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Brasil : Com falhas na regulação, garimpo de ouro legalizado cresce na Amazônia
Enviado por alexandre em 17/04/2025 01:04:55

Pesquisa mostra que, mesmo que realizado de forma legal, garimpo de ouro provoca impactos ambientais semelhantes aos da atividade ilegal

Estudo divulgado esta semana pelo Climate Policy Initiative (CPI/PUC-Rio) e pelo projeto Amazônia 2030 mostra que falhas na regulamentação e regime jurídico tem possibilitado o crescimento desenfreado do garimpo de ouro legal na Amazônia, trazendo impactos tão negativos quando aos da atividade ilegal.

O trabalho, intitulado “Garimpo Legal do Ouro na Amazônia: Recomendações para um Adequado Controle dos Impactos Socioambientais”, mostra que, entre 2016 e 2023, foram concedidas autorizações para a atividade em 630 mil hectares do bioma, o equivalente a quatro vezes a cidade de São Paulo.

O número representa 81% da área total liberada para a realização da mineração de ouro no Brasil (770.464 hectares). Segundo o documento, Pará e Mato Grosso concentram 99% das autorizações na floresta tropical, sendo 64% no Mato Grosso e 35% no Pará.

Apesar de legalizada, a atividade tem apresentado inúmeros problemas. Segundo os pesquisadores responsáveis pela análise, as normas que regulam a atividade são anacrônicas e sujeitas a um regime jurídico incompatível com o potencial de impacto da atividade.

“Apesar de legalizado, o garimpo de ouro na Amazônia provoca impactos socioambientais semelhantes aos da atividade ilegal, como desmatamento, contaminação por mercúrio, conflitos com povos tradicionais e trabalho escravo”, diz o trabalho.

Ainda de acordo com os pesquisadores, predominam hoje no país garimpos que operam em escala industrial e empresarial, ocupando áreas similares às de grandes mineradoras. 

Além disso, flexibilizações indevidas do licenciamento ambiental em âmbito estadual e falta de transparência na implementação das salvaguardas socioambientais enfraquecem o controle da atividade, dizem os autores.

No Pará, por exemplo, o licenciamento ambiental da atividade ocorre de forma simplificada e descentralizada para os municípios, com pouca transparência e baixo controle, mesmo sendo o garimpo classificado, por lei, como atividade de alto impacto.

Outro ponto de destaque do estudo é a atuação cada vez maior das cooperativas de garimpeiros, que hoje operam em áreas 178% maiores do que aquelas exploradas por pessoas físicas e pequenas firmas somadas, e mais do que o dobro da média da mineração industrial.

“Essa mudança de escala transforma o garimpo em um verdadeiro empreendimento empresarial, sem que as regras ambientais e de controle tenham acompanhado essa evolução”, dizem as organizações responsáveis pelo trabalho.

Recomendações

Para enfrentar os impactos do garimpo legal na Amazônia, os autores propõem uma série de medidas urgentes. A principal delas é a exigência de pesquisa prévia obrigatória – hoje aplicada apenas à mineração industrial – também para atividades de garimpagem, sobretudo quando operadas por cooperativas. 

O estudo também recomenda o arquivamento de projetos de lei que tramitam no Congresso e que, ao flexibilizar ainda mais o garimpo, podem aprofundar as distorções já existentes. 

Além disso, destaca a importância de os estados – especialmente o Pará – reforçarem o licenciamento ambiental com mais rigor técnico, transparência e capacidade institucional, para evitar que a atividade siga sendo um dos principais vetores de degradação socioambiental na região.

“Há um descompasso profundo entre a realidade do garimpo hoje e a forma como o Estado o regula. Sem mudanças estruturais, o garimpo legal continuará sendo um vetor de degradação na Amazônia”, afirmam os autores.

