Brasil : ZAGALO/TETRA
Enviado por alexandre em 09/08/2021 23:33:08

90 anos: as histórias e conquistas do único tetracampeão do mundo no futebol

Zagallo e Pelé trabalharam juntos em três Copas do Mundo. Em 1958, na Suécia, e em 1962, no Chile, ambos eram jogadores. Em 1970, no México, Zagallo era o técnico e Pelé, o camisa 10 da seleção

Na primeira vez em que pisou no Maracanã, Mário Jorge Lobo Zagallo ainda não calçava chuteiras; usava botinas. Tinha 19 anos e era soldado da Polícia do Exército.

Na final da Copa do Mundo de 1950, teve a infelicidade de assistir à derrota do Brasil para o Uruguai da arquibancada — era um dos responsáveis pela segurança do estádio. De capacete, farda verde-oliva e cassetete na cintura, Zagallo foi um dos 199.854 espectadores que, na tarde de 16 de julho, viu, incrédulo, o ponta-direita Gigghia (1926-2015) desempatar o jogo, aos 34 do segundo tempo, e dar o título mundial à "Celeste Olímpica".

O episódio entrou para a História como "Maracanazo". "O silêncio era tão grande que, se uma mosca voasse por lá, ouviríamos seu zumbido", costumava repetir o autor do segundo gol.

Quem também entrou para a História foi Mário Jorge Lobo Zagallo. Aos 90 anos, o "Velho Lobo" detém o título de ser o único tetracampeão do mundo em futebol. Ganhou duas Copas como jogador: a de 1958, na Suécia, e a de 1962, no Chile. Uma como treinador, de 1970, no México, e outra, de 1994, como coordenador técnico. Ainda treinou o Brasil nas Copas de 1974, na Alemanha Ocidental (quarto lugar); de 1998, na França (vice-campeão), e de 2006, na Alemanha (quinto lugar), como assistente técnico.

Em resumo: das 7 Copas que disputou, chegou à final de 5. "Se tem uma palavra que define a trajetória do Zagallo, é determinação", avalia o jornalista Vanderlei Borges, autor de Zagallo - Um Vencedor (1996), em parceria com Luiz Augusto Erthal. "Há uma dificuldade natural para dimensionar o nível de craque que o Zagallo foi. O fato de jogar ao lado de Pelé e Garrincha ofuscaria o brilho de qualquer outro que não tivesse a estatura dos gênios. Não seria diferente com Zagallo".

Mário Jorge Lobo Zagallo nasceu em Atalaia, a 48 quilômetros de Maceió (AL), no dia 9 de agosto de 1931. Era ainda um bebê - tinha apenas oito meses! - quando sua família se mudou para o Rio de Janeiro. Nas ruas da Tijuca, bairro da Zona Norte, aprendeu o beabá do futebol: dar passes, driblar zagueiros e fazer gols. Habilidoso, ingressou, em 1947, no time infantil do América e, um ano depois, na equipe juvenil. Queria seguir os passos do pai, Aroldo Cardoso Zagallo, que chegou a vestir a camisa do CRB, de Alagoas.

O patriarca, porém, tinha outros planos para o caçula. Queria que o filho estudasse Contabilidade e, depois de formado, trabalhasse no escritório de representação da fábrica de tecidos de um tio alagoano. Aroldo só mudou de ideia depois de conversar com o primogênito, Fernando, que conseguiu convencê-lo a deixar o irmão seguir seu caminho no futebol.

De "Formiguinha" a "Velho Lobo"

Nilton Santos, Dino Sani, Gilmar, Bellini, Garrincha, Moacir, Dida, Joel, Mazzola, Zagallo e Pelé

Crédito, Acervo pessoal

Legenda da foto,

A seleção de 1958 à espera do trem na estação de Poços de Caldas (MG). Da esquerda para a direita: Nilton Santos, Dino Sani, Gilmar, Bellini, Garrincha, Moacir, Dida, Joel, Mazzola, Zagallo e Pelé.

Como juvenil do América, clube que ficava ao lado de sua casa, Zagallo disputou dois campeonatos cariocas: de 1948 e 1949. No segundo, chegou a vice-campeão. Em janeiro de 1950, foi convidado a fazer teste no Flamengo. Foi aprovado. Na mesma época, prestou serviço militar. No clube da Gávea, Zagallo permaneceu por oito anos. Disputou 205 jogos, marcou 29 gols e conquistou o tricampeonato carioca em 1953, 1954 e 1955. Foi nesta época que ganhou o apelido de "Formiguinha". "Zagallo disputou 45 dos 77 jogos do tricampeonato carioca e marcou sete gols. Já nessa época, mais do que atacante, mostrava seus dotes de armador", analisa o jornalista Clóvis Martins, autor de Almanaque do Flamengo (2001), em parceria com Roberto Assaf.

