« 1 ... 367 368 369 (370) 371 372 373 ... 997 »
Brasil : CERVEJA/MAR
Enviado por alexandre em 25/07/2021 13:37:50

O tesouro escondido em garrafas de cerveja em navio afundado há 120 anos

Garrafas de bebida preservadas por décadas e até séculos no fundo do mar são uma fonte rica de cepas de leveduras antigas

Enquanto o mergulhador passava cuidadosamente por uma das escotilhas até o porão do navio afundado, ele podia ver o tesouro do naufrágio esperando por ele.

Estava submerso há mais de 100 anos — mas agora parte dele estava prestes a emergir das profundezas do mar.

O explorador em questão, Steve Hickman, técnico de mergulho e mergulhador amador, levava consigo uma pequena rede que serviria como sacola. O tesouro que ele procurava era cerveja.

Preservadas no porão deste navio, havia fileiras e mais fileiras de garrafas de vidro de cerveja, parcialmente enterradas no lodo marinho.

Assim que ele tirou a primeira garrafa de onde estava, o sedimento se agitou e formou uma nuvem enorme. Com a visibilidade reduzida a zero, Hickman ficou efetivamente sem enxergar nada.

Mas ele conhecia bem este naufrágio — já havia mergulhado ali muitas vezes antes. Ele seguiu então em frente, tateando em busca de mais garrafas na escuridão.

Depois de reunir e ensacar algumas, ele foi embora, e sua equipe carregou cuidadosamente as garrafas para a superfície.

O naufrágio era o Wallachia, um navio de carga que afundou em 1895 na costa escocesa após uma colisão com outra embarcação em meio a uma forte neblina.

O Wallachia tinha acabado de zarpar de Glasgow, na Escócia, e estava abarrotado com vários tipos de carga, incluindo contêineres enormes de uma substância química chamada cloreto de estanho.

Mas o navio também tinha milhares de garrafas de bebidas alcoólicas a bordo.

Muitas delas foram preservadas nas águas geladas do fundo do mar, onde o navio permaneceu por mais de um século.

Desde que começou a mergulhar no Wallachia na década de 1980, Hickman recuperou dezenas de garrafas contendo uísque, gim e cerveja.

Mas sua última visita, um trabalho em equipe na companhia de vários mergulhadores, levou a algo inusitado.

As garrafas que eles recuperaram foram entregues a cientistas de uma empresa de pesquisa chamada Brewlab, que, junto a colegas da Universidade de Sunderland, no Reino Unido, foi capaz de extrair levedura viva do líquido que havia dentro de três das garrafas.

Eles usaram então essa levedura numa tentativa de recriar a cerveja original.

Em 2018, um projeto semelhante na Tasmânia usou levedura de garrafas de cerveja de 220 anos encontradas em um naufrágio para recriar uma bebida do século 18.

Mas o estudo da levedura do Wallachia revelou uma surpresa.

Aquelas cervejas continham um tipo incomum de levedura, e a equipe por trás do trabalho está avaliando agora se essa cepa há muito tempo perdida poderia ter aplicações nas cervejarias modernas ou até mesmo melhorar as cervejas de hoje.

É apenas um exemplo de um campo de pesquisa que cresce entre os fabricantes de cerveja e outros fermentadores de bebida que buscam cepas esquecidas de levedura na esperança de que possam ser bem utilizadas.

Isso significa ir à caça das mesmas em garrafas encontradas em naufrágios, vasculhar recipientes antigos e coletar amostras de destilarias em ruínas, onde variedades fabulosas ainda podem permanecer.

Esse tipo de pesquisa é chamado de bioprospecção, e "ressuscitar" leveduras históricas poderia ter diversas aplicações, desde combater a poluição até auxiliar na produção de aromas para a indústria de perfumes.

Quando Steve Hickman começou a coletar garrafas de cerveja do Wallachia na década de 1980, ele conta que ainda era — quase — bebível.

Ele e os amigos levaram as garrafas para casa e colocaram em copos. A bebida, com quase 100 anos na época, assentou lentamente e gerou uma espuma espessa e cremosa — quase como na cerveja Guinness, ele recorda.

Mas a magia só vai até aí.

"Tinha o cheiro mais atroz", diz Hickman.

"Uma espécie de cheiro salgado de putrefação. Acho que essa seria a melhor descrição."

O gosto tampouco se salvava.

As garrafas traziam ainda outras surpresas — incluindo o fato de explodirem, diz Hickman.

À medida que se ajustavam à pressão mais baixa acima do nível do mar, os gases dentro do recipiente se expandiam e, às vezes, quebravam o vidro.

Garrafa de cerveja do naufrágio

Crédito, Steve Hickman

Legenda da foto,

A cerveja dentro das garrafas encontradas no Wallachia tinha um cheiro nada atraente, mas a levedura que contém pode ter um valor inestimável

Certa vez, Hickman deixou uma garrafa na mesa da cozinha da casa dos pais.

Ela estourou enquanto eles estavam em outro cômodo, espalhando cerveja podre e fedorenta por toda parte.

Demorou muito para limpar, ele recorda.

A cerveja se deteriorou ainda mais — e ele nem tentaria tomar um gole. De maneira geral, tomar bebidas antigas pode não ser seguro porque você não tem como ter certeza se contêm bactérias ou produtos químicos nocivos.

No entanto, alguns dos companheiros de mergulho de Hickman foram capazes de provar a nova cerveja criada pelo Brewlab usando cepas de levedura isoladas das garrafas do Wallachia.

Andy Pilley, topógrafo e mergulhador amador que também fez parte da expedição para resgatar a cerveja no naufrágio, estava entre os que provaram o resultado: uma cerveja encorpada com 7,5% de teor alcoólico.

"Com certeza senti café e chocolate", diz ele.

Foi Pilley quem decidiu mandar a cerveja do Wallachia para o Brewlab, após ter ouvido falar da empresa por acaso em um restaurante.

Os cientistas do Brewlab, que teve origem na Universidade de Sunderland, estudam cepas de leveduras e técnicas de fermentação há anos.

O fundador da empresa, Keith Thomas, diz que, uma vez que a cerveja do Wallachia estava em seu laboratório, ela foi tratada com a máxima cautela.

"Abrimos (as garrafas) em condições de laboratório com nível dois de contenção", revela.

Isso envolveu abrir as garrafas em um armário especial cheio de ar estéril, a fim de proteger os cientistas de possíveis patógenos na cerveja.

Garrafa de cerveja do naufrágio

Crédito, Steve Hickman

Legenda da foto,

Muitas das garrafas encontradas a bordo do Wallachia permaneceram fechadas, apesar de terem passado mais de 100 anos submersas

Essa medida também garantiu que as amostras não ficassem contaminadas com nenhuma cepa de levedura dos dias modernos.

Os testes genéticos revelaram que a cerveja do Wallachia continha dois tipos diferentes de levedura — Brettanomyces e Debaryomyces.

Em um artigo sobre o tema, Thomas e seus colegas explicam que é incomum encontrar Debaryomyces em uma cerveja histórica, embora esse tipo de levedura tenha aparecido em algumas cervejas belgas feitas por fermentação espontânea, que depende de deixar o líquido pré-fermentado exposto ao meio ambiente, para que nele se instalem cepas de leveduras.

Algumas das cepas de leveduras mais comuns usadas na fabricação de cerveja são da espécie Saccharomyces cerevisiae.

Geralmente, a fermentação acontece quando as leveduras consomem os açúcares dos grãos maltados, como a cevada.

A levedura transforma esses açúcares em álcoois, dióxido de carbono e vários subprodutos.

Alguns desses subprodutos conferem sabor e, portanto, cada cepa de levedura diferente, ao metabolizar a sua própria maneira, produzirá um perfil de sabor distinto no produto fermentado.

Tudo se resume ao genoma da cepa em questão, ou cepas, no plural, no caso da cerveja do Wallachia.

A maioria dos cervejeiros modernos não varia muito a levedura que usa, embora normalmente façam experiências com outros ingredientes, como o grão que fermentam ou o lúpulo que adicionam posteriormente no processo para dar sabor.

