Brasil : OURO ILEGAL
Enviado por alexandre em 24/02/2022 08:54:35

Itália é destino do ouro retirado da Terra Indígena Kayapó

Por Lucas Ferraz, da Itália, e Guilherme Henrique, de São Paulo

ouro extraído ilegalmente nos garimpos da Terra Indígena Kayapó, no sul do Pará, alimentou a produção de um dos maiores líderes de metais preciosos da Europa. Trata-se de um grupo italiano especializado em refinar o minério para a confecção de joias, como alianças de casamento, e para a formação de barras de ouro que são guardadas em cofres de bancos suíços, ingleses ou americanos.

A compradora estrangeira deste metal de áreas proibidas da Amazônia – “legalizado” por meio de fraude antes de ir para o exterior – é a Chimet SPA Recuperadora e Beneficiadora de Metais, sigla em italiano para Química Metalúrgica Toscana, uma gigante do setor que ocupa a posição número 44 entre as empresas que mais faturam na Itália. Em 2020, ela teve a maior receita  da sua história: mais de 3 bilhões de euros (cerca de 18 bilhões de reais), um aumento de 76% em relação ao ano anterior.

Imagem de garimpo na TI Kayapó
PF desnuda organização criminosa que explora ouro ilegal na TI Kayapó (Pará), uma das mais prejudicadas pelo garimpo
(Foto: Felipe Werneck/Ibama)

Para chegar ao nome da refinadora italiana, a Polícia Federal investigou uma complexa organização criminosa do garimpo ilegal, formada por dezenas personagens que atuam no sul do Pará e que mantêm conexões com empresas sediadas em São Paulo, Goiás e Rio de Janeiro – que, por sua vez, “lavam” (legalizam por meio de fraude) e exportam o metal. 

O esquema foi desnudado em outubro do ano passado com a Operação Terra Desolata, quando foram expedidos 12 mandados de prisão e 62 de busca e apreensão, além do bloqueio de 469 milhões de reais das contas dos investigados. Hoje, três meses depois da operação, todos os detidos foram soltos por meio de habeas corpus.

A Chimet nasceu nos anos 1970 de um braço da Unoaerre, outra líder do setor na Itália e empresa quase centenária, que se apresenta como a responsável por produzir 70% das alianças de casamento vendidas no país. As duas são controladas atualmente pela mesma família, a Squarcialupi, e estão sediadas em Arezzo, cidade que tem tradição milenar na produção de joias. 

Descrita no seu próprio site como uma empresa “amiga do meio ambiente” e detentora de certificados de sustentabilidade “por sua atuação responsável”, a Chimet afirmou à Repórter Brasil que sempre compra o metal acompanhado de documentos que atestem sua origem legal. 

“As compras em questão sempre estiveram acompanhadas de documentação que atesta a proveniência lícita do metal, como demonstrado também das faturas e das autorizações para a exportação do fornecedor, além dos documentos da aduana, sejam brasileiros ou italianos”, disse em nota. Entretanto, a empresa reconheceu “o risco de que efeitos negativos possam ser associados ao comércio e exportação de minerais de áreas de alto risco”. Leia aqui a resposta na íntegra.

O Brasil, nesse caso, é “a área de alto risco” devido à facilidade de se fraudar a origem do ouro, bem como à fragilidade da fiscalização por parte da Associação Nacional de Mineração (ANM) e demais órgãos. As notas fiscais que declaram a origem do minério são em papel, preenchidas pelo vendedor, que facilmente pode mentir sobre o local de onde foi extraído o metal. 

“Infelizmente, o ouro ilegal é uma realidade no mercado europeu. As empresas têm essa dupla face, compram ouro de procedência ilegal para atingirem certos padrões internacionais de quantidade de produção”, afirma Nunzio Ragno, presidente da Antico., sigla da associação italiana para a proteção do setor do ouro.  

O inquérito da PF aponta ainda que a Chimet adquire o produto da brasileira CHM, em uma relação de parceria “estabelecida há décadas” por intermédio do italiano Mauro Dogi e seu filho Giacomo, que moram no Brasil. Ambos são os sócios da CHM e figuram como investigados pelo comércio ilegal de minério. 