Zagallo jogava no Flamengo quando conheceu Alcina, sua futura mulher. Mas escondeu dela que ganhava a vida como jogador de futebol. Ela só veio a descobrir por causa do cunhado, um rubro-negro de carteirinha. "Antigamente, jogador de futebol era considerada uma atividade de malandro", explica Alcina de Castro Zagallo, em depoimento ao livro Zagallo - Um Vencedor, de Luiz Augusto Erthal e Vanderlei Borges. "Quando a minha família descobriu, proibiram-me de vê-lo e até de falar com ele ao telefone".

Zagallo e Alcina se casaram no dia 13 de janeiro de 1955 e tiveram cinco filhos. O casamento aconteceu na Paróquia de São Judas Tadeu, o santo padroeiro do Flamengo, mas, Alcina era devota de outro santo: Antônio. A festa do "santo casamenteiro", a propósito, é comemorada no dia 13 de junho. Dali por diante, o número 13 passou a fazer parte da vida de Zagallo. "Certa vez, ao comprar um apartamento na Barra da Tijuca, exigiu que fosse no 13º andar", relatam os autores no livro. Alcina morreu em 5 de novembro de 2012, aos 80 anos, vítima de insuficiência respiratória.

Zagallo beijando a camisa da Seleção Brasileira

Crédito, Lucas Figueiredo/CBF

Legenda da foto,

No currículo de Zagallo, constam 35 jogos pelo Brasil como jogador, 103 como técnico e 47 como coordenador. Ao todo, ele venceu 132 partidas, empatou 41 e perdeu 12

"A taça do mundo é nossa!"

Em 1958, Zagallo foi convocado pelo técnico Vicente Feola (1909-1975) para disputar a Copa do Mundo da Suécia. Titular da ponta-esquerda, disputou a posição com outros craques, como Pepe, do Santos, e Canhoteiro, do São Paulo. "Zagallo foi um excelente jogador", afirma o jornalista Roberto Assaf, autor de Seleção Brasileira 90 anos: 1914-2004 (2004), em parceria com Antônio Carlos Napoleão. "Poucos no futebol defenderam e atacaram com a mesma eficiência". Na final contra a Suécia, Zagallo evitou que o time da casa fizesse 2 a 0 ao tirar uma bola em cima da linha de meta. Ainda marcou o quarto gol e deu o passe para Pelé marcar o quinto. Resultado: Brasil 5 a 2.

Ao regressar ao Brasil, Zagallo recebeu convite de, pelo menos, três grandes clubes: Portuguesa, Palmeiras e Botafogo. Optou pelo alvinegro carioca, onde jogou ao lado de grandes craques da seleção, como Garrincha (1933-1983), Didi (1928-2001) e Nilton Santos (1925-2013), e ganhou, entre outros títulos, o bicampeonato carioca de 1961 e 1962.

"Zagallo entendeu que deixar o Flamengo e se transferir para o Botafogo significava alcançar o topo de sua carreira pela oportunidade de estar no meio de 'monstros sagrados'", afirma Júlio Gracco, autor de Bíblia do Botafogo (2016), em parceria com Octávio Azeredo. "Zagallo ajudou o Botafogo a conquistar dois dos maiores títulos de sua história, além de outros tantos títulos internacionais, como o Torneio de Paris, de 1963".

Partida entre Brasil e Tchecoslováquia na Copa do Chile, em 1962

Crédito, Acervo pessoal

Legenda da foto,

Lance do primeiro jogo entre Brasil e Tchecoslováquia na Copa do Chile, em 1962. Durante a partida, Pelé sofreu um estiramento na coxa e foi substituído por Amarildo, o "Possesso". A partida terminou 0 a 0.