Alguns fabricantes de bebidas e cientistas argumentam que o uso de cepas de levedura mais diversas também pode influenciar fortemente o sabor e a robustez do produto final.

Em resumo, experimentar uma levedura incomum pode resultar em uma cerveja melhor, por isso muitos estão se voltando para variedades esquecidas do passado.

Thomas está satisfeito com os resultados do estudo da cerveja do Wallachia.

Ele diz que a combinação das duas leveduras que encontraram na cerveja de 126 anos talvez possa inspirar inovações na indústria cervejeira de hoje.

As leveduras parecem conferir uma espécie de caráter de fazenda ou de "cavalo molhado", ele acrescenta.

Cerveja sendo servida em bar

Crédito, Ryan McFadden/Getty Images

Legenda da foto,

Pesquisadores descobriram que mudar a levedura usada durante a fermentação pode conferir novos sabores interessantes à cerveja

Pode não parecer muito apetitoso, mas, com moderação, sabores terrosos como esse podem ajudar um cervejeiro habilidoso a criar uma bebida única e rica em sabor.

Afinal, a fabricação de cerveja é um ato de equilíbrio.

Veja o caso da cerveja azeda (sour). Excesso de acidez seria naturalmente desagradável, mas, no nível certo, pode ser uma mistura refrescante.

Os cervejeiros experimentam alternativas à Saccharomyces cerevisiae — as cepas de Brettanomyces, por exemplo, costumam ser usadas para fazer cervejas azedas.

Mas há muitas cepas de leveduras inexploradas por aí, apenas esperando para serem descobertas pelos cervejeiros, argumenta Carmen Nueno-Palop, da Coleção Nacional de Cultura de Leveduras (NCYC, na sigla em inglês), parte do Quadram Institute, no Reino Unido.

"Tem havido muita ênfase no lúpulo", diz ela, se referindo às recentes inovações na indústria de cerveja.

Ela observa, no entanto, que alguns cervejeiros podem produzir várias cervejas diferentes —todas usando exatamente a mesma levedura.

"Quero passar aos cervejeiros a importância de escolher a cepa certa", completa.

Cerca de quatro anos atrás, Nueno-Palop e seus colegas conduziram um experimento no qual fabricaram 33 cervejas que eram basicamente idênticas — exceto pela levedura.

A equipe escolheu uma cepa diferente para cada cerveja e começou analisando o DNA das cepas, que se revelou inesperadamente diverso.

"Fiquei muito surpresa", diz ela. "Eram todos diferentes um do outro."

As cervejas resultantes também variaram muito em termos de perfis de sabor.

O NCYC tem cerca de 600 cepas de fabricação de cerveja em seus arquivos, algumas das quais foram depositadas por cervejarias do Reino Unido que fecharam durante a crise econômica nas décadas de 1950 e 1960.

Algumas dessas cepas mal foram usadas desde então.

Nueno-Palop diz que os cervejeiros estão começando a reconhecer que podem diversificar seus produtos, talvez usando uma cepa que tenha alguma conexão histórica com sua localização no Reino Unido.

Essa ideia, de que as leveduras históricas podem conferir um patrimônio e sabores interessantes, está se difundindo fora do mundo da cerveja.

Alan Bishop tem o título de alquimista e destilador chefe na Spirits of French Lick, uma destilaria em Indiana, nos Estados Unidos.

A empresa produz uma variedade de bebidas destiladas, incluindo bourbon, rum e gim.

Nos últimos anos, Bishop fez bioprospecção na esperança de coletar cepas de leveduras abandonadas em antigas destilarias em Indiana e Kentucky.

Ele geralmente leva um pote de mosto, líquido contendo açúcares do grão que será fermentado, para esses locais abandonados.

Ele simplesmente deixa o pote aberto, exposto ao ar. A levedura então se instala naturalmente no mosto, permitindo o início da fermentação.

De vez em quando, Bishop também esfrega o interior de jarras antigas de destilarias desativadas, retirando a levedura diretamente de dentro delas.

Gravura egípcia

Crédito, Lebrecht Music & Arts/Alamy

Legenda da foto,

Os antigos egípcios foram os primeiros a assar pão, mas as leveduras que usavam provavelmente eram diferentes das que existem hoje

Segundo ele, há muitas destilarias extintas perto dele porque a indústria artesanal de produtores de uísque e bourbon que existia nos Estados Unidos durante os anos 1800 foi à falência devido à Lei Seca — entre 1920 e 1933 quando a produção, importação e a venda de bebidas alcoólicas se tornou ilegal nos Estados Unidos.

Bishop ainda não enviou nenhuma de suas cepas bioprospectadas para análise genética e, portanto, não pode ter certeza de sua procedência exata.

Mas, de qualquer forma, ele está certo de que o uso de leveduras alternativas faz diferença nas bebidas que ele e seus colegas produzem.

Por exemplo, uma cepa específica que ele coletou do local da destilaria Daisy Spring Mill, em um parque estadual de Indiana, confere um sabor forte de canela à bebida fermentada, diz ele.

Com esta experimentação, surge a oportunidade de desenvolver bebidas novas e interessantes, mas também conecta a destilaria Spirits of French Lick à região e ao seu legado, argumenta Bishop.

Em geral, ele acredita que os destiladores estão perdendo uma oportunidade ao não procurarem variedades de leveduras mais variadas para sua produção.

"Infelizmente, não se deu muita atenção à levedura na destilação. Pelo menos nos últimos 100 anos", diz ele.

"Cada uma dessas variedades de levedura tem características próprias."

Ele argumenta que as diferenças de sabor que se desenvolvem na bebida em fermentação não vão desaparecer, mesmo depois de ser processada e amadurecida em barris por meses ou anos.

A diversificação da levedura pode beneficiar todos os tipos de indústrias. Pode, por exemplo, ajudar os fabricantes de perfumes a criar fragrâncias melhores.

As leveduras, às vezes, são usadas para produzir os compostos químicos complexos de um aroma quando eles não podem ser facilmente obtidos a partir de outros ingredientes.

Nos últimos anos, leveduras geneticamente modificadas desenvolvidas para fazer isso se tornaram disponíveis em escala grande o suficiente para serem usadas na produção comercial.

Entre os pioneiros dessa abordagem, está a empresa de biologia sintética Ginkgo Bioworks, nos Estados Unidos.

Thomas observa que a levedura Debaryomyces encontrada na cerveja do Wallachia também parece ser tolerante a metais pesados ​​como arsênio e chumbo.

Isso pode significar que seria uma boa levedura de biorremediação — usada para absorver poluentes em um ambiente contaminado, para limpá-lo.

Partes do mundo onde o lençol freático contaminado com arsênio tem sido associado a problemas de saúde incluem o Oriente Médio, a Índia e a costa oeste da América do Sul, diz Thomas.

Outra área que pode se beneficiar das leveduras bioprospectadas é a farmacêutica.

Muitos medicamentos são feitos com a ajuda de leveduras, que são usadas para desenvolver certas substâncias químicas.

Alguns sugerem que leveduras ainda mais eficientes para esse propósito poderiam ser encontradas no meio ambiente — talvez no mar.

Os fabricantes de pão também poderiam recorrer a novas — na verdade, antigas — leveduras, na busca pela diversificação de seus produtos.

Em 2020, Seamus Blackley, o criador do console de videogame Xbox original, anunciou que havia recriado um pão egípcio usando culturas de levedura coletadas de recipientes de cozimento egípcios antigos.

Dois cientistas que ajudaram Blackley na empreitada ainda estão pesquisando as cepas de levedura egípcia e analisando a composição genética da levedura usada no experimento, a fim de descobrir que contribuição qualquer cepa antiga pode ter feito ao pão.

Blackley diz que a equipe pretende lançar um programa mais amplo de amostragem de DNA, a fim de analisar outros artefatos e sítios arqueológicos.