Eles são descritos pelos investigadores como “os principais destinatários do ouro ilegal oriundo das terras indígenas da região”. Mauro Dogi já foi funcionário da Chimet na sua fábrica em Arezzo. “Observa-se que o próprio nome da empresa CHM é a simplificação de Chimet”, diz o inquérito da PF, revelado pelo jornal O Estado de S. Paulo e obtido pela Repórter Brasil.

Imagem de um setor da empresa Chimet, que compra ouro ilegal da Amazônia
Apontada pela PF como destino de parte do ouro ilegal da TI Kayapó, a empresa Chimet tem o 44º maior faturamento da Itália
(Foto: Reprodução/Chimet)

Entre setembro de 2015 e setembro de 2020, a Chimet pagou à CHM do Brasil o equivalente a 317 milhões de euros (2,1 bilhões de reais) na aquisição de cerca de uma tonelada do metal. A empresa europeia alega que esse volume é irrelevante em relação ao total  – 70 toneladas – trabalhado anualmente nas fábricas do grupo.  

A CHM, por sua vez, comprou o metal da Cooperouri (Cooperativa de Garimpeiros e Mineradores de Ourilândia e Região) que, segundo a PF, extrai o ouro do território indígena. Como prova, os policiais informam que a empresa fundada por Dogi fez 25 depósitos à cooperativa, no total de 11,7 milhões de reais, no período de um ano (entre 2019 e 2020).

Além de extrair o minério de área ilegal, segundo a PF, a Cooperouri também adquire o metal de garimpeiros e atravessadores clandestinos que atuam na mesma região – foram transferidos 246 milhões de reais a estes fornecedores entre setembro de 2015 e setembro de 2020.

Exportação em voos privados

A CHM também atua como exportadora do ouro ilegal. O inquérito aponta que a exportação acontece “em voos privados, sem o devido conhecimento das autoridades competentes, sem passar pelo Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex)”. 

Questionada, a Receita Federal disse à Repórter Brasil que “se a exportação é clandestina não há que se falar em registro no Siscomex, pois sua característica é evadir-se dos controles do Estado”, e que a Receita e a PF “trabalham em conjunto em ações de combate ao contrabando e ao comércio ilegal de ouro”. 

A Chimet, por meio do advogado Roberto Alboni, afirmou que Mauro Dogi trabalhou como operário na sede italiana durante cinco anos, entre 1990 e 1995, dando a entender que não se trata de pessoa que mantenha relação com os altos escalões da empresa. A companhia ainda contestou a informação citada na investigação brasileira: disse que sua relação com a CHM do Brasil durou “de quatro a cinco anos”, sendo interrompida em outubro passado após a notícia da operação realizada pela Polícia Federal (e não décadas, como afirma o inquérito).  

Imagem do processamento do ouro
Em tempos de crise, o ouro valorizou cerca de 70% desde o início da pandemia
(Foto: Reprodução/Chimet)

Em nota, a CHM negou que tenha adquirido ouro de terras indígenas e disse que suas aquisições foram feitas “de cooperativas aptas a minerar em suas respectivas áreas, as quais sempre apresentaram a documentação legalmente exigida e necessária para exercer suas atividades.” A empresa confirmou que o minério adquirido tem como destino grupos estrangeiros e afirmou que “todo o ouro comprado no mercado interno passa pelo crivo da Receita Federal e da Polícia Federal quando do processo de exportação”. As atividades da empresa, segundo seus advogados, estão temporariamente suspensas. Leia aqui a resposta na íntegra.

Repórter Brasil tentou contato com a diretoria da Cooperouri, mas o advogado responsável pela defesa da cooperativa e de um dos seus diretores, Douglas Alves de Morais, não respondeu às perguntas enviadas pela reportagem até a publicação deste texto.

O patrão de Badia al Pino

O fundador da Chimet, Sergio Squarcialupi, que já foi presidente da Unoaerre, é descrito na imprensa da Toscana como “il patron di Badia al Pino” [o patrão de Badia al Pino], em referência a um distrito de Arezzo onde está uma das instalações da empresa. Sua filha, Maria Cristina Squarcialupi, é a atual presidente do conselho de administração da fabricante de joias Unoaerre. 

A família Squarcialupi, em especial o patriarca Sergio, foi investigada pela Procuradoria de Arezzo a partir de  2008, em um caso que envolveu agentes públicos acusados de favorecer a companhia com licenças ambientais forjadas. 