Em 1962, Zagallo foi convocado, mais uma vez, para vestir a "amarelinha" da seleção. Dessa vez, o técnico do Brasil era Aymoré Moreira (1912-1998). Na Copa do Chile, muitos dos jogadores, como Djalma Santos (1929-2013), Zito (1932-2015) e Vavá (1934-2002), eram remanescentes da seleção campeã do mundo na Suécia. Logo no segundo jogo, contra a Tchecoslováquia, Pelé sofreu um estiramento do músculo da coxa ao arriscar um chute de fora da área e foi substituído por Amarildo, que marcou três gols em quatro jogos - dois contra a Espanha e um contra a Tchecoslováquia. "Zagallo foi extraordinário dentro e fora de campo. Dentro das quatro linhas, foi um jogador excepcional. Fora delas, é um amigo exemplar", relata Amarildo Tavares da Silveira, o Amarildo, de 82 anos, parceiro de Zagallo tanto na Seleção Brasileira (1962) quanto no Botafogo (1958-1963). "Jogar ao lado de Zagallo, Garrincha e Didi foi uma escola. Poucos clubes no Brasil conseguiram reunir um timaço daqueles".

Zagallo jogava no clube da Estrela Solitária quando, em 1965, decidiu se aposentar como jogador e tentar a sorte como treinador. Tinha 34 anos. Em 16 anos, jamais foi expulso de campo. Só na Seleção Brasileira, disputou 35 jogos - 29 vitórias, 4 empates e 2 derrotas. Como técnico, iniciou sua carreira no juvenil do Botafogo. No decorrer dos anos, treinou Botafogo (1966-1968, 1975, 1978 e 1986-1987), Flamengo (1972-1974, 1984-1985 e 2000-2001) e Vasco da Gama (1980-1981 e 1990-1991). Trabalhou, ainda, no Fluminense (1971-1972) e no Bangu (1988-1989), do Rio; na Portuguesa (1999), de São Paulo, e no Al Hilal (1979) e no Al Nassr (1981), da Arábia Saudita.

Zagallo e Carlos Alberto Torres desfilam em carro do Corpo de Bombeiros, com a Taça Jules Rimet

Crédito, Arquivo Nacional

Legenda da foto,

De volta do México, Zagallo e Carlos Alberto Torres, capitão da seleção tricampeã do mundo, desfilam em carro do Corpo de Bombeiros, com a Taça Jules Rimet.

"Noventa milhões em ação!"

Em março de 1970, a 77 dias do início do Mundial, Zagallo foi convidado pelo então presidente da antiga Confederação Brasileira de Desportos (CBD), João Havelange (1916-2016), para substituir João Saldanha (1917-1990). "Ele escala o ministério e eu, a seleção", respondeu Saldanha ao então presidente da República, o general Emílio Garrastazu Médici (1905-1985), que teria pedido a ele para convocar o jogador Dário, o Dadá Maravilha, do Atlético Mineiro.

Aos 39 anos, Zagallo era o mais jovem treinador a assumir o comando da seleção. "Um dos méritos do Zagallo foi montar um time com cinco 'camisas 10'", afirma Jair Ventura Filho, o Jairzinho, de 76 anos, se referindo a Pelé, do Santos; Gérson, do São Paulo; Rivellino, do Corinthians; Tostão, do Cruzeiro; e ele, do Botafogo. "Além disso, tivemos três meses de concentração. Quando começou a Copa, não deu outra: seis vitórias em seis jogos. Não houve empate nem derrota. Ganhamos invictos".

Entre uma Copa e outra, Zagallo treinou seleções de três países: Kuwait (1976-1978), Arábia Saudita (1981-1984) e Emirados Árabes (1989-1990). Em suas aventuras pelo mundo árabe, convidou o preparador físico Admildo Chirol (1934-1998), que recusou a proposta. Já Carlos Alberto Parreira topou o desafio. Entre outras façanhas, Zagallo conquistou o título da Copa do Golfo para a seleção do Kuwait, em 1977, e classificou as seleções da Arábia Saudita para as Olimpíadas de Los Angeles, em 1984, e dos Emirados Árabes para a Copa do Mundo da Itália, em 1990.

"Zagallo sempre soube extrair o melhor de cada atleta. Em suas preleções, esbanjava confiança e serenidade. Não precisava alterar a voz. Todo mundo o respeitava", recorda Parreira, que trabalhou com Zagallo nas Copas de 1970, 1994 e 2006. "Ele me influenciou muito. Não teria sido treinador se não fosse o Zagallo".

Em 1994, Parreira assumiu o comando da seleção e convidou Zagallo para ser seu coordenador técnico. Outro remanescente da comissão técnica tricampeã do mundo era o médico Lídio Toledo (1933-2011). Enquanto Parreira dirigia os treinos, Zagallo escalava os jogadores e montava o esquema tático. "Sempre tivemos muitas afinidades. Havia respeito e amizade um pelo outro", afirma Parreira. "O Zagallo era do tipo que ensaiava três ou quatro jogadas, mas estimulava a criatividade dos jogadores. Dava muita liberdade".