Mas como se trata de algo vivo em um ambiente em constante mutação, é difícil saber com certeza se uma cepa de levedura retirada da natureza realmente descende diretamente de uma usada na histórica produção de alimentos, diz Caiti Smukowski Heil, da Universidade Estadual da Carolina do Norte, nos EUA.

Esta é uma das razões pelas quais os naufrágios são tão especiais, ela observa, porque se você consegue extrair a levedura de uma garrafa lacrada que ficou no escuro, no frio e em condições estáveis ​​por muitos anos, você pode ter certeza de que recuperou a levedura original usada para fazer aquele produto.

De qualquer forma, existe uma "enorme diversidade de leveduras inexploradas", diz ela.

As padarias, por exemplo, dependem amplamente de cepas padrão de Saccharomyces cerevisiae.

Mas leveduras selvagens ou cepas históricas que caíram em desuso podem, na verdade, ser opções melhores para a produção moderna.

"Espécies de levedura diferentes da Saccharomyces cerevisiae costumam ser mais tolerantes a alguns aspectos, como usar massa congelada e, às vezes, até aumentam a capacidade de fermentação", diz Heil.

Thomas conta que pretende obter amostras e estudar leveduras de recipientes selados encontrados em outros naufrágios, ou outras "cápsulas do tempo" de bebidas bem preservadas.

E ao estudar a genética de cepas de leveduras antigas, também pode ser possível identificar genes até então desconhecidos, mas desejáveis, que podem influenciar leveduras geneticamente modificadas no futuro.

Mas o naufrágio do Wallachia é um lembrete de como temos sorte por ter acesso a um punhado de leveduras históricas que podemos associar com segurança a um período de tempo e lugar específicos.

Nos cerca de 30 anos desde que Hickman começou a mergulhar nele, testemunhou como os destroços se deterioraram com o passar do tempo.

Estruturas e passagens acima e ao redor da casa de máquinas desabaram. As rachaduras nas paredes envelhecidas do navio aumentaram. A embarcação está desaparecendo.

"Eu diria que, possivelmente nos próximos 20 a 30 anos, terá desaparecido por completo", ele avalia

O Wallachia provavelmente levará as garrafas de cerveja que sobraram com ele, enquanto se fragmenta lentamente no fundo do mar.

Um elo valioso com as cervejarias do século 19 finalmente desaparecerá para sempre, levando consigo as preciosas leveduras esquecidas nas garrafas.

Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.

Brasil : AGROTÓXICOS NÃO
Enviado por alexandre em 24/07/2021 02:21:59

Mulheres da agricultura familiar de Rondônia dão exemplo

No país do agrotóxico, mulheres da agricultura familiar de Rondônia vão na contramão e 58% não utilizam veneno

Só em 2020 a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) liberou a utilização de quase 500 novos agrotóxicos no Brasil. O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) aponta o Brasil como um dos maiores consumidores mundiais desses agroquímicos ou defensivos agrícolas e o segundo maior comprador de insumos da lista de proibidos em outros países, como por exemplo, na União Europeia. Na contramão desse grave problema à saúde e ao meio ambiente, as mulheres da agricultura familiar são mais resistentes à utilização dos agrotóxicos.

Das agricultoras familiares que são proprietárias e concessionárias de estabelecimentos rurais no país, 77% (590 mil mulheres) disseram na coleta de dados do Censo Agropecuário 2017 (IBGE) não ter utilizado agrotóxicos, e em Rondônia 58% (7 mil) não fizeram uso desse tipo de produto no período de referência, de 1º de outubro de 2016 a 30 de setembro de 2017. É oque revela a análise feita pela reportagem, com informações do Censo Agropecuário 2017, realizada com o apoio da Internews Earth Journalism Network e da Escola de Dados da Open Knowledge Brasil.

Para a realidade do estado de Rondônia, esses números são significativos, uma vez que 82% dos estabelecimentos rurais (69,3 mil) considerando os proprietários e concessionários são de agricultura familiar, onde a presença das mulheres é maior. Elas são proprietárias de 13% (11,8 mil agricultoras) dos estabelecimentos familiares, em oposição aos 2% (2,5 mil mulheres) da agricultura não familiar.

Ainda em Rondônia, apesar de existirem mais estabelecimentos de agricultura familiar, eles concentram uma área menor, em comparação com aqueles da agricultura não familiar. Os 13 mil estabelecimentos dessa categoria, que estão sob a administração dos homens, têm área média de 393 hectares; enquanto que a área de terras dos 58,2 mil agricultores familiares têm em média apenas 52 hectares.

No caso das agricultoras familiares, a situação não é diferente. A área média das mulheres que lidam com a terra para o cultivo familiar é cerca de cinco vezes menor que a das grandes produtoras rurais. Os 2% de agricultoras não familiares possuem área média de 192 hectares por propriedade, ao mesmo tempo em que os 13% das agricultoras familiares concentram sua produção em uma área média de 43 hectares.

Essa diferença nos tipos de agricultura explicam os altos índices de utilização de agrotóxicos. Enquanto a agricultura familiar, especialmente as mulheres, busca alternativas ecológicas, as lavouras ostensivas de monocultura de soja, milho, algodão e cana-de-açúcar consomem juntas 80% dos insumos comercializados no Brasil, de acordo com o IDEC.

Decisões como essa, da não utilização de veneno, são o reflexo de uma preocupação com a saúde familiar e com o meio ambiente que é possível verificar na fala das agricultoras, já que, além dos danos ao meio ambiente, como envenenamento do solo e das águas ou a morte de insetos polinizadores, os agrotóxicos geram graves problemas associados à saúde sexual e reprodutiva feminina.

Estudos da  Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) mostram diversos prejuízos causados pela exposição às altas taxas de insumos agrícolas, como infertilidade, má formação dos fetos durante a gestação, resíduo no leite materno, intoxicação, cânceres, distúrbios neurológicos e mentais e até aumento nas taxas de suicídio.

Para Maria das Graças Silva, geógrafa e pesquisadora da Universidade Federal de Rondônia (Unir), as mulheres se preocupam mais com esses fatores por causa do seu papel dentro do ambiente familiar, como mãe e cuidadora.

"Pela minha observação nesses 20 anos de campo, a mulher vai conciliar o plantio com o ambiente, com a natureza, porque elas pensam na segurança alimentar e nutricional, em não usar agrotóxico, em reaproveitar, para garantir a alimentação e o sustento de toda a família a longo prazo".

Segundo a pesquisadora, a diferença entre as propriedades geridas por mulheres e pelos homens é sentida até visualmente. "É nítida a mudança ao visitar um lote manejado por uma mulher e outro por um homem. Uma mulher que ganha um lote não vai desmatar 100% para fazer a roça", explica a geógrafa. "Ele é muito mais verde e vivo, porque elas diversificam seus cultivos".

(A agricultora Cida, além da produção de colorau, produz hortaliças para a alimentação de casa. Foto: Aparecida de Sousa)

Essa observação faz parte da vivência da Cida, ou Maria Aparecida de Sousa, agricultora familiar do assentamento Antônio Conselheiro II, no interior de Rondônia. "Nós, mulheres, olhamos mais para o lado da lavoura branca, ter horta, café, colorau, cana, cacau, milho, arroz, feijão. A gente quer produzir para alimentar", conta.

A diversidade de cultivos é uma das características essenciais da Agricultura Familiar, de acordo com o agroecólogo e pesquisador da Unir, Emanuel Maia. "Estudando esse tipo de agricultura percebe-se que ela tem funções para além da produção financeira e sustento das famílias, ela ajuda a manter a paisagem com mais diversidade, o que é fundamental para conservação da floresta".

Feito principalmente por mulheres, quintais produtivos não foram reconhecidos no Censo

Com pouco incentivo técnico e financeiro, as mulheres da agricultura familiar recorrem a caminhos alternativos para a produção no campo e a conservação do meio ambiente em Rondônia.

Entretanto, esse caminho mais sustentável apontado pelas mulheres ainda é invisibilizado. A pouca informação oficial em documentos, órgãos e pesquisas sobre a produção feminina nas áreas rurais é a primeira barreira para construir uma visão geral de como as mulheres se relacionam com o meio ambiente. Não há dados expressivos sobre as relações de gênero no campo, e até mesmo no Censo Agropecuário de 2017, utilizado nesta reportagem, ainda há lacunas a serem preenchidas.