Leia o estudo completo aqui

  • Cristiane Prizibisczki

    Jornalista com quase 20 anos de experiência na cobertura de temas como conservação, biodiversidade, política ambiental e mudanças climáticas. Já escreveu para UOL, Editora Abril, Editora Globo e Ecosystem Marketplace e desde 2006 colabora com ((o))eco. Adora ser a voz dos bichos e das plantas.

Brasil : Boiada e seus donos devem sair de áreas que destruíram no Pantanal
Enviado por alexandre em 17/04/2025 01:02:58

A decisão judicial afeta fazendas ilegais e foi baseada numa ação civil pública que pede R$ 725 milhões por danos ambientais

Aldem Bourscheit ·
16 de abril de 2025
Salada Verde
Sua porção fresquinha de informações sobre o meio ambiente

A Justiça Federal decidiu que três fazendeiros não podem mais explorar ou criar gado em quase 6,5 mil hectares de terras públicas federais no Pantanal, no Mato Grosso do Sul. Eles também deverão pagar pela remoção da boiada.

Os ilícitos foram identificados pelo Ibama em 2024 e, depois, foram alvo de uma ação civil pública movida por Ministério Público Federal e Advocacia-Geral da União (AGU), que cobra R$ 725 milhões dos infratores para reparação de danos ambientais.

Um inquérito da Polícia Federal mostrou que, após potentes queimadas realizadas de junho a setembro de 2020, os pecuaristas construíram estradas, currais e outras estruturas, para a boiada e pessoas. Nos anos seguintes, seguiram usando fogo para limpar e renovar pastos.

“Indicada a existência de dano ambiental, é imperiosa a interrupção do ato ilícito para se buscar a regeneração natural paulatina da área degradada, tudo com o intuito de evitar a piora da degradação do bioma”, registra um trecho da liminar.

A decisão igualmente determinou que as terras das fazendas ilícitas devem permanecer sem exploração “para que tenha início o processo de regeneração natural paulatina”, conforme nota divulgada pela AGU.

Os nomes dos réus não foram divulgados pelos órgãos públicos federais. As terras que ocuparam ilegalmente estão em processo de arrecadação pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

  • Aldem Bourscheit

    Jornalista cobrindo há mais de duas décadas temas como Conservação da Natureza, Crimes contra a Vida Selvagem, Ciência, Agron...


Brasil : Sem clima para aprender
Enviado por alexandre em 16/04/2025 01:01:24

Entre as enchentes e ondas de calor, as salas de aulas são uma amostra do efeito estufa e como a crise climática está afetando todas as esferas da vida, até o ensino


  • Casa Fluminense

    Somos um espaço para a construção coletiva de políticas para a promoção de igualdade e o aprofundamento democrático no Rio de...

  • Luize Sampaio

    Formada em jornalismo na PUC-Rio com ênfase em gestão e avaliação de políticas públicas e pós graduanda em jornalismo de dados pelo Insper.

Os desafios do ensino público brasileiro são históricos e estruturais. Ao mesmo tempo que profissionais da educação e alunos lutam por essas mudanças, eles também são atravessados por problemas emergenciais que tem impactado cada vez mais o que acontece dentro das escolas. A crise climática não tem apenas um endereço ou uma faixa etária, o fenômeno das mudanças de temperatura atinge a vida de todos do global ao local, dos derretimento das geleiras até o calor nas salas de aula de escolas como a Tim Lopes, no Complexo do Alemão,  zona norte do Rio de Janeiro.  

As “saunas de aula”, como os estudantes do Travessia – movimento de juventude ecossocialista – tem chamado, podem ser encontradas nos 22 municípios que compõem a Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ), onde vivem cerca de 80% da população de todo o estado. Dados do Painel Climático, plataforma elaborada pela Casa Fluminense, mapearam que mais de 60% das escolas municipais da RMRJ encontram-se em locais de ilha de calor, com temperatura média anual acima de 32°C. São no total 2.914 unidades de ensino municipais e pelo menos 1.820 destas unidades estão enfrentando um cenário de calor extremo. 

