As desconfianças do governo brasileiro em relação à China começaram a ser expostas em papéis oficiais. Documentos do Conselho Nacional da Amazônia Legal (CNAL) obtidos pelo Estadão registram a preocupação com um interesse do país asiático pelos recursos naturais estratégicos, especialmente a água. O órgão comandado pelo vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB) destaca que as potencialidades brasileiras já estão na mira de potências como Inglaterra, França, Alemanha e Estados Unidos.
– A entrada da China no seleto grupo de grandes potências econômicas hegemônicas do mundo, contextualiza uma nova realidade global, na qual regiões ricas em recursos naturais estratégicos passam a ser o alvo das políticas externas do Governo chinês – ressalta uma apresentação feita na última terça-feira (3) aos integrantes do Conselho.
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O documento ressalta que, na crise global da água, a situação já é crítica na República Popular da China, na Índia, no México e na região do Chifre da África – que abrange Somália, Etiópia, Eritreia e Djibouti. Nesses países, segundo o governo, os lençóis freáticos registram queda de um metro por ano, acima da taxa natural de reposição, o que aponta grave crise em 20 a 25 anos.
Apresentado por um subordinado de Mourão na reunião, o documento destaca um possível apoio de “entidades ambientalistas” aos governos europeus, além de “interesses menos republicanos entre nacionais”.
“Será que vale a pena a troca de provocações nas Relações Internacionais?”, questiona o documento. A equipe de Mourão ainda lançou novo questionamento: “Qual seria a melhor estratégia para o Brasil?”. A resposta está registrada logo abaixo. “Assegurar sua soberania pela Coordenação e Integração de Políticas Públicas, por intermédio do CNAL”.
Executivo quer limitar atuação de organizações que contrariem ‘interesses nacionais’
Como o Estadão revelou nesta segunda-feira, o conselho traçou objetivos para a região da Amazônia. Entre eles, a criação de um “marco regulatório” para controlar as Organizações Não-Governamentais (ONGs) que atuam na região. Segundo documentos entregues a membros do conselho, a meta é impedir a atuação na floresta de ONGs que não atendam aos “interesses nacionais”.
Os objetivos do conselho dividem-se em três principais eixos (preservação, proteção e desenvolvimento sustentável). Cada tópico é subdividido em objetivos mais pontuais, que têm metas e ações programadas. Na última semana, Mourão pediu para diversos ministérios indicarem especialistas para debater estes objetivos junto ao conselho. Além de um ofício assinado pelo general, a Vice-Presidência encaminhou a apresentação feita aos membros do conselho e tabelas com as descrições dos objetivos do grupo. Duas fontes do governo que acompanham as discussões confirmaram o envio dos documentos.
Questionado nesta segunda-feira sobre o assunto, Mourão disse desconhecer a proposta sobre as ONGs, apesar de ele mesmo ter assinado o comunicado convocando servidores de outras pastas para discutir o tema.
*Estadão
Rivalidade EUA-China não vai acabar por causa de Joe Biden
Bandeira da China em Pequim: Especialistas acreditam que os dois países vão se distanciar mais
Foto: Jason Lee/Reuters O presidente Donald Trump passou grande parte de seu mandato definindo Pequim como o maior adversário político e econômico de Washington. Não espere mudanças drásticas com a chegada de Joe Biden ao comando, mesmo que ele evite a fanfarronice e a imprevisibilidade de seu antecessor.
Economistas e especialistas em relações comerciais acreditam que os Estados Unidos e a China irão se distanciar ainda mais em comércio e tecnologia, já que o governo norte-americano deve continuar examinando todos os aspectos de sua relação com a segunda maior economia do mundo.
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“Temos uma rivalidade sistemática fundamental entre esses dois sistemas”, disse Alex Capri, pesquisador da Heinrich Foundation e pesquisador sênior e professor da Universidade Nacional de Cingapura. “De muitas maneiras, essa rivalidade vai se intensificar”.
Tensões fundamentais
O ano de 2020 destacou grandes tensões e uma falta de confiança entre as duas nações mais poderosas do planeta. Apesar de chegar a um acordo comercial em janeiro, Estados Unidos e China ainda têm que resolver vários pontos de conflito econômico, incluindo alegações dos EUA de que o governo chinês rouba tecnologia norte-americana e dá tratamento preferencial demais a corporações estatais às custas de empresas estrangeiras.
Enquanto isso, o governo norte-americano tem se tornado cada vez mais cauteloso em relação à tecnologia chinesa e se ela poderia ser usada para espionar os americanos. Esse medo fez com que legisladores (republicanos e democratas) vissem a China como uma grande ameaça à segurança nacional dos EUA.
Basta olhar, por exemplo, para o suporte para sanções que Washington impôs à empresa de tecnologia Huawei e as etapas que os políticos norte-americanos estão adotando para tornar mais difícil para as empresas chinesas negociar nas bolsas dos EUA, por exemplo.
O coronavírus só agravou essas diferenças quando a China e os Estados Unidos trocaram acusações sobre o início e o manejo incorreto da pandemia. Além disso, os confrontos em Hong Kong e os supostos abusos de direitos humanos na região de Xinjiang, China, aumentaram uma divisão política que provavelmente continuará a crescer nos próximos anos.