A exemplo da estratégia para a manutenção alimentar e financeira da casa apontada pelos pesquisadores entrevistados, os chamados "quintais produtivos". Esses quintais são um sistema agroflorestal que combina espécies florestais, lavoura e pastoreio de animais, apresentando biodiversidade, capacidade de produção e de reaproveitamento. Essa produção diversificada ajuda a equilibrar a saúde e a manutenção do solo, diminuindo a necessidade de utilizar agrotóxicos.

Porém, os quintais produtivos e a variedade de cultivos que as mulheres do campo fazem para alimentação não são registrados pelo IBGE, uma vez que o órgão não sistematiza informações da produção dos agricultores para consumo próprio.

O que se torna um problema nesse contexto, já que estudos, como o Terra & Mata, da Ecoporé, demonstram que são as mulheres as principais responsáveis pela produção de alimentos para autoconsumo, doações, trocas entre famílias camponesas e comercialização de excedentes, e mesmo assim, não entram nas estatísticas.

A agrônoma Miriam Nobre, integrante da Sempreviva Organização Feminista (SOF), vem trabalhando junto ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para a ampliação dos dados de gênero coletados no Censo Agropecuário e na melhoria do cruzamento de informações com outras bases de dados.

Ela alerta que, sem o recorte de gênero, a invisibilidade pode se tornar mais acentuada. Integrar questões como a renda obtida no estabelecimento agropecuário e das múltiplas atividades desenvolvidas pelas mulheres, como os quintais produtivos e seus subprodutos (horticultura, floricultura, geléias, bolos, farinha), possibilitaria compreender melhor sua posição e suas práticas no campo.

Como no caso de Eliana Buss da Rocha, do Acampamento de Reforma Agrária Che Guevara, na Zona da Mata em Rondônia. Mais conhecida como Lia, ela conta que hoje, a produção de pasto é majoritariamente masculina, enquanto as mulheres plantam café, milho, arroz, feijão, mas, principalmente hortaliças, que são comercializadas para as escolas pelo Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e utilizadas no consumo próprio, o que acaba não sendo considerado para o Censo.

O caso se repete na casa de Josiane Santos de Souza, a Jô, do Assentamento 14 de Agosto, em Ariquemes. As mulheres trabalham coletivamente cultivando verduras como alface, rúcula, agrião, ervas medicinais e flores, tanto para o embelezamento - nas palavras dela - como para confecção de remédios e repelentes.

Além disso, as mulheres fazem o plantio do cacau, que tem grande potencial para a geração de renda e de reflorestamento. Dentro da lavoura cacaueira, as agricultoras constroem suas hortas e o viveiro de mudas na intenção de reflorestar. "Isso porque queremos criar autonomia, tomar a frente, do nosso jeito, por perceber o que é bom para a família, para a saúde e para a natureza", explica Jô.

Um projeto que atua nessa linha com as mulheres de Rondônia é o Viveiro Cidadão, da Ação Ecológica Guaporé – Ecoporé. A proposta atende 138 mulheres, de 8 municípios, com a distribuição de mudas e acompanhamento técnico para criação de quintais produtivos. Entre as cadastradas, 52% têm a titularidade da terra, o que assegura o aproveitamento futuro com a plantação de cultivos permanentes, de plantas frutíferas e espécies florestais nativas.

Políticas públicas para mulheres no campo são recentes e de difícil acesso

A posse da terra, por si só, já é um elemento de significativa importância na agricultura familiar e na conservação ambiental, como ressalta o agroecólogo Emanuel Maia (Unir). De acordo com ele, quando se dá a garantia da titularidade, o proprietário tende a conservar.

E para as mulheres, a posse extrapola a condição econômica, tornando-se garantia de sobrevivência para ela, sua família e o mais importante, seus filhos. Lia, do acampamento Che Guevara, ressalta que as famílias sempre tiveram uma mesma posição: quando a situação se regularizar, a posse será em nome das mulheres. "É uma segurança para nós, porque, independente do que acontecer entre o casal, a mulher tem como amparar os filhos".

Porém, este é um direito recente. A regularização fundiária em nome da mulher foi permitida apenas na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 189. E foi somente em 2003 com a Portaria do Incra nº 981, que se tornou obrigatória a titularidade da terra em nome do casal, independentemente de haver contrato de união formal.

Mesmo com esse avanço, ainda são poucas propriedades em nome de mulheres, poucas pesquisas que possuem o recorte de gênero e poucas políticas públicas voltadas à mulher do campo.

Maria das Graças (Unir) ressalta que mesmo que as mulheres rurais tenham conquistado direitos para sua categoria nas últimas décadas, no sentido de ter acesso à terra, de poder ser proprietária e ter direito à assistência técnica direcionada ao trabalho dela, essas mulheres continuam não acessando estas políticas públicas.

"Durante nossas pesquisas de campo, descobrimos que elas não acessam essas políticas, pois nem documentação elas têm. Quando houve o mutirão para retirada de documentos para as mulheres do campo, muitas vezes quem encontrávamos nas filas eram os homens. Questionados sobre onde estavam suas companheiras, eles abertamente falavam - estão em casa, cuidando dos filhos, da horta."

Mesmo com incentivos como o do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura (Pronaf-Mulher), até a obtenção do crédito o caminho é sinuoso, pois existe a dificuldade no acesso à informação, na burocracia bancária, na criação do projeto e na aplicação técnica. Com pouca orientação e gestores públicos que não estão abertos ao diálogo, sobram ideias e falta ajuda.

Com menos da metade dos estabelecimentos rurais do estado com acesso à assistência profissional, são também as mulheres as mais prejudicadas, sendo que menos de 20% recebem ajuda técnica, de acordo com dados de 2020 da Entidade Autárquica de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Rondônia (Emater-RO).

Para a pesquisadora Maria das Graças (Unir), há a dificuldade de identificar quem é essa mulher, onde ela está e o que ela faz, porque a pouca visibilidade que se dá à questão de gênero no campo fica condicionada a um micro recorte das pesquisas científicas. E como ressalta Miriam Nobre, mesmo que o Censo Agropecuário tenha começado a incluir a questão de gênero desde 2006, o percurso para abarcar toda a realidade do campo, ainda levará um tempo considerável.

(A produção de horticultura para consumo próprio não é contabilizada no Censo Agropecuário como produto do estabelecimento. Foto: Aparecida de Sousa)

Brasil : AMAZÔNIA
Enviado por alexandre em 24/07/2021 01:26:17

2,5 bilhões de árvores e cipós morreram em seca e incêndio
  • Juliana Gragnani - @julianagragnani
  • Da BBC News Brasil em Londres
Queimada de floresta amazônica ao lado da BR 163 no Pará mostra grande número de árvores mortas (ou seja, aquelas sem folhas) como resultado dos incêndios

Crédito, Marizilda Cruppe/Rede Amazônia Sustentável

Legenda da foto,

Queimada de floresta amazônica ao lado da BR 163 no Pará deixou grande número de árvores mortas (na imagem, sem folhas e esbranquiçadas)

A intensa seca e os incêndios florestais que atingiram a Amazônia em 2015 e 2016 mataram ao menos 2,5 bilhões de árvores e cipós em apenas uma pequena parte da floresta, descobriram pesquisadores.

Cientistas das Universidades de Oxford e Lancaster, no Reino Unido, e da Embrapa, ao lado de pesquisadores de outras instituições brasileiras e estrangeiras, examinaram a região que foi epicentro dos efeitos do El Niño na Amazônia: o Baixo Tapajós.

O El Niño é um fenômeno climático que envolve um aquecimento incomum do Oceano Pacífico. Em 2015 e no início de 2016, provocou efeitos devastadores em diferentes regiões do mundo—- na Amazônia, houve redução de chuvas e intensa seca em uma mata que normalmente é úmida, além de favorecer a disseminação de fogos causados por humanos.