Nas cidades de Tanguá, Rio Bonito, Guapimirim, Japeri, Mesquita, Nova Iguaçu mais de 80% das escolas estão localizadas em ilhas de calor, com destaque para Queimados onde 33 das 34 escolas municipais têm temperaturas médias acima de 32°. Nas escolas públicas, há outros desafios históricos que se tornam ainda piores frente à crise climática como, por exemplo, a garantia do acesso ao básico. Aqui não estamos nem falando de salas climatizadas, laboratórios, cadeiras novas ou material escolar. O problema é anterior. De acordo com o nosso Mapa da Desigualdade 2023,  em 20 dos 22 municípios da Região Metropolitana há pelo menos uma escola pública sem acesso a água, energia, esgoto e/ou alimentação. As salas de aula repetem uma desigualdade sentida nas ruas de todo o Rio de Janeiro que constantemente fica mais acentuada frente à aceleração da crise climática. 

Diante desse cenário, a Casa Fluminense se uniu aos representantes de gremios das escolas do Rio, ao Instituto Alana, WWF-Brasil, à Frente Parlamentar por Justiça Climática do Rio de Janeiro e à Rede por Adaptação Antirracista para apresentar uma denúncia ao Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) solicitando providências ao governo do estado. Além da climatização urgente das salas de aula, o grupo também solicita que municípios e estado elaborem de forma participativa, mas também urgente, seus Planos de Adaptação e Mitigação às mudanças  climáticas. Atualmente, nem o governo estadual do Rio nem 20 das 22 prefeituras da metrópole fluminense possuem esse planejamento pronto e publicado. 

Entre as enchentes e ondas de calor, estão nossos alunos, professores e merendeiras e outros profissionais da educação. Enquanto as gestões não centralizarem o clima como pasta principal dos seus governos, vamos continuar fomentando ambientes hostis e insalubres. Precisamos de Secretarias de Clima municipais e estadual, para transversalizar estratégias, orçamento e políticas públicas de adaptação e mitigação para os nossos territórios. A garantia de futuro depende de agirmos agora. 

As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.

Brasil : As águas que sustentam o Brasil
Enviado por alexandre em 16/04/2025 00:59:12

Por que um novo projeto de lei propõe o Sistema Nacional de Rios de Proteção Permanente para garantir segurança hídrica, energética e alimentar


O Brasil tem uma matriz energética predominantemente limpa, com destaque para a energia hidrelétrica, responsável por cerca de 60% da eletricidade consumida no país em 2023. O que poucos percebem é que essa eletricidade não depende apenas de barragens e turbinas: ela depende, antes de tudo, da chuva – e boa parte dessa chuva depende da floresta amazônica.

Estudos recentes conduzidos pelo Climate Policy Initiative (CPI/PUC-Rio), no âmbito do projeto Amazônia 2030, reforçam que a geração de energia elétrica e a produção agrícola no país estão diretamente associadas à integridade da floresta amazônica. Os relatórios “O Desmatamento Corta a Luz: Itaipu, Belo Monte e o Preço da Floresta Perdida” e “(Des)matando as Hidrelétricas: A Ameaça do Desmatamento na Amazônia para a Energia do Brasil” mostram que a derrubada da vegetação amazônica reduz o volume de chuvas, o que compromete o funcionamento de hidrelétricas e a produtividade no campo.

A geração hidrelétrica depende de fluxos estáveis e volumosos de água nos rios. A perda de vegetação compromete o ciclo hidrológico, pois é a floresta que atua como uma “bomba biótica”, puxando a umidade do oceano Atlântico e redistribuindo a água para outras regiões do país por meio dos chamados “rios voadores” — correntes de umidade atmosférica geradas pela evapotranspiração da floresta. O desmatamento fragmenta esse ciclo hidrológico, provocando queda nas precipitações e perda de capacidade de geração elétrica.