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“Biden foi muito claro sobre como deseja proceder e tem havido apoio bipartidário para uma linha dura”, opinou William Reinsch, especialista em comércio do Center for Strategic and International Studies (Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais) que atuou por 15 anos como presidente do National Foreign Trade Council (Conselho de Comércio Exterior).
Ele ressaltou que o Senado poderia muito bem permanecer sob controle republicano no novo ano. O melhor que os democratas podem esperar é a menor maioria do Senado.
O presidente eleito “estará sob constante pressão crítica dos falcões republicanos que atacam a China no Congresso para ser mais agressivo”, disse Reinsch ao CNN Business. “Não há muito que eles possam fazer a curto prazo além de reclamar, mas isso tornará o ambiente pior do que já está”.
Uma mudança de tom
É quase certo que haverá uma mudança de estilo com o governo Biden. Trump não é conhecido por medir palavras: ele disse uma vez que os Estados Unidos não podiam “continuar permitindo que a China estupre nosso país” e tem se referido repetidamente à Covid-19 como o “vírus da China".
“O tom de Biden vai ser diferente, muito mais diplomático”, afirmou Capri, da Heinrich Foundation. Ele espera que o novo regime siga mais de perto o procedimento há muito estabelecido antes de impor à China novas tarifas ou sanções.
O especialista lembra que milhares de empresas norte-americanas processaram os Estados Unidos por impor tarifas sobre produtos chineses, uma decisão que eles argumentam que prejudica seriamente seus negócios.
“Honestamente, havia apenas caos no Departamento de Comércio durante o governo Trump”, acrescentou Capri. “Historicamente, o processo consiste em consultar a indústria dos Estados Unidos”. (O governo Trump defendeu sua abordagem linha-dura para a China como necessária para corrigir um relacionamento desequilibrado, e o presidente disse a repórteres em janeiro que sua "fase um" do acordo comercial criaria “justiça econômica” para os norte-americanos.)
A China também parece estar se preparando para uma retórica menos agressiva.
Evitando as questões sobre a posição de Pequim sobre o resultado das eleições nos EUA, o governo chinês disse na segunda-feira (9) que “notou” que Biden declarou vitória, embora reconhecesse que a eleição seria determinada de acordo com as leis e procedimentos dos EUA.
“A China e os Estados Unidos devem fortalecer a comunicação e o diálogo”, disse o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores chinês, Wang Wenbin, a repórteres na segunda-feira, acrescentando que tal desejo se estende à promoção de relações “saudáveis e estáveis”.
Os burocratas e diplomatas chineses estão divididos sobre se Biden seria melhor no comando dos Estados Unidos do que Trump para lidar, de acordo com Ian Bremmer, presidente e fundador da consultoria Eurasia Group.
Para ele, os “lobos guerreiros” da China, diplomatas que defendem Pequim agressivamente contra as críticas ferozes sobre o país, provavelmente prefeririam Trump, já que sua liderança enfraquece os parceiros de aliança tradicionais dos Estados Unidos e fornece bases para equivalência moral em termos de direitos humanos e unilateralismo.
No geral, porém, “os chineses não querem ver o modelo norte-americano implodir”, acrescentou. “Eles percebem que se beneficiam de um EUA estável que continua a desempenhar um grande papel na ordem global”.
Um desembaraço inevitável
Não importa como Biden fale sobre as relações EUA-China, os dois países provavelmente continuarão tentando separar suas economias.
Analistas do JP Morgan escreveram no mês passado que uma vitória de Biden deixaria os dois países lutando por redes 5G, computação quântica, inteligência artificial e biotecnologia.
“Ao disputar o domínio nessas áreas, os EUA e a China decidiram se separar, reduzir a cooperação, restringir o compartilhamento de tecnologia e até mesmo fechar ... o comércio em alguns casos”, escreveram.
Capri disse que a China tem se preparado para uma ruptura maior entre as duas maiores economias do mundo.
“Se você é a China, não está fazendo nada diferente, e sim apostando”, disse, acrescentando que espera que o país reduza ainda mais sua dependência dos produtos norte-americanos. O governo chinês do aumento de suas capacidades tecnológicas e autossuficiência uma parte central de seu próximo plano de cinco anos, ressaltando a importância da política.
“É um grande problema para o Partido Comunista Chinês depender da tecnologia norte-americana”, disse Capri. “É simples assim.”
Pequim também pode descobrir que o governo Biden é muito mais eficaz na construção de uma coalizão internacional para desafiar a China sobre subsídios estatais, direitos para empresas estrangeiras ou proteção à propriedade intelectual. As relações EUA-UE foram tensas sob Trump como os dois aliados disputa sobre comércio.
“A ausência de uma posição comum entre os países desenvolvidos nos últimos anos se deve em grande parte à tendência do atual governo dos EUA de ‘agir sozinho’”, escreveu Louis Kuijs, chefe de Economia da Ásia da Oxford Economics, em nota de pesquisa na segunda-feira.
*Com o escritório da CNN em Pequim e Hanna Ziady
(Texto traduzido, clique aqui para ler o original em inglês)
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