A área analisada pelos pesquisadores fica na região da cidade de Santarém, no Pará, e tem 6,5 milhões de hectares — maior que os Estados de Alagoas e Sergipe juntos. Essa "pequena" parte onde morreram bilhões de árvores representa apenas 1,2% da Amazônia brasileira.

Uma floresta amazônica que foi queimada durante o El Niño de 2015

Crédito, Erika Berenguer/Divulgação

Legenda da foto,

Floresta afetada pela seca e fogos na região de Santarém durante o El Niño em 2015

Os pesquisadores também calcularam quanto carbono foi liberado na atmosfera em consequência da morte dessas bilhões de árvores: 495 milhões de toneladas de CO² — valor maior que o liberado pela floresta em um ano inteiro de desmatamento. E descobriram ainda que as árvores continuaram a morrer e a liberar mais carbono na atmosfera por causa da seca provocada pelo El Niño anos depois do fenômeno climático.

O estudo "Tracking the impacts of El Niño drought and fire in human-modified Amazonian forests" (monitorando os impactos da seca e incêndios do El Niño em florestas amazônicas com interferência humana) foi publicado nesta segunda (19/7) no periódico científico PNAS (Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America).

Como monitorar tantas árvores?

Desde 2010, pesquisadores monitoram 21 parcelas de terra da Floresta Amazônica espalhadas com até 100 km de distância umas das outras na região do Baixo Tapajós.

Em 2015, observando a extrema seca causada pelo El Niño, resolveram verificar como o fenômeno impactaria as plantas daquela região.

Autora principal do estudo, Erika Berenguer, medindo árvores em uma floresta amazônica queimada durante o El Niño de 2015

Crédito, Marizilda Cruppe/Rede Amazônia Sustentável

Legenda da foto,

Autora principal do estudo, Erika Berenguer, monitora árvores em uma floresta amazônica queimada durante o El Niño de 2015

Eles já tinham mapeado 6.117 delas — "como num jogo de batalha naval", explica a bióloga Erika Berenguer, das universidades de Oxford e Lancaster e autora principal do estudo. Cada árvore era registrada em quadrantes diferentes, com seu "X" e "Y" correspondente para facilitar sua identificação.

Ao longo de três anos, entre outubro de 2015 e outubro de 2018, os pesquisadores voltaram trimestralmente para cada uma daquelas 21 parcelas de terra e verificavam árvore por árvore para saber qual havia sido seu destino.

As árvores morrem pela seca ou pelo fogo causado por humanos. E esse fogo, por sua vez, pode ter diferentes origens. Uma delas, talvez a mais conhecida, é o desmatamento. Depois de derrubadas as árvores, o fogo é colocado para se livrar da floresta no chão. Outras origem são seu uso para a limpeza de pasto na Amazônia ou para incorporar os nutrientes da vegetação no solo — uma prática antiga que, no entanto, é afetada negativamente pela seca que deixa a paisagem mais inflamável.

Esses fogos controlados podem escapar da área designada e entrar dentro de áreas de floresta. Em um período de seca, isso é perigoso.

Um incêndio florestal durante o El Niño de 2015

Crédito, Erika Berenguer/Divulgação

Legenda da foto,

Incêndios florestais na Amazônia são feitos de fogos bem pequenos, com chamas de 30 cm de altura que se movem muito devagar durante dias e dias de queima

"A Amazônia é muito úmida. Normalmente esse fogo, se escapasse, morreria, igual fogo em um pedaço de pano molhado", explica Berenguer. Mas como, no período analisado por cientistas, o clima estava muito seco — foram oito meses de seca — "o fogo, quando escapava, entrava na floresta". "Ela estava como um pano seco parado no sol."

São fogos bem pequenos, com chamas de 30 cm de altura, e que se movem muito devagar durante dias e dias de queima. "É lerdo e de baixa intensidade. Mas quando cobre grandes áreas, fica difícil de apagar", diz a pesquisadora. Além disso, é difícil de ver, porque as árvores são altas. Sua fumaça, sim, é visível.

Então, pesquisadores voltavam para aquelas parcelas de mata para ver se as árvores haviam morrido. É possível descobrir se uma árvore na Amazônia morreu de acordo com diferentes fatores.

"Se não tem folha, é um sinal que já está morta, já que a maioria das árvores na Amazônia não perdem folhas em partes do ano", explica Berenguer. Outra técnica: fazer um corte com um facão. "Você tira um pedaço da casca para ver se ela está seca ou não."

Autora principal do estudo, Erika Berenguer, em uma floresta amazônica recentemente queimada durante o El Niño de 2015

Crédito, Jos Barlow/Divulgação

Legenda da foto,

Entre outubro de 2015 e outubro de 2018, pesquisadores voltavam trimestralmente para 21 parcelas de terra e verificavam árvore por árvore

Ela explica que, diferentemente de outros biomas, a Amazônia não evoluiu com o fogo. "As árvores não estão preparadas para lidar com o fogo, elas têm uma casca muito fina, sem o isolamento térmico que árvores do cerrado têm. A casca de árvores da Amazônia são iguais a uma folha de papel. Ela é superfina, sem proteção alguma", diz.

Depois de descobrirem quantas árvores e cipós tinham morrido em excesso, os cientistas extrapolaram esse resultado para a área maior do Baixo Tapajós, de 6,5 milhões de hectares. "A gente sabe o quanto de floresta tem nessa área grande e o quanto em média a gente perdeu de árvores nas parcelas. Se a gente perdeu em média tantas árvores nessas parcelas todas, o quanto a gente perdeu na região toda?", explica Berenguer.

O resultado foram os inacreditáveis 2,5 bilhões de árvores e cipós perdidos naquela região. Para Berenguer, os números surpreenderam ao mostrar a grandeza da mortalidade das árvores e a perda de carbono. "Quando você está andando na floresta, você sabe que a situação não está boa. Mas não sabíamos a magnitude disso."

Ver grande parte da floresta que monitorava havia anos de repente morta foi "difícil emocionalmente", diz Berenguer. "Você cria ligações com a floresta, como se fosse o quarteirão onde você mora, com a árvore que você gosta."

Os pesquisadores também descobriram que os efeitos da seca do El Niño duraram mais de três anos em florestas afetadas pela seca e dois anos e meio em florestas afetadas tanto pela seca quanto pelo fogo, com árvores ainda morrendo nesse período por conta do fenômeno climático.

O número menor para as florestas afetadas pela seca e pelo fogo parece, de início, contraintuitivo. Mas "não é porque fogo causa menos dano", explica Berenguer. "É porque já morreu tanta planta no início, que acaba não tendo mais o que matar."

As árvores localizadas em florestas que já sofreram impacto são muito mais vulneráveis ao próximo fogo, com maior chance de morrerem. A floresta fica aberta, com maior entrada de luz e vento, o que a deixa mais seca. "Se o fogo escapar em outros anos, é mais propício de se sustentar ali. Acaba criando um looping de feedback negativo", diz Berenguer.

Soluções

O El Niño acontece a cada dois a sete anos, em média, e há estudos que apontam que as mudanças climáticas podem agravar o fenômeno. Seu efeito na Amazônia, como se vê, é devastador. Mas há ações que podem ser feitas para evitar que seja tão destrutivo.

Uma das 6.000 plantas monitoradas no estudo, que morreu em uma floresta queimada durante o El Niño de 2015

Crédito, Erika Berenguer/Divulgação

Legenda da foto,

Brasil pode fazer mapa de risco de incêndio para evitar maiores perdas em eventos de seca

Um ponto fundamental é a prevenção, diz Joice Ferreira, pesquisadora da Embrapa Amazônia Oriental e da Rede Amazônia Sustentável e uma das autoras do estudo. Por meio de satélites, cientistas já têm a capacidade de prever secas. "E já sabemos que a seca é altamente relacionada com queimadas. Uma vez que o fogo inicia é muito difícil controlar."