O Amazônia 2030 aponta que 17 das 20 maiores hidrelétricas brasileiras estão localizadas em áreas diretamente influenciadas pelas trajetórias dos rios voadores. Isso sugere que o impacto do desmatamento não é pontual, mas sistêmico – afetando o equilíbrio da matriz energética nacional. A substituição da energia hídrica por fontes fósseis, como termelétricas, tende a aumentar os custos de produção e as emissões de carbono, comprometendo tanto a segurança energética quanto os compromissos climáticos do país.

Pesquisadores demonstram que a perda de vegetação prejudica a produção de três usinas hidrelétricas (UHE) situadas na Bacia do Paraná. Mesmo distante do bioma Amazônia, o desmatamento na floresta pode provocar uma perda de cerca de 3% na capacidade de geração de energia e em torno de 10% de perda de lucro anual. A hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, já enfrenta variações significativas em sua produção, com períodos de estiagem diretamente relacionados à perda de cobertura vegetal na bacia do Xingu. Isso se traduz em contas de luz mais altas e risco de apagões.

A UHE Itaipu já sofre perdas atribuídas ao desmatamento na região. O estudo estima que, entre 2002 e 2022, a usina deixou de gerar 29.030 GWh. Essa perda equivale a uma média de 1.382 GWh por ano, ou R$ 500 milhões anuais em receita, o que corresponde a cerca de 6% do lucro líquido médio da hidrelétrica.

Na UHE Belo Monte o impacto também é expressivo. O desmatamento nas áreas de influência da usina entre 2002 e 2022 provocou uma perda acumulada de 50.259 GWh, com média anual de 2.393 GWh – o equivalente ao consumo de 956 mil brasileiros em 2023. A perda de receita associada é estimada em R$ 13,4 bilhões no total, ou R$ 638 milhões por ano. Isso representa aproximadamente 21% do EBITDA da empresa operadora da usina.

Esse cenário não afeta apenas o setor energético. A agricultura nacional, especialmente em áreas de alta produtividade como o MATOPIBA (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), também sofre com a escassez de chuvas. A redução na produtividade agrícola aumenta a vulnerabilidade do país a choques inflacionários causados pela alta no preço dos alimentos, afetando de maneira mais severa as famílias de baixa renda.

A integridade dos rios da Amazônia e da floresta que os protege não é apenas uma questão ambiental: é um pilar de segurança nacional. A produção de alimentos e de energia está interligada ao bom funcionamento dos sistemas naturais que mantêm o Brasil abastecido de água. Destruir a floresta é cortar a fonte da eletricidade e da comida, com impactos que vão da economia doméstica à balança comercial do país.

Manter a Amazônia em pé significa proteger os fluxos de água que garantem produtividade agrícola, estabilidade energética e preços acessíveis para a população. Trata-se de uma equação simples: sem floresta, sem água. Sem água, sem energia nem alimentos.

Por isso tudo, combater o desmatamento (legal e ilegal) é do interesse nacional. A floresta preservada e as áreas de regeneração florestal garantem a saúde dos rios. Investir em ciência, tecnologia e vigilância ambiental não é apenas proteger a natureza – é garantir a sobrevivência do modelo econômico brasileiro que depende da abundância hídrica que a Amazônia proporciona.

Diante desse cenário crítico, o Projeto de Lei nº 2842/2024 surge como uma resposta legislativa essencial. A proposta institui a Política Nacional de Proteção de Rios e estabelece o Sistema Nacional de Rios de Proteção Permanente (SNRPP), preenchendo uma lacuna na legislação ambiental brasileira. Ao reconhecer os rios como bens públicos essenciais à vida e estabelecer critérios claros para sua preservação e conservação, o projeto propõe um modelo de gestão que une proteção ambiental, segurança hídrica, resiliência climática e justiça social. A iniciativa prevê planos de manejo, participação ativa de comunidades locais e instrumentos eficazes para preservar ecossistemas fluviais vitais para a estabilidade do país.