O fundador da Chimet foi condenado por diversos crimes, como dano ambiental, organização para tráfico ilícito de rejeitos e falsidade ideológica, mas as decisões foram revertidas na Suprema Corte de Cassação (equivalente ao Supremo Tribunal Federal) em 2017. 

Quem enfrentou o grupo, inclusive judicialmente, alega se tratar de um conglomerado demasiadamente forte e poderoso. Para quem defende a família, como o advogado Roberto Alboni, o que houve foi uma perseguição judicial marcada por erros. “Foi um processo doloroso, Sergio Squarcialupi até perdeu a saúde por causa disso, mas a empresa teve a oportunidade de mostrar que não houve nada de errado”, ressaltou.  

Fachada da produtora de joias Unoaerre, que compra ouro da Chimet e diz fabricar 70% das alianças de casamento da Itália
(Foto: Reprodução/ Google Maps)

Procurada, a Unoaerre disse nunca ter comprado ouro diretamente do Brasil. No entanto, em seu balanço de sustentabilidade de 2020, ela informa que realiza a maioria de suas aquisições, bem como o refinamento do ouro, com a parceira Chimet, descrita no mesmo documento como uma companhia que atende os critérios de atestar que o ouro tem uma “origem legítima” e “livre de conflitos”. 

Como se tratam de empresas irmãs, é provável que o ouro extraído ilegalmente da terra indígena dos Kayapós tenha terminado nos dedos dos noivos italianos. 

Procurada pela Repórter Brasil, a Guardia di Finanza, uma das forças policiais que se ocupa de questões financeiras e econômicas na Itália, disse que atividades como a descrita pela Polícia Federal brasileira no inquérito – ouro ilegal brasileiro que é “lavado” e vai parar numa empresa italiana – poderia ensejar alguma investigação das autoridades italianas. Mas, por ora, ressaltou a assessoria de imprensa, não há nenhuma análise a respeito. 

Uma das dificuldades para esse tipo de investigação é o fato de o ouro brasileiro ser “lavado”, ou seja, “legalizado” no Brasil antes da exportação. Como há um documento que atesta tratar-se de metal supostamente legal e lícito, o problema passa a ser das autoridades brasileiras, escapando da atribuição das autoridades italianas. 

Tanto a Chimet como a Unoaerre têm certificados de boas práticas de organizações como a Responsible Jewellery Council, com sede em Londres, que elaborou uma linha guia para o setor de modo a observar a legalidade do ouro e a preservação dos direitos humanos, inclusive durante a sua extração. Elas ainda estão sujeitas a um regulamento aprovado pelo Parlamento Europeu em 2017 que impõe a obrigatoriedade do controle das fontes dos metais preciosos originários de fora da União Europeia e comprados por alguma empresa sediada na Europa.


Brasil exporta ouro extraído de garimpo ilegal?

Por Guilherme Henrique e Ana Magalhães, da Repórter Brasil*

São Paulo (SP) – Uma busca simples na internet aponta rapidamente quais são as maiores exportadoras de soja, café, gado ou minério de ferro. Mas quando o assunto é ouro, há um estranho silêncio: presidentes de institutos do setor dizem desconhecer os exportadores; Receita Federal e Banco Central alegam sigilo fiscal. 

O mistério que ronda a exportação do metal é rompido por uma investigação exclusiva da Repórter Brasil, que lança luz sobre qual é a maior exportadora de ouro de garimpo do Brasil. E revela que parte do metal exportado pela empresa pode ter origem ilegal, muitas vezes extraído de forma clandestina de terras indígenas e florestas protegidas na Amazônia, com danos sociais e ambientais irreversíveis.

Trata-se da BP Trading, uma empresa que registrou vertiginoso crescimento nos últimos dois anos, com faturamento de R$ 1,4 bi em 2019, e cujos fundadores foram investigados pela Lava Jato. Eles são acusados pelo Ministério Público Federal (MPF) de lavagem de recursos quando atuavam no Banco Paulista, instituição que tem ligações estreitas com a trading para além das mesmas iniciais.

Procurada, a BP Trading afirmou que “mantém rigorosos controles quanto à origem do mineral adquirido de seus fornecedores”.