Quando o desmatamento em um ano é muito alto, é possível inferir, também, que isso poderá se refletir no ano seguinte com uma possibilidade maior de incêndios, já que regiões com áreas mais desmatadas e mais secas são mais vulneráveis a queimadas.

Por isso, diz Ferreira, o Brasil tem "toda a condição de fazer um mapa de risco de incêndio", como está sendo feito na região do Tapajós.

E há três pontos que podem ser endereçados. A seca, o fogo causado pela limpeza de pasto ou por comunidades para incorporar os nutrientes da vegetação ao solo e, claro, o fogo causado para "limpar" uma região desmatada.

Para diminuir as consequências de um evento de seca como o El Niño, a médio e longo prazo, é preciso investir na restauração florestal, diz Ferreira, para reduzir a degradação das florestas. Dessa maneira, as matas ficam menos secas e, assim, menos vulneráveis a secas.

Para controlar o fogo que pode escapar quando usado para limpar o pasto ou para incorporar nutrientes ao solo, gestores podem fazer regras mais rígidas, determinando certas condições para a realização dessas queimadas.

Podem determinar, por exemplo, a quantos dias de diferença da chuva esses fogos poderão ser feitos, impedir que sejam levados a cabo em horários de maior calor ou que sejam postos no contravento e não a favor do vento, entre outros.

O governo pode também disseminar técnicas agrícolas que dependam menos do fogo, diz Ferreira, e dar apoio para que populações tenham condições de usar essas outras técnicas.

Por fim, é preciso combater o desmatamento — em sua maior parte, ilegal. "É uma questão de comando e controle. As instituições têm que ser mais fortalecidas, devem ser mais rigorosas nas multas, na regularização ambiental das propriedades e realmente fazer esforço para utilizar recursos que tem para responsabilizar quem faz as práticas ilegais", diz Ferreira.

Brasil : CHUMBO
Enviado por alexandre em 24/07/2021 01:21:55

Como metal pesado tóxico afeta as crianças no Brasil e no mundo

Ele é tão tóxico que pode danificar o cérebro das crianças pelo resto da vida. Tão persistente que fica no ar por décadas. E tão onipresente que afeta um terço das crianças do planeta.

A intoxicação por chumbo é um problema sério e global. Estima-se que até 800 milhões tenham níveis deste metal pesado no sangue iguais ou superiores a 5 microgramas por decilitro (µg/dL), o nível em que uma intervenção é necessária, de acordo com um relatório conjunto de 2020 da Unicef, o braço da Organização das Nações Unidas (ONU) para a infância e adolescência, e da ONG internacional Pure Earth.

O chumbo é tão tóxico que a Organização Mundial da Saúde (OMS) considera que "nenhum nível no sangue é seguro".

Um estudo recente em Londres descobriu que o chumbo usado no passado na gasolina persiste no ar da capital britânica, embora o metal tenha sido proibido nos combustíveis no Reino Unido há mais de 20 anos. E estudos em outras cidades como Xangai e São Paulo encontraram resultados semelhantes.

Outras fontes de contaminação incluem desde tintas até a reciclagem insegura de baterias, passando por temperos.

Cerâmica sem chumbo produzida por iniciativa da Pure Earth em Puebla

Crédito, Pure Earth México

Legenda da foto,

Cerâmica sem chumbo produzida por iniciativa da Pure Earth em Puebla, no México

A Unicef e a Pure Earth destacam especialmente o caso do México, onde a principal fonte de envenenamento é muito diferente: o uso de esmaltes na cerâmica. "Nunca esquecerei uma criança de 2 anos que tinha níveis de mais de 65 microgramas por decilitro", diz Daniel Estrada, CEO da Pure Earth no México.

"É muito triste saber que uma tradição tão bela provocou a intoxicação dessa criança e que ela não pode desenvolver suas capacidades ao máximo por causa disso."

As fontes de chumbo podem ser muito diferentes. O que não varia é seu impacto devastador nas crianças.

O efeito do chumbo na saúde

O chumbo pode causar danos irreparáveis aos cérebros das crianças, segundo o relatório da Unicef e da Pure Earth "A verdade tóxica: a exposição das crianças à contaminação por chumbo prejudica o potencial de uma geração".

Criança descendo escadas em casa com paredes descascadas

Crédito, Getty Images

Legenda da foto,

Chumbo, que pode vir de tintas à base de chumbo, é uma neurotoxina poderosa que pode causar danos irreparáveis ao cérebro das crianças

É particularmente destrutivo para bebês e crianças menores de cinco anos, porque danifica seus cérebros antes que tenham a oportunidade de se desenvolver plenamente, causando prejuízos neurológicos, cognitivos e físicos para toda a vida, de acordo com o informe.

Vários estudos revelam que níveis de chumbo no sangue superiores a 5 mg/dL estão associados a uma perda irreversível de capacidade intelectual. E o envenenamento por chumbo na infância também foi relacionado ao comportamento criminoso de adolescentes e adultos.

A OMS destaca que o chumbo também causa danos permanentes em adultos, por exemplo, aumentando o risco de hipertensão e danos renais.

Como o chumbo atua no corpo

O chumbo pode prejudicar a saúde fundamentalmente por meio de dois mecanismos, explica à BBC News Mundo Howard Mielke, professor da Escola de Medicina da Tulane University em Nova Orleans, nos Estados Unidos.

Mielke pesquisa o impacto do chumbo na saúde das crianças há mais de 40 anos. Um desses mecanismos é que o chumbo é quimicamente semelhante ao cálcio e "rouba" seu lugar.

"O cálcio é essencial nas sinapses das células nervosas. Se o chumbo ocupar o lugar do cálcio, os sinais não são transmitidos, e as células nervosas morrem. O resultado é um encolhimento do cérebro", explica o especialista.

Uma segunda maneira pela qual o chumbo prejudica a saúde é que ele se deposita nos dentes e nos ossos, onde se acumula com o tempo.

Mulher grávida

Crédito, Getty Images

Legenda da foto,

'Se a mãe foi exposta ao chumbo quando criança, seus ossos contêm chumbo. Durante a gravidez, esse chumbo passará para o feto em vez do cálcio', explica Mielke.

Mielke fala de um "legado multigeracional de chumbo". "Se a mãe foi exposta ao chumbo quando criança, seus ossos contêm chumbo. Durante a gravidez, o cálcio nos ossos da mãe é importante para o desenvolvimento do feto. Mas, se os ossos da mãe contiverem chumbo, esse chumbo passará para o feto em vez do cálcio. "

O dano é sempre irreversível?

Se as crianças foram expostas de forma crônica e excessiva ao chumbo por longos períodos na infância, as consequências são irreversíveis, diz Mielke. "Se a exposição foi por um período curto e não de forma intensa, e a fonte de chumbo é rapidamente reduzida, então, o dano pode ser limitado e pode haver uma recuperação."

Ilustração do sistema nervoso de uma criança

Crédito, Getty Images

Legenda da foto,

Chumbo é particularmente destrutivo para bebês e crianças menores de 5 anos,

"As crianças são resilientes. No entanto, o principal tratamento é a prevenção primária, ou seja, prevenir a exposição ao pó de chumbo em primeiro lugar."

Daniel Estrada explica que "os danos às crianças são permanentes se a fonte de exposição não for eliminada após os 4 anos de idade. Se o chumbo for eliminado mais cedo, o dano é reversível".

Chumbo da gasolina em Londres

Em Londres, o chumbo da gasolina persiste no ar mais de 20 anos depois que seu uso foi proibido, segundo estudo da Universidade Imperial College. O chumbo começou a ser usado como um antidetonante na gasolina no Reino Unido na década de 1930 e foi eliminado desse combustível até sua proibição total em 1999.

Escapamento de um automóvel

Crédito, Getty Images

Legenda da foto,

Chumbo da gasolina persiste no ar de Londres mais de 20 anos depois que seu uso como combustível foi proibido

"As análises químicas realizadas em amostras de partículas atmosféricas coletadas em Londres indicam que o teor de chumbo é muito alto em relação ao padrão de referência para este elemento na crosta terrestre (ou nível de fundo)", diz Raquel Ochoa González, uma das autoras do estudo, doutora em Química e pesquisadora do Departamento de Ciências da Terra e Engenharia da Imperial College.