Por isso, é importante defender a construção de um “Pacto Pelos Rios” – um compromisso coletivo entre sociedade civil, parlamento e Estado para garantir a aprovação e implementação do PL 2842/24. A proteção dos rios não é apenas uma questão ambiental, mas uma estratégia fundamental para garantir energia, alimentos, água potável e qualidade de vida para as futuras gerações. Com esse projeto, o Brasil tem a oportunidade de alinhar desenvolvimento e sustentabilidade, assumindo seu papel de liderança na proteção dos recursos hídricos e no combate à crise climática global.

As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.

Brasil : Áreas protegidas ao longo da BR-319 na mira da grilagem, desmate e fogo
Enviado por alexandre em 16/04/2025 00:55:19

Concluir essa e outras rodovias na Amazônia pode induzir uma destruição capaz de alterar irreversivelmente o clima mundial


Elas deveriam ser um escudo protetor da floresta junto a uma rodovia federal, mas unidades de conservação e terras indígenas sofrem grilagem, desmate e fogo. Se não forem contidos, os crimes podem comprometer a conservação socioambiental da Amazônia e o equilíbrio climático mundial.

Quatro em cada dez parques e outros tipos de unidades de conservação criadas por diferentes governos na região ao longo da BR-319, entre as capitais Porto Velho (RO) e Manaus (AM), perderam no ano passado uma área de florestas similar a quase 1,35 mil campos de futebol, ou 962 ha. 

A mais desmatada foi a Reserva Extrativista Jaci-Paraná, em Rondônia, onde foram destruídos 880 ha, ou mais de 90% do total. Ela está distribuída entre os municípios de Porto Velho, Nova Mamoré e Buritis. 

Recuando ainda mais no tempo, a situação não é menos grave. 

As reservas mais afetadas nos últimos 15 anos incluem o Parque Nacional Mapinguari, as florestas Estadual Tapauá e Federal do Bom Futuro, a Área de Proteção Ambiental Tarumã-Ponta Negra e a Terra Indígena Karipuna, sitiada por estradas e desflorestamento.

Essas áreas protegidas também estão entre as que mais registraram focos de calor no decorrer dos anos, além do Parque Nacional dos Campos Amazônicos e da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé. Esses pontos quentes podem ser florestas e pastos queimando ou até solo exposto.

O cenário acima é parte do revelado pelo Observatório BR-319 num relatório atualizado sobre as 42 unidades de conservação e 69 terras indígenas ao longo da rodovia (veja um mapa aqui). A análise pesou de 2010 ao ano passado. O Observatório é uma rede de organizações civis.

Mas, quais são as causas das ameaças à floresta e às populações que mais dela dependem? Heitor Pinheiro, do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam) e responsável por geoprocessar o monitoramento satelital do OBR-319, afirma que elas mudam a cada região.

Segundo o analista, ao sul da rodovia predomina o desmate ilegal para formação de pastos, enquanto nas demais áreas há mais exploração ilícita de madeira e aumento de focos de calor pelo uso do fogo, usado na “limpeza de grandes áreas a baixo custo”.

Mapeamentos de desmatamento (topo) e de focos de calor (abaixo) na área influenciada pela BR-319. Fonte: Retrospectiva 2024: Desmatamento e focos de calor na área de influência da rodovia BR-319 / OBR-319

A análise também revelou um sobe e desce dessas pressões nas diferentes administrações federais. A tendência de queda verificada de 2010 a 2014 foi seguida por grande aumento na destruição florestal nos mandatos de Michel Temer e sobretudo de Jair Bolsonaro.

“Invasores falavam abertamente que nossas terras seriam liberadas porque tinham apoio do governo”, lembrou Eric Karipuna, liderança na Terra Indígena Karipuna. “Perdemos muita área para eles formarem pastos e cultivos como de abacaxi, café e banana”, reclamou.