Análise dos balanços financeiros da BP revela que a trading tem entre suas principais clientes duas DTVMs (Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários, empresas do sistema financeiro autorizadas a adquirirem o metal) acusadas pelo Ministério Público Federal (MPF) de comercializarem ouro ilegal extraído do Pará: a FD’Gold e a Carol DTVM.

Essas duas DTVMs, somadas à Ourominas, são as principais compradoras de ouro ilegal, respondendo pela aquisição de mais de 70% de todo o metal  ilegal ou potencialmente ilegal, segundo recente levantamento da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em colaboração com MPF. De todo o metal adquirido por essas empresas em 2019 e 2020 no Pará, pelo menos 60% não têm origem comprovada, diz o estudo

Devido a essas conclusões, o MPF entrou com ação civil pública, em agosto, pedindo a suspensão das atividades dessas DTVMs, bem como pagamento de R$ 10,6 bilhões por danos socioambientais. 

Além da FD’Gold e da Carol DTVM, uma terceira fornecedora da trading é a Coluna DTVM, que esteve na mira da Polícia Federal por adquirir o metal de garimpos ilegais, conforme mostrou com exclusividade a Repórter Brasil em parceria com a Amazônia Real. Em  investigação publicada em junho – quando revelamos como o ouro que sai da Terra Indígena Yanomami é comprado de forma ilegal por atravessadores e pelas DTVMs, podendo terminar em grandes joalheirias brasileiras, como a HStern. 

Garimpo ilegal na Terra indígena Yanomami (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real)

O ouro ilegal, extraído de garimpos clandestinos ou de áreas protegidas (o que é proibido pela legislação brasileira), é “legalizado” no momento em que as DTVMs compram o produto. O vendedor do ouro preenche uma nota fiscal em papel e autodeclara de onde veio aquele minério – os fraudadores podem dizer que a origem é um garimpo legalizado, mesmo que não o seja. O problema é que a lei 12.844/2013, que regula a compra, venda e o transporte do produto no país, afirma que a venda do metal acontece a partir da boa fé do vendedor – isentando, desta forma, qualquer responsabilidade dos compradores.

Embora lidere o setor da exportação do ouro que vem do garimpo, a BP não é a maior exportadora do Brasil. Quem hoje comanda o envio ao exterior são as grandes mineradoras, como a Anglogold Ashanti e a Kinross, que atuam em toda a cadeia de produção: da extração à exportação. Já a BP atua somente na exportação, adquirindo o metal das DTVMs, que, por sua vez, compram de garimpos – legalizados ou não. 

A BP respondeu por cerca de 10% em vendas a clientes estrangeiros nos últimos dois anos, conforme apurou a Repórter Brasil, em um mercado que exportou  202,6 toneladas (US$ 8,6 bilhões) em 2019 e 2020. Segundo a trading, seus principais clientes estão no Canadá e na Inglaterra.

Mercado concentrado

Reunião em Brasília no dia 26/06/2019 com o vice-presidente da República, Hamilton Mourão durante audiência com deputado federal, Euclydes Pettersen (PSC/MG); Paulo Pettersen, prefeito de Carangola/MG; Jose Altino Machado; presidente da Fundação Instituto Meio Ambiente e Migração da Amazônia (FINAMA); Dirceu Frederico dos Santos Sobrinho, presidente da Associação Nacional do Ouro (ANORO) (Foto: Romério Cunha/VPR)

Essa cadeia do ouro de garimpos tem relação com a Associação Nacional do Ouro (Anoro), já que essas três DTVMs e a BP Trading fazem parte da diretoria da entidade – e são membros ativos nas assembleias da organização, segundo documentos inéditos obtidos pela Repórter Brasil

A reportagem encontrou pelo menos duas ligações diretas entre a BP e o presidente da Anoro, Dirceu Frederico Sobrinho – que começou sua trajetória no setor como garimpeiro e tem bom trânsito no primeiro escalão do governo de Jair Bolsonaro. Uma empresa de Sobrinho – a FD’Gold – fornece ouro e outra refina o metal para a BP Trading: trata-se da Marsam Refinadora, que tem como sócios Sobrinho e sua filha. A Marsam também faz parte da diretoria da Anoro.