Vinte e quatro anos depois da conquista definitiva da Taça Jules Rimet, Zagallo voltou a ser campeão do mundo. Dunga, o capitão nos EUA, repetiu o gesto de Bellini (1930-2014) na Suécia, Mauro (1930-2002) no Chile e Carlos Alberto Torres (1944-2016) no México. "Em 1994, Zagallo contagiou uma seleção sem brilho e desacreditada e a transformou em uma equipe aguerrida e confiante", afirma Vanderlei Borges.

Em 2006, Parreira e Zagalo repetiram a tabelinha na Copa da França, mas não tiveram a mesma sorte. Nas quartas de final, o Brasil perdeu para a França por 1 a 0.

Zagallo e Parreira conversam

Crédito, Acervo pessoal

Legenda da foto,

Zagallo e Parreira trabalharam juntos nas Copas de 1970, 1994 e 2006. No México, Zagallo foi campeão do mundo como técnico e, nos EUA, como coordenador técnico. Na Alemanha, terminou em quinto lugar.

"Vocês vão ter que me engolir!"

Em 1997, Zagallo comandou a seleção na conquista da Copa América. O Brasil venceu os seis jogos: marcou 22 gols e sofreu apenas três. Depois da final de 3 a 1 contra a Bolívia, o treinador foi abordado por dois repórteres e, olhando para a câmera de TV, desabafou, emocionado: "Vocês vão ter que me engolir!". O desabafo tinha endereço certo: alguns jornalistas esportivos teriam feito pressão para a CBF contratar Vanderlei Luxemburgo no lugar de Zagallo.

Um ano depois, na Copa da França, outra imagem marcante: na semifinal contra a Holanda, pouco antes da disputa dos pênaltis, Zagallo procurou motivar seus jogadores, especialmente o goleiro Taffarel, aos gritos de "Vocês vão ganhar!". E ganharam mesmo. Taffarel defendeu duas cobranças. Mas, na final, perdeu por 3 a 0 para a França. "Embora tenha chegado à final, a seleção de 1998 nunca convenceu. Jogou um futebol pobre", afirma o jornalista e locutor esportivo Milton Leite, autor de As Melhores Seleções Brasileiras de Todos os Tempos (2010). "Contra a Turquia, foi ajudado pela arbitragem. E, no episódio envolvendo o Ronaldo, a comissão técnica fez uma lambança. O jogador poderia ter morrido em campo depois de ter tido uma convulsão na manhã do dia da final."

Zagallo encerrou sua carreira de treinador em 2001. Aos 79 anos, conquistou o tricampeonato carioca pelo Flamengo. "Zagallo atuou como técnico do Flamengo de janeiro de 1972 a novembro de 2001. No clube, alternou bons e maus momentos. Mas, sempre teve prestígio com os dirigentes e o respeito dos jogadores", avalia Clóvis Martins, de Almanaque do Flamengo (2001).

Na decisão contra o Vasco, o jogador Petkovic marcou um gol de falta, aos 43 do segundo tempo, no ângulo do goleiro Helton. À beira do campo, Zagallo segurava uma imagem de Santo Antônio, seu santo de devoção. Nas arquibancadas, a torcida rubro-negra provocava a cruzmaltina: "Ih, ih, ih... Vai ter que me engolir!". "Para aquele time, o Zagallo foi mais que um treinador, foi um pai. Soube transmitir serenidade e confiança para o grupo", recorda o jogador sérvio Dejan Petkovic, de 48 anos. "Se não fosse ele, eu não teria disputado aquele jogo e feito aquele gol, um dos mais importantes da minha carreira. Minha relação com a diretoria não era boa. Mas, o Zagallo teve a coragem de bancar minha escalação".

Como técnico do Brasil, Zagallo dirigiu a seleção principal em 135 jogos (99 vitórias, 26 empates e 10 derrotas) e a seleção olímpica em 19 (14 vitórias, três empates e duas derrotas). Como coordenador técnico, foram mais 72 jogos (39 vitórias, 25 empates e oito derrotas). "No caso do Zagallo, é impossível falar de fracasso. Chegar às semifinais das Copas de 1974 e 2006, por exemplo, não pode ser classificado como uma derrota. Frustração talvez seja o máximo que se possa dizer", pondera o jornalista Luiz Augusto Erthal, de Zagallo - Um Vencedor (1996). "Zagallo se tornou uma unanimidade no futebol brasileiro. Uma unanimidade só comparável ao Pelé."

Página de impressão amigável Enviar esta história par aum amigo Criar um arquvo PDF do artigo
Publicidade Notícia