"Esses dados nos permitem dizer com precisão que as partículas que analisamos são claramente enriquecidas em chumbo em comparação com os níveis de fundo e que existem fontes que vêm da atividade humana."

Cientistas da Imperial College determinaram com análise isotópica que até 40% do chumbo no ar de Londres hoje vem do legado da gasolina com chumbo. Isótopos são átomos do mesmo elemento cujos núcleos atômicos têm o mesmo número de prótons, mas diferentes números de nêutrons.

"O chumbo é um elemento que possui vários isótopos dos quais apenas aqueles com massas 204, 206, 207 e 208 são estáveis. A análise das razões isotópicas do chumbo nos fornece informações muito valiosas sobre a origem desse elemento, para que possamos obter 'impressões digitais' características para cada fonte de chumbo", explica González.

Antigo posto de gasolina nos Estados Unidos que vendia gasolina com chumbo, "lead" em inglês

Crédito, Getty Images

Legenda da foto,

Antigo posto de gasolina nos Estados Unidos que vendia gasolina com chumbo, "lead" em inglês. O Tetraetilchumbo (chumbo tetraetila) foi adicionado à gasolina como um antidetonante

O chumbo da gasolina que foi depositada ao longo de décadas em superfícies e solos urbanos pode ser "ressuspenso" no ar pelo vento, tráfego ou durante obras. "A ressuspensão de partículas poluentes inaláveis é uma fonte muito importante de poluição atmosférica em áreas urbanas", acrescenta a pesquisadora.

E no Brasil?

Embora o uso do chumbo na gasolina tenha sido abandonado, seu legado continua principalmente nas grandes cidades.

No caso do Brasil, estudos de 2017, 2018 e 2019 confirmaram a presença de chumbo da gasolina no ar, conforme dois dos autores desses estudos, Carlos Eduardo Souto de Oliveira, pesquisador do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (USP), e Marly Babinski, professora e pesquisadora do Centro de Geocronologia e Geoquímica Isotópica da USP.

O Brasil foi "um dos primeiros países do mundo a eliminar o chumbo da gasolina", assinalam os pesquisadores. "A fase de eliminação do chumbo adicionado à gasolina para atuar como antidetonante começou no Brasil em 1989 e terminou em 1992, quando o etanol passou a ser misturado à gasolina."

O estudo de 2017 mostrou em São Paulo uma redução da ordem de 50 vezes entre 1970 e 2005 nas concentrações de chumbo no material particulado atmosférico (mistura de partículas sólidas e gotas de líquidos encontrados na atmosfera ) coletado em 24 horas na fração de partículas entre 2,5 micrômetros ou menos de diâmetro e partículas de 10 mícrons de diâmetro ou menos (a título de comparação, um fio de cabelo humano tem cerca de 70 mícrons).

Venda de etanol no Brasil

Crédito, Getty Images

Legenda da foto,

Processo de eliminação do chumbo da gasolina foi concluído no Brasil em 1992, quando etanol começou a ser misturado a esse combustível

As principais fontes de chumbo foram o tráfego de veículos e o cimento da construção ou de uma empresa de mistura de cimento nas proximidades. Uma terceira fonte de chumbo foi a região industrial de Cubatão, localizada a cerca de 50 km da cidade de São Paulo.

O estudo de 2019 comparou o material particulado em São Paulo e Londres e encontrou maior contribuição do chumbo da gasolina na capital britânica.

Outras fontes

Além do legado de chumbo na gasolina, a reciclagem informal e inadequada de baterias de chumbo é um dos principais contribuintes para o envenenamento por chumbo em crianças em países de baixa e média renda, onde o número de veículos triplicou desde 2000, de acordo com o relatório da Unicef e da Pure Earth.

"Trabalhadores em pequenas empresas de reciclagem, de forma perigosa e muitas vezes ilegal, quebram caixas de baterias, derramam ácido de chumbo e poeira no chão, e derretem esse material recuperado em fornalhas externas rudimentares que emitem gases tóxicos que envenenam a comunidade ao redor", diz o relatório.

Adolescente reciclando componentes de bateria e outros resíduos eletrônicos no Vietnã

Crédito, Getty Images

Legenda da foto,

Reciclagem informal e perigosa de baterias de chumbo é um dos principais contribuintes para envenenamento por chumbo em crianças em países de baixa e média renda

Outras fontes de exposição infantil incluem chumbo na água de canos, tintas, soldas em latas de comida e especiarias, cosméticos, brinquedos e outros produtos de consumo. "Pais cujas ocupações envolvem trabalho com chumbo muitas vezes trazem pó de chumbo para casa em suas roupas, cabelos, mãos e sapatos, inadvertidamente expondo seus filhos a este produto tóxico."

No caso das especiarias, um estudo do Departamento de Saúde da Cidade de Nova York, nos Estados Unidos, analisou mais de 1,4 mil amostras de especiarias importadas de países como Paquistão e Bangladesh, vendidas em embalagens sem marcas ou rótulos. Mais de 30% dessas amostras apresentaram concentrações de chumbo superiores a 2 ppm ou partes por milhão, nível máximo que é considerado seguro.

Sacos com especiarias

Crédito, Getty Images

Legenda da foto,

Especiarias também podem ter concentrações de chumbo

O caso do México

O problema do envenenamento por chumbo na infância no México "é realmente sério", de acordo com Daniel Estrada. "Em média, 2 em cada 10 crianças mexicanas têm envenenamento por chumbo. Em Puebla, quase metade das crianças tem envenenamento por chumbo. Isso se traduz em uma diminuição das capacidades neurológicas e danos a diferentes órgãos", acrescenta.

O relatório da Unicef e da Pure Earth cita um levantamento conduzido pelo Instituto Nacional de Saúde Pública (INSP) do México, segundo o qual 1,4 milhão de crianças menores de 5 anos no México tinham níveis de chumbo no sangue acima de 5 µg/dL.

Integrante de Pure Earth falando com trabalhadoras de cerâmica

Crédito, Pure Earth México

Legenda da foto,

No México, ONG Pure Earth ajuda trabalhadores da cerâmica a fazer a transição para esmaltes sem chumbo

"O chumbo é usado para produzir o esmalte que recobre as peças de barro", explica Estrada.

"Para a produção de barro esmaltado, a peça é feita primeiro e levada ao forno para produzir a primeira queima, conhecida como sancocho ou jahuete. Para a esmaltação, o sancocho é coberto com óxido de chumbo e levado ao forno pela segunda vez. Ao sair do forno, a peça já tem um esmalte que ajuda a impermeabilizá-la. Hoje, existem esmaltes sem chumbo que dão um acabamento semelhante ao dado pelo óxido de chumbo, mas sem serem tóxicos."

"Quando o óxido de chumbo é usado, o chumbo do esmalte passa para os líquidos ou alimentos quando são ácidos ou quentes. É assim que o chumbo passa para o arroz, suco ou outro alimento servido ou preparado em cerâmica esmaltada com chumbo", assinala Estrada.

Ceramistas participando de programa Barro Aprobado no México, da ONG Pure Earth

Crédito, Pure Earth México

Legenda da foto,

Ceramistas participando de programa Barro Aprobado no México, da ONG Pure Earth

A Pure Earth promove um programa no México para ajudar ceramistas a fazer a transição para esmaltes sem chumbo.

"O programa 'Barro Aprobado' consiste em dar aos ceramistas selos personalizados na produção de cerâmicas sem chumbo, bem como promover lojas de olarias e restaurantes sem chumbo. Até agora, temos mais de 40 ceramistas no programa, mas há cada vez mais interesse na indústria para ser livre de chumbo. "

O caso de Nova Orleans

Em Nova Orleans, Howard Mielke conduziu estudos que relacionam o chumbo no solo ou chão de parques ou praças com os níveis de chumbo no sangue de crianças. Em primeiro lugar, "muitas vezes, as crianças colocam as mãos ou os brinquedos que estavam em contato com o solo na boca", enumera o pesquisador.