“Importante atentar para o quão concentradas estão as irregularidades. Elas estão na mão de poucos atores”, afirma o pesquisador da UFMG Raoni Rajão, responsável pelo estudo mais recente e relevante sobre a ilegalidade do setor. “Estamos falando de poucos titulares de processos minerários: somente seis donos de garimpos respondem por mais de 60% do ouro sem origem declarada, enquanto somente três DTVMs [Ourominas, FD’Gold e Carol] compram mais de 70% do metal potencialmente ilegal”. 

A Anoro não respondeu aos diversos questionamentos da Repórter Brasil feitos por e-mail e por telefone. 

Cifras bilionárias

Barras de ouro (Foto: Pixabay)

Uma fonte ligada ao setor que pediu anonimato explica como funciona o mercado. A demanda pelo ouro começa de fora, com encomendas feitas por empresas internacionais às tradings. Essas exportadoras, por sua vez, acionam as DTVMs, que compram dos garimpos. “Quem financia a cadeia [no Brasil] é a BP. Ela deposita o dinheiro adiantado nas contas das DTVMs que, por sua vez, têm 3 dias para quitar a operação”.

Uma análise financeira sobre os balanços destas empresas – tanto as DTVMs quanto a BP Trading – mostra o quanto os resultados da exportadora se destacam. E que, enquanto os garimpos ilegais em terras indígenas se proliferam, com recrudescimento da violência nas aldeias e até participação do crime organizado, a trading vem acumulando pulsantes resultados. 

Se em 2019 DTVMs como FD’Gold e Carol apresentaram receita bruta de R$ 15,6 milhões  e R$ 13,5 milhões, respectivamente, a BP Trading declarou, em seu balanço do mesmo ano, uma receita de R$ 1,4 bilhão, mais que o dobro do registrado em 2018 (R$ 659 milhões). A exportadora, fundada em 2015 com sede na avenida Faria Lima, em São Paulo, registrou lucro de R$ 10,7 milhões em 2019 – quantia 73 vezes maior que seu desempenho de dois anos antes. 

No exercício de 2019, a trading recebeu em ouro o equivalente a R$ 57 milhões, sendo R$ 18 milhões adquiridos da FD’Gold, R$ 12 milhões da Coluna DTVM e R$ 870 mil da Carol DTVM. 

Um outro cliente e fornecedor da trading merece atenção: trata-se do Banco Paulista, alvo da operação Lava Jato há dois anos. Em 2019, o banco movimentou junto à BP um valor de R$ 26 milhões em ouro, segundo análise do balanço patrimonial da exportadora. 

Ex-sócios da BP são denunciados por lavagem

Garimpo ilegal na Terra Indígena Munduruku, município de Jacareacanga.
(Foto: Marizilda Cruppe/Amazônia Real/Amazon Watch/17/09/2020)

As estreitas relações da BP Trading com o Banco Paulista não se limitam ao fato de o banco constar como cliente e fornecedor da exportadora em seu balanço de 2019. A BP foi fundada em 2015 por Álvaro Augusto Vidigal (cuja família criou o Banco Paulista e que possui longa trajetória no setor financeiro) e por Tarcísio Rodrigues Joaquim, então diretor de câmbio do banco. Ambos foram acusados pelo MPF em maio deste ano pelos crimes de organização criminosa, lavagem de dinheiro e corrupção ativa por conta de operações suspeitas no departamento de câmbio do Banco Paulista. As denúncias ainda não foram apreciadas pela Justiça. 

No início de 2019, o banco foi alvo da operação Lava Jato. De acordo com denúncias do MPF, o Banco Paulista teria lavado recursos da empreiteira Odebrecht que estavam no exterior, tendo movimentado R$ 48 milhões. Durante uma operação da Polícia Federal, três diretores do Banco Paulista foram presos, incluindo Tarcísio Joaquim, mas soltos um mês depois

O Banco Central também multou o Banco Paulista em quase R$ 10 milhões no ano passado “por deixar de comunicar ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) movimentações anormais/atípicas de recursos”, entre outras infrações. 

Com as investigações, multas e processos, Vidigal e Joaquim deixaram a sociedade da BP Trading em 2019, abrindo espaço para Francisco Ferreira Junior e Ernesto José dos Santos assumirem o comando da exportadora. O atual diretor, Ernesto Santos, também já foi investigado por lavagem de recursos quando era sócio da Zera Promotora, suspeita de também integrar o esquema com o Banco Paulista e a Odebrecht. Apesar das investigações de que ele teria recebido R$ 17 milhões em contratos fictícios, Santos não foi denunciado pela procuradoria paranaense. 

