Política : PICARETAGEM
Enviado por alexandre em 19/07/2021 08:56:41

Brasil é o pais que mais gasta com partidos políticos
A aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) pelo Congresso, na quinta-feira passada, jogou luz sobre o modo como é feita a distribuição de dinheiro público aos partidos no país. Apesar da repercussão negativa, o volume dos recursos que os parlamentares destinam às próprias siglas é, há tempos, sem precedentes quando comparado com a realidade de outras democracias.

Um estudo do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), que reuniu dados de 35 nações entre 2012 e 2020, aponta que o Brasil é o país que mais envia dinheiro público para partidos e campanhas políticas. Juntas, as siglas brasileiras recebem, em média, 446 milhões de dólares por ano (R$ 2,2 bilhões) dos fundos eleitoral e partidário.

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No ano que vem, quando serão realizadas as eleições estadual e federal, o montante poderá ser de R$ 5,7 bilhões, graças à aprovação da LDO pelo Congresso, que promoveu um drástico aumento da verba. A cifra, sem descontar a inflação, representa um aumento de 185% em relação ao valor que os partidos obtiveram em 2020 para as disputas municipais, o equivalente a R$ 2 bilhões.

No ranking dos países que mais gastam com o sistema partidário, o México vem em segundo lugar, com 307 milhões de dólares (R$ 1,5 bilhão) – aproximadamente quatro vezes menos do que o Brasil gastará no ano que vem somente com o fundo eleitoral.

– Estamos usando recursos públicos em demasia em comparação com o resto do mundo para o dia a dia da política, em vez de estar investindo diretamente em bens públicos. A quantidade de recurso é finita. Quando você usa muito para determinado fim, acaba faltando para outras coisas – disse o autor da pesquisa, Luciano Irineu de Castro, do Impa.

Até o mês passado, os partidos com representação no Congresso receberam R$ 489 milhões do Fundo Partidário. Donos das maiores fatias do bolo, o PSL e o PT, as duas siglas com maior representação na Câmara dos Deputados, ganharam, respectivamente, R$ 57 milhões e R$ 48,7 milhões no primeiro semestre de 2021. Em 2022, as legendas devem ter R$ 600 milhões cada.

O diretor executivo da Transparência Partidária, Marcelo Issa, observou que, além de reservar valores bilionários para financiar os partidos, o Brasil dispõe de poucos mecanismos para checar a forma como o dinheiro público é gasto. Para ele, a Lei de Acesso à Informação deve ser aplicada às siglas.

– Antes de discutir o volume dos recursos, é preciso discutir o nível de transparência e o que se faz com os recursos. Até uma discussão sobre a adequação desse montante fica comprometida na medida em que é difícil conhecer com precisão o destino dos recursos – declarou.

Issa apontou a cláusula de barreira como um horizonte para a redução dos gastos com os partidos. Aprovada na minirreforma eleitoral de 2017, esse dispositivo impõe novas regras de acesso dos partidos aos recursos do Fundo Partidário e limita o tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na TV, de acordo com o nível de representação das siglas na Câmara.

*AE

Golpe legislativo

Por Merval Pereira, de O Globo

O escandaloso aumento do fundo eleitoral aprovado pelo Congresso a toque de caixa é apenas uma das facetas de um golpe legislativo que está em curso para mudar também o sistema eleitoral e aprovar a maior reforma política já feita desde a redemocratização. Tudo sem o debate público necessário, a fim de que as novas regras sejam aprovadas até o começo de outubro, para que entrem em vigor já na eleição geral de 2022.

O valor triplicado do Fundo Eleitoral, passando de R$ 2 bilhões para R$ 5,7 bilhões, deve ser judicializado no Supremo Tribunal Federal, pois dificilmente o presidente Bolsonaro terá condições de vetar o aumento, embora tenha interesses pessoais  nisso: PT e o PSL, partidos opositores de Bolsonaro, receberão cada cerca de R$ 600 milhões para a campanha. No entanto, esse aumento abusivo interessa também aos partidos do Centrão, hoje a base de apoio do governo.

Além do mais, há um problema técnico: o valor do Fundo Eleitoral foi definido por uma porcentagem da verba do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e se o presidente vetar o artigo, estará acabando com o Fundo, pois não é possível simplesmente passar a porcentagem de 25%, como aprovado, para outra qualquer.

Num momento de crise, é simplesmente inaceitável que os partidos políticos aumentem irrazoavelmente  o gasto eleitoral. Mas há mais. A mudança do sistema eleitoral foi  apresentada pela deputada Renata Abreu a partir de uma proposta original de mudança constitucional do PSDB que tratava da mudança de datas em eleições próximas a feriados nacionais. A relatora, advogada especializada em direito eleitoral, propôs uma série de mudanças, que abrange do sistema eleitoral à cláusula de barreiras e ao incentivo ao voto em mulheres, que valeriam o dobro para o cálculo do Fundo Eleitoral.

Até mesmo a democracia direta, com incentivo a plebiscitos municipais, é sugerida na reforma. O mais grave, no entanto, é a adoção do distritão, considerado pelo especialista Jairo Nicolau “o pior modelo eleitoral do mundo”. O sistema tem o poder de retirar da disputa os votos de legenda para favorecer os chamados puxadores de votos.

O temor é que os partidos escolham apenas os candidatos populares, como artistas, jogadores de futebol, jornalistas de rádio e televisão, em detrimento de candidatos de voto de opinião. Ou prefiram candidatos já eleitos com boa votação. Assim, a renovação política seria inviabilizada.

Os partidos perderiam também o controle programático, pois cada eleito teria sua própria representatividade, sem necessariamente coincidir com o programa partidário. O que já é ruim ficaria pior. Há, concomitantemente,  uma reforma eleitoral profunda que está sendo debatida em comissão que, segundo Marcelo Issa, cientista político que dirige a ONG Transparência Partidária, representa um retrocesso no nosso processo eleitoral, retirando da Justiça Eleitoral algumas de suas prerrogativas.

Ela admite que os partidos contratem empresas privadas para analisar suas contas e informá-las à Justiça Eleitoral, prevendo neste caso multa irrisória se houver a reprovação (art. 70); acaba com a divulgação de bens dos candidatos, que permite ao eleitor conhecer as empresas, propriedades e investimentos e evolução patrimonial dos candidatos (art. 209, §9º). Faz com que os gastos de campanha sejam conhecidos só após a eleição.

A proposta permite ao Congresso Nacional cassar resolução do TSE que considere exorbitar os limites e atribuições previstos em lei (art.130, §1º); exige comprovação de gastos para caracterizar propaganda eleitoral antecipada, afastando desse conceito algumas condutas que ocorrem, por exemplo, em igrejas, templos e similares (art. 504); restringe a aplicação de multa no caso de propaganda eleitoral negativa apenas aos casos em que ocorrer “acusações inverídicas graves e com emprego de gastos diretos” (art. 507, §2º), podendo levar a um aumento dos discursos de ódio e ofensas pessoais durante as campanhas e institui o crime de caixa dois eleitoral, mas com pena máxima passível de acordo de não persecução penal (art. 893 e art. 28-A do CPP).

Uma reforma feita “pelos partidos, para os partidos”, como define Marcelo Issa.

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