para países mais ao norte da Europa, não tão atingidos, para fugir das infecções. E, mesmo assim, conta a historiadora e antropóloga brasileira Lilia Schwarcz, as pessoas não conseguiram fugir da doença a tempo. 

    “Era muito veloz”, diz ela, citando casos de famílias inteiras que repentinamente não eram mais vistas nas ruas e, dentro de três ou cinco dias, eram encontradas mortas em casa. “O fato de não existir vacina, de não existir uma saída desse tipo, fez com que as locomoções fossem muito menores”, explica.

    Naquele momento, quem mais viajava era o vírus, e as barreiras sanitárias eram praticamente inexistentes. A gripe espanhola atingiu o Brasil, em 1918, chegando a bordo de navios vindos da Europa com tripulantes infectados. Aqui, foram cerca de 30 mil mortos em um intervalo de um ano.

    Uma das embarcações, a Demerara, ficou conhecida como “navio da morte”. A nave atracou no Recife, em Salvador, no Rio de Janeiro e em Santos. Com pouca ou nenhuma inspeção das autoridades sanitárias, tripulantes desembarcaram sem questionamentos apesar dos relatos de enfermidades a bordo. Poucas semanas depois, as cidades registraram uma explosão nos contágios.

    “A letalidade foi tal que muitos dos que vieram a falecer acabaram morrendo no próprio ano de 1918. Há casos em 1919 – na Amazônia, por exemplo, a doença continuou por um bom tempo e também teve muita subnotificação. As pessoas se assustaram e não tiveram tempo de se locomover”, diz Schwarcz, coautora do livro “A bailarina da morte: A gripe espanhola no Brasil” (Companhia das Letras, 2020).

     

    A DESIGUALDADE COMO FRONTEIRA 

    Diferentemente da pandemia de Covid-19, na época da gripe de 1918 não havia o conhecimento científico para o desenvolvimento tão rápido de vacinas. Além disso, em 2021 as noções de nacional e internacional estão fundidas numa dimensão global, um processo de integração econômica e geopolítica que se firmou no fim do século 20 e início do 21.

    Processo esse que teve agora desigualdades -- ainda mais -- escancaradas. A questão, como quase sempre, são as diferenças entre pobres e ricos. Na escala de países, a discussão é sobre o acesso a vacinas. E dentro de cada país, diante da escassez de imunizantes para todos a tempo, a questão é que, caso prevaleça um “salve-se quem puder”, aqueles com mais recursos têm muito mais possibilidades de viajar.

    Para o médico e advogado brasileiro Daniel Dourado, pesquisador do Instituto de Direito e Saúde da Universidade de Paris e da USP (Universidade de São Paulo), o turismo da vacina é um dos sintomas desse quadro.   

    “Temos 75% das doses concentradas em 10 países. E mais de 100 países têm uma quantidade ínfima de vacinas; cerca de 70 países sequer têm doses. Ou seja: podemos dizer que metade ou quase metade do mundo tem pouquíssimas vacinas”, critica Dourado.

    Não há um mecanismo de direito internacional que possa impedir um país ou uma cidade de promover o fenômeno, explica o pesquisador. “Avalio como um movimento, uma expressão da desigualdade”, diz ele, que aposta que a OMS, líder do consórcio Covax para garantir o acesso global à vacina, se posicionará contrária à tendência.

    “Isso escancara uma espécie de divisão de nível de cidadania que ultrapassa a questão nacional, de fronteira. É uma questão de corte de classe. A gente tem uma sociedade em que os mais ricos, independentemente de onde forem, têm acesso, enquanto o grosso da população fica vulnerável”, afirma.

    Do ponto de vista ético, surgem questões como o acesso desigual a vacinas na dimensão individual (dos que têm condições de viajar de um país a outro em busca dos imunizantes) e internacional (a ausência de cooperação entre países ricos que não despacham doses extras ou compartilham insumos e tecnologia para a produção de mais vacinas).

    Protesto por distribuição igualitária de vacinas
    Manifestantes protestam nos Estados Unidos por distribuição igualitária de vacinas. No cartaz, lê-se "Ninguém está seguro até que todos estejam seguros"
    Foto: Erik McGregor/LightRocket via Getty Images

    Do ponto de vista epidemiológico, destaca Eric Feigl-Ding, da Federation of American Scientists, isso levanta questões sobre as brechas abertas para disseminar novas variantes do vírus. “O vírus sempre vai buscar maneiras de ficar mais robusto, mais severo e infeccioso. Não podemos dar essa oportunidade a ele”, diz Ding, epidemiologista e especialista em economia e saúde global, nascido na China e radicado nos Estados Unidos.

    Um dos riscos, alerta o epidemiologista, é o fluxo de viajantes que não necessariamente ficaram quarentenados zanzando em busca de vacinas – o que é possível, por exemplo, em certas circunstâncias para quem vai aos Estados Unidos. “Obviamente se trata de uma questão de desigualdade. E é preciso lembrar que isso é uma pandemia, não um surto concentrado em apenas um país. Para contê-la, é preciso um esforço global”.

    ALÉM DAS VACINAS

    Viajar em busca de melhores condições e assistência associada à saúde, o que inclui instalações e tecnologia, não é exatamente novidade. Há inclusive uma palavra para definir esses fluxos: turismo médico. Trata-se de “indivíduos que decidem viajar cruzando fronteiras internacionais com a intenção de receber tratamento médico”, diz o acadêmico britânico Neil Lunt, professor de políticas sociais na Universidade de York, no Reino Unido.