"Em segundo lugar, o chumbo do solo entra na casa das crianças pelos sapatos (tirar os sapatos na porta limita esse movimento)."

Mão de menino na terra

Crédito, Getty Images

Legenda da foto,

Uma das vias de envenenamento por chumbo é que as crianças costumam colocar as mãos ou brinquedos que estavam em contato com o solo em suas bocas, diz Mielke

"Terceiro, o chumbo no solo é ressuspenso no ar (como mostrou um estudo recente de Londres) durante os períodos de seca do ano e entra em sua casa pela janela."

"Quarto, o pó ressuspenso é inalado, e as nanopartículas entram nos pulmões e são absorvidas diretamente na corrente sanguínea."

Limpeza de área recreativa em Nova Orleans, no qual uma tela de fibra sintética é colocada

Crédito, Howard Mielke

Legenda da foto,

Em Nova Orleans, Mielke supervisionou a limpeza de locais de jogos contaminados com chumbo

Mielke supervisionou projetos de limpeza de solo e sujeira em 30 praças e áreas recreativas em Nova Orleans, sobre os quais uma malha de fibra sintética chamada geotêxtil foi colocada. "Um geotêxtil permeável de cor laranja é colocado no topo do solo contaminado. E, então, uma camada de 6 cm de solo com baixos níveis de chumbo (menos de 10-20 ppm) é espalhada."

Dessa forma, "a superfície onde as crianças brincam passou de níveis de chumbo de 700 ppm para níveis abaixo de 20 ppm". Além dos projetos de Mielke, o pesquisador observa que a cidade de New Orleans também fez trabalhos de remediação em 13 parques locais.

Limpeza de área recreativa em Nova Orleans, no qual foi colocado um geotêxtil e, em seguida, uma camada de solo

Crédito, Howard Mielke

Legenda da foto,

Após limpeza, "superfície onde crianças brincavam passou de níveis de chumbo de 700 ppm para níveis inferiores a 20 ppm"

Mas o cientista garantiu que "o interior de Nova Orleans continua muito poluído para as crianças. Seus níveis de chumbo no sangue continuam excessivamente altos".

Justiça ambiental

A intoxicação por chumbo afeta desproporcionalmente crianças em países de baixa e média renda, de acordo com a Unicef e a Pure Earth. E, dentro de cada país, os mais afetados tendem a ser crianças de comunidades mais pobres.

As ações para reduzir a exposição ao chumbo têm um elemento de "justiça ambiental", de acordo com Mielke. "Pessoas de baixa renda vivem em comunidades onde a moradia é mais acessível", diz ele.

Protestos em Newark (Nova Jersey) em 2019 por causa dos altos níveis de chumbo na água de canos de chumbo

Crédito, Getty Images

Legenda da foto,

Protestos em Newark em 2019 por causa dos altos níveis de chumbo na água de canos de chumbo

"Infelizmente, esses imóveis mais acessíveis são geralmente encontrados em áreas urbanas pobres com congestionamento de tráfego e, possivelmente, com casas que têm pintura à base de chumbo antiga. Quando o chumbo era usado na gasolina, o meio ambiente nessas comunidades ficava contaminado com nanopartículas de chumbo (partículas da combustão)."

Essas partículas são ressuspensas no ar e se tornam uma fonte de envenenamento para crianças, o que pode resultar em sérias deficiências e consequências para a vida toda.

"Essas disparidades prejudicam a sociedade. "A indústria do chumbo promoveu um padrão de 400 ppm nos solos. Mas vimos que esse nível é muito alto. Comunidades com níveis de 40 ppm nos solos são mais seguras para a maioria das crianças."

Prevenção

A Unicef e a Pure Earth recomendam ações coordenadas para os países afetados em diferentes áreas, incluindo monitoramento por meio de testes de chumbo no sangue e prevenção da exposição das crianças a produtos que contenham chumbo, como brinquedos e tintas, bem como a reciclagem segura de baterias e lixo eletrônico.

Raquel Ochoa González cita como exemplo a vigilância da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos. "Como medidas para prevenir a exposição ao chumbo, podemos apontar a inspeção de canos em casas construídas antes dos anos 1980, evitar o contato com pinturas danificadas, lavar as mãos antes de comer alimentos e evitar o uso de objetos de metal e brinquedos velhos."

Para Daniel Estrada, na América Latina, deve haver "políticas adequadas e, acima de tudo, mecanismos de vigilância, tanto para a indústria quanto para os níveis de chumbo no sangue de crianças vulneráveis".

Exame de sangue em um bebê em Flint, Michigan, para verificar os níveis de chumbo

Crédito, Getty Images

Legenda da foto,

Exame de sangue em um bebê em Flint, Michigan, para verificar os níveis de chumbo

Então, qual a principal mensagem que Estrada daria ao público? "Monitorar seus níveis de chumbo no sangue, porque os da mãe podem ser semelhantes aos das crianças. Se encontrarem níveis elevados, busquem a fonte para eliminá-los." E a mensagem para os compradores de cerâmica esmaltada "é comprar cerâmica esmaltada sem chumbo".

O envenenamento de crianças por chumbo, com seu impacto devastador ao longo da vida, é uma tragédia. Mas existem medidas que podem ser tomadas para reduzir a exposição das crianças a essa toxina.

"As crianças são extraordinariamente sensíveis ao ambiente", diz Mielke. "São os adultos que devem assumir a responsabilidade de tornar esses ambientes os mais seguros possíveis em termos de níveis de chumbo."

Brasil : PEIXE-LUA
Enviado por alexandre em 20/07/2021 15:13:08

Raro peixe-lua é encontrado morto em praia nos EUA

Um raro espécime de peixe-lua foi encontrado morto em uma praia do Oregon, nos Estados Unidos, na semana passada, informaram os pesquisadores do aquário da cidade de Seaside.

 

O animal, também chamado de peixe-opah, chama a atenção pela sua coloração avermelhada e tamanho: ele pode alcançar os 2 metros de comprimento e pesar até 270 kg.

 

Os especialistas do aquário da cidade que fica próxima à fronteira com o Canadá recolheram o animal e o colocaram em uma câmara fria para que ele possa ser estudado posteriormente.

 

Veja também

 

Fóssil há muito tempo perdido revela ser de uma lula-vampira-do-inferno de 30 milhões de anos

 

Conheça a fruta milagrosa capaz de mudar o sabor das coisas

 

Os cientistas informaram em um comunicado que peixes desta espécie costumam viver em mar aberto e profundo, longe do litoral – e são bastante raros nesta região.

 

Eles se alimentam principalmente de krills, semelhantes a pequenos camarões, e seu aparecimento em águas mais rasas poderia estar relacionado às mudanças climáticas.

Sangue quente

 

Peixe-lua encalha em praia do Oregon, nos EUA, em 14 de julho de 2021 — Foto: Seaside Aquarium

 

Um estudo de 2015, publicado pela revista "Science", apontou que o opah é o primeiro peixe de sangue quente conhecido pela ciência.

 

A característica incomum lhe confere uma vantagem competitiva nas profundezas frias do oceano: com barbatanas que batem constantemente, o animal se mantém aquecido e com um reflexo rápido.

 

Alguns outros peixes, como o atum e certos tubarões, podem aquecer partes de seus corpos e músculos para melhorar o desempenho nas profundezas frias, mas seus órgãos internos rapidamente ficam frios, forçando-os a subir para águas pouco profundas para se aquecer.

 

Pesquisador do aquário de Seaside, em Oregon, nos EUA, segura peixe-lua encontrado morto em praia. Foto de 14 de julho de 2021 — Foto: Seaside Aquarium

Foto: Seaside Aquarium

 

 

Pesquisador do aquário de Seaside, em Oregon, nos EUA, segura peixe-lua encontrado morto em praia. Foto de 14 de julho de 2021

 

Fonte: G1

« 1 ... 367 368 369 (370) 371 372 373 ... 997 »
Publicidade Notícia