Os picos de desmate e de pontos quentes foram registrados especialmente até 2022, ano em que a região cortada pela BR-319 perdeu 169 mil ha, a maior taxa verificada no monitoramento não-governamental. A área é pouco maior que a da capital São Paulo (SP).


“Esse cenário foi impulsionado pela desestruturação institucional promovida pelo governo da época, ilustrado pela fala sobre “passar a boiada” e eventos como o “Dia do Fogo”, que afetou também a região da BR-319”, avaliou o sociólogo Marcelo Rodrigues, secretário-executivo do OBR-319.

Quanto ao atual governo Lula, ele pondera que trouxe algum alento, com órgãos e políticas socioambientais sendo reestruturados e desmatamento caindo, mas que nem tudo são flores naquela região amazônica. “O cenário permanece distante do ideal”, resumiu.

“A rodovia segue registrando altos índices de desmate, com destaque para o aumento dos focos de calor – um forte indicador de degradação florestal. Esse processo torna a área mais suscetível a incêndios e favorece novos ciclos de desmatamento”, analisou Rodrigues.

Fogo e destruição da Amazônia ganham força com desmatamento, temperaturas em alta e secas cada vez mais potentes. Foto: Marizilda Cruppe / Greenpeace

Na prática, cheias, secas e temperaturas em alta fragilizam a saúde da floresta e facilitam o avanço do fogo, que pode ser ilegal ou autorizado por governos. Muitos incêndios procuram consolidar a ocupação criminosa de terras ou resultam do descontrole de queimadas agropecuárias.

Mas, o cenário destruidor tem combustíveis políticos. Um salto de 85% no desmate regional ocorreu de setembro a dezembro passados, logo após uma visita e discurso de Lula prometendo completar o asfaltamento da BR-319 ainda neste mandato, que acaba no fim de 2026, conforme reportagem de Cley Medeiros no jornal A Crítica.

“A cada sinalização de apoio governamental à rodovia, terras e negócios são valorizados, estimulando mais desmatamento”, descreveu Philip Fearnside, pesquisador titular no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). 

“E o discurso não poderia ter ocorrido numa época pior, quando o Brasil estava coberto de fumaça e os rios da Amazônia e suas populações enfrentavam uma seca histórica”, lembrou o também doutor em Ciências Biológicas na Universidade de Michigan (Estados Unidos).

Além disso, fiscalizações e outras ações pontuais não estariam livrando a região da criminalidade. “Ano passado teve uma desintrusão, mas foi como ‘chover no molhado’. Eles voltaram a agir logo depois de passada a operação”, denunciou Erica Karipuna.

A “desintrusão”, a retirada de invasores e estruturas ilícitas na Terra Indígena Karipuna, foi comemorada pelo Governo Lula em julho passado. O anúncio da época listou mais de 20 edificações ilegais destruídas e 54 m3 de madeira apreendidos.

Mancha de desmatamento na Terra Indígena Karipuna. Foto: Lideranças Karipuna/Divulgação/Agência Brasil

Ameaças revividas

Assim como a hidrelétrica de Belo Monte, projetos como o da BR-319 foram paridos na Ditadura Militar. Ela foi aberta entre 1968 e 1973, rompendo a floresta por quase 900 km, então todos transitáveis. Contudo, já em 1988 estava abandonada e sendo retomada pela floresta.

Governos em série tentaram reabri-la, mas isso sempre bateu de frente com a resistência do setor socioambiental brasileiro e internacional, temendo que ela replicasse a devastação e as invasões que marcaram outras estradas amazônicas. 

Apesar das lições passadas, desde 2015, no governo Dilma Rousseff, trechos da BR-319 recebem “manutenção” com asfalto. Isso a tornou transitável novamente, ao menos na seca. Nas chuvas, boa parte dela se torna uma armadilha de lama para quem se atreve a cruzá-la.

A licença prévia para asfaltar 400 km e reconectar toda a rodovia, emitida no governo Bolsonaro, é alvo de uma Ação Civil Pública. As obras só podem começar com a próxima licença, a de instalação. Enquanto isso, foram autorizadas reformas de trechos menores e de pontes, como sobre os rios Curuçá e Autaz-Mirim, disse o OBR-319.