    Nas últimas décadas, o fenômeno abarcou desde pacientes em busca de tratamentos de ponta para câncer até cirurgias cosméticas, fertilização e procedimentos odontológicos. Turismo de saúde, termo que busca designar um filão mais amplo, inclui viagens de bem-estar do corpo e da mente, o que inclui spas com as mais diversas terapias.

    O turismo médico, diz Lunt, firmou-se como modelo de negócios com interesses comerciais, muitas vezes impulsionados pelas agências governamentais. Mas, na análise do especialista, o turismo das vacinas ainda não se consolidou assim – até agora, as viagens registradas foram iniciativas individuais, informais ou promovidas por agências particulares, não política oficial implementada pelos países.

    “É preciso separar o que é apenas marketing e o que é estratégia dos estados, com modelo definido, informações e transparência, envolvendo questões de controle migratório, fronteiras”, pondera. “Há várias discussões aqui no Reino Unido, onde uma agência anunciou viagens de luxo para Dubai com direito a vacinas”, completa.

    Lunt se refere ao clube britânico Knightsbridge Circle, que, em fevereiro, divulgou pacotes com passagens de primeira classe para os Emirados Árabes, um mês de hospedagem em um hotel 5 estrelas na frente do mar e duas doses da vacina contra covid-19 por cerca de 40 mil libras (R$ 300 mil). “Obviamente há interesses comerciais. Querem que decole pois é um novo nicho de negócio”, afirma.

    Essa também é a posição do médico brasileiro Reinaldo Guimarães, professor de bioética e ética aplicada da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e vice-presidente da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), que considera o turismo da vacina “quantitativamente irrelevante”, pois poucas pessoas têm se aventurado na tendência, mas “qualitativamente relevante”.

    “É verdade que essas pessoas que viajam e se vacinam não estão furando a fila, mas isso passa uma imagem negativa. É mais um tijolo do edifício das iniquidades sociais do nosso país”, critica, referindo-se aos viajantes brasileiros.

    Para Guimarães, do ponto de vista ético, viajar para outro país para tomar vacina traz à tona aspectos da sociedade que se exacerbam quando há uma situação de crise – no caso em questão, uma emergência sanitária.

    Entretanto, ele destaca que, em tese, os países que aplicam doses em turistas são os que têm vacina “em abundância”. Entre os mais avançados nas campanhas de imunização (considerando ao menos uma dose por pessoa e o tamanho de suas populações) estão Israel (62,93%), Reino Unido (56,53%), Emirados Árabes (51,38%) e Estados Unidos (49,36%).

    O médico americano William Moss, diretor-executivo do centro de acesso à vacina da Johns Hopkins Bloomberg School of Public Health, conta que países ricos compraram uma quantidade desproporcional das vacinas. “Não culpo ninguém por querer vir até aqui [nos EUA] para se imunizar”, pontua, “mas é importante lembrar que esse tipo de turismo reflete desigualdades subjacentes no acesso às vacinas, tanto dentro de um país quanto globalmente”.

    Políticos de Nova York e Flórida, onde o fenômeno já vem acontecendo, deram acenos públicos ao turismo das vacinas. Outros destinos pretendem se lançar num futuro próximo.

    Cuba, por exemplo, já divulgou que planeja disponibilizar a vacina a todos os visitantes da ilha assim que sua fórmula for aprovada na terceira e última fase dos testes, que começou em março.

    Maldivas, por sua vez, anunciou que pretende institucionalizar o turismo da vacina após imunizar o país inteiro – com 530 mil habitantes, o arquipélago já inoculou quase 57% de sua população com ao menos a primeira dose.

    A Rússia ainda não divulgou oficialmente uma campanha de incentivo ao turismo combinado às vacinas. Em março, o ministro russo Mikhail Murashko descartou a ideia publicamente. Em abril, porém, o perfil oficial da Sputnik V no Twitter, em inglês, informou que há um projeto para vacinar turistas a partir de julho.

    O Chile, por outro lado, desmentiu que iria imunizar turistas. O país passou a conferir documentos de residência de estrangeiros depois que um programa de TV no Peru divulgou pacotes de viagens ao Chile com a imunização incluída por US$ 1 mil. Israel, Reino Unido e outros países têm vacinado estrangeiros residentes – a conferência dos documentos pode ser mais ou menos rigorosa.

    O acesso aos imunizantes não é a única desigualdade que vem se aprofundando. Com a intermitência de prestação de serviços, a paralisação de algumas atividades econômicas, o colapso na saúde em vários países e os efeitos políticos da gestão da pandemia , nações se encontram afundadas em crises, com níveis altíssimos de desemprego e de fome – grandes causadores de conflitos, guerras e migrações.

    As correntes migratórias que a pandemia ainda deve estimular – ou simplesmente robustecer – são imprevisíveis e vão além do turismo em busca de vacinas. Como será o mundo pós-pandemia? As fronteiras estarão mais abertas do que antes? Quem tiver o “passaporte” de vacinado terá mais direito de ir e vir? Nenhum especialista se arrisca a desenhar esses deslocamentos no futuro. O imponderável é a herança de 2020 e 2021 para as próximas gerações.

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