A derrocada do Banco Paulista pós Lava-Jato fez com que diversos funcionários do banco migrassem para a BP Trading, sobretudo com o encerramento da mesa de câmbio do banco, dando corpo às operações da exportadora. O atual presidente da BP Trading, Francisco Ferreira, tinha um cargo na administração do banco. A lista de ex-funcionários do Paulista que hoje atuam na trading inclui ao menos outros seis nomes, entre diretores, coordenadores e gerentes. 

Atualmente, Vidigal, o ex-sócio da BP, mantém negócios em segmentos variados, incluindo corretoras financeiras. Ele e Francisco Ferreira Junior, atual diretor da BP Trading, eram sócios de Dirceu Sobrinho, presidente da Anoro, na refinadora Marsam Metais. A parceria, iniciada no começo de 2020, foi desfeita em maio deste ano. 

Por meio dos seus advogados, Vidigal disse em nota que decidiu afastar-se da diretoria do Banco Paulista por motivos pessoais. Sobre a  denúncia oferecida pelo MPF, Vidigal nega participação nos crimes e disse que confia em sua absolvição.

A Repórter Brasil enviou questionamentos aos advogados de Tarcísio Rodrigues Joaquim, mas não obteve resposta. Ernesto José Santos não foi localizado. 

Em nota, a BP Trading disse que a evolução nos lucros da empresa está atrelada a “fatores mercadológicos”, como oferta, preço e escala de produção. A empresa afirmou também ainda que é “condição inafastável para a realização de suas operações que o minério esteja acompanhado da devida documentação pertinente exigida pela legislação em vigor”. A exportadora disse ainda que o “Banco Paulista é apenas um dos bancos em que a BP Trading possui conta corrente”. 

A FD’ Gold limitou-se a dizer que “desconhece o teor da ação e o objeto do processo [do MPF]”. A Carol DTVM afirmou que a empresa só adquire ouro em garimpos cuja lavra foi autorizada pela Agência Nacional de Mineração. 

A Ourominas disse que possui um “rigoroso sistema de controle interno” para evitar a compra de produto ilegal e que não teve acesso aos autos da ação proposta pelo MPF. Leia aqui as respostas na íntegra.

A reportagem tentou, por meio da Lei de Acesso à Informação, obter a relação completa das maiores exportadoras do metal no país, bem como as principais compradoras estrangeiras, sem sucesso – Receita Federal e Banco Central alegam sigilo. Entidades do setor não sabem, não falam ou não revelam nomes. A Anoro não respondeu aos diversos questionamentos. 

“Nós não temos dados de quem são essas empresas, para onde exportam ou quais são os compradores. Tudo é resguardado por sigilo. No fim, ficamos sem informações sobre a exportação de ouro no país”, lamentou José Augusto, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil, ao comentar sobre a falta de transparência do setor.

Se as DTVMs estão adquirindo o minério de garimpos ilegais, elas estão também contaminando a exportação com o metal fraudado. O problema é que, pela legislação atual que regula o setor, a responsabilidade pela declaração de origem do ouro é do vendedor. Ou seja, o ouro ilegal é “lavado” antes de chegar às DTVMs. Um problema grave de rastreabilidade do produto, cuja solução passa pela criação de um novo mecanismo de declaração de origem, como a nota fiscal eletrônica, conforme defendido por algumas organizações do setor.

“Nós estamos estudando maneiras para combater esse problema, aprimorar a fiscalização, melhorar a legislação e evitar que esse ouro ilegal continue circulando e, por consequência, não seja exportado”, afirma o diretor-presidente do Instituto Brasileiro de Mineração, Flavio Ottoni Penido. Enquanto nada é feito, povos tradicionais que vivem na Amazônia sucumbem à destruição da floresta, à contaminação dos rios pelo mercúrio, e à divisão das aldeias. (Colaborou Maurício Angelo)

Garimpo na Terra Indígena Kayapó no Pará (Foto: FelipeWernec/Arquivo Ibama)

* Reportagem publicada originalmente pela Repórter Brasil

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