Aí que mora muito perigo, dizem as fontes ouvidas pela reportagem. A reconstrução completa da estrada ligará a conservada porção central da Amazônia a um dos epicentros nacionais de desmatamento, a região da Amacro, entre os estados do Amazonas, Acre e Rondônia.

“Muito disso é encorajado pelos governos, que por inação ou com políticas subsidiam a transformação da floresta em pastagens, soja e outras culturas”, avaliou Philip Fearnside (Inpa).

O cenário é mais preocupante pois o acesso da grilagem e desmate desde o “Arco do Desmatamento” pode ser também azeitado por outros projetos rodoviários, como a da federal BR-421 e da estadual AM-366, essa cortando o Parque Nacional Nascentes do Jari.

Não bastando, há igualmente grandes projetos para extrair gás e petróleo na mesma região influenciada pela BR-319.

Com tudo isso em campo, aproximadamente metade do que resta da floresta amazônica brasileira seria prejudicada, gerando duros baques na conservação socioambiental, encolhendo as chuvas que caem no restante do país e desequilibrando de vez o clima planetário. 

“A vasta área aberta por estradas contém Carbono suficiente para empurrar o aquecimento global para além de um ponto de não retorno [irreversível]”, ressaltou Fearnside, doutor em Ciências Biológicas na Universidade de Michigan (Estados Unidos).

O alerta é reforçado por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Elas apontam que, até 2050, a restauração da BR-319 levará ao desmate de 170 mil km2 e à emissão de 8 bilhões de toneladas de CO2 – taxas quatro vezes acima da média histórica regional. Os números são do especial “A Estrada da Discórdia na Amazônia”. 

Vegetação e solo amazônicos estocam grande volume de gás carbônico, que, quando liberado por queimadas, desmate e degradação florestais, aumenta o efeito-estufa e a temperatura média globais. Essas são a maior contribuição brasileira à crise climática, aponta o Observatório do Clima.

Desde o topo, caminhões aguardam para cruzar, de balsa, um rio que corta a BR-319; a rodovia enlameada nas chuvas; e um caminhão percorre um sinuoso trecho da estrada. Fotos: Nilmar Lage / Greenpeace

Caminho tortuoso

Para Marcelo Rodrigues, secretário-executivo do OBR-319, conter desmate e degradação florestais na região depende de medidas como estruturar uma fiscalização ágil e estimular economias que mantenham a floresta em pé, envolvam e beneficiem as comunidades locais. 

“O primeiro passo para alcançar resultados mais sustentáveis é assegurar uma governança efetiva no território antes mesmo da realização de obras de infraestrutura – algo que deveria ser natural”, acrescentou.

Já Philip Fearnside (Inpa) prevê mais destruição se a BR-319 for toda recuperada e não poupou críticas aos governos, que permitiriam a corrosão social e ambiental ao longo da rodovia. Para ele, as promessas de controle do desmate só servem para acelerar seu asfaltamento. 

“Quando se abre uma área, são milhares de atores independentes tomando decisões. Não é o governo que manda”, analisou o cientista, que pesquisa e reside na Amazônia desde 1978. 

Para ele, insistir em obras como essa mostra que o Brasil está no “caminho errado” e que não tem como conduzir o mundo para enfrentar a crise climática, como pretenderia se posicionar na COP30, em novembro, no Pará. “Tem que liderar pelo exemplo e fazer aqui primeiro”, disse.  

Consultado sobre a situação legal e técnica do licenciamento ambiental do trecho central da BR-319, o Ibama não se pronunciou até o fechamento desta reportagem.

  • Aldem Bourscheit

    Jornalista cobrindo há mais de duas décadas temas como Conservação da Natureza, Crimes contra a Vida Selvagem, Ciência, Agron...


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