Política : FINANCIAMENTO
Enviado por alexandre em 07/10/2017 20:32:06


Novas regras devem repetir o velho Congresso

André Singer - Folha de S.Paulo

Há um trecho incômodo na entrevista concedida à "Época" desta semana (2/10) pelo ex-deputado Eduardo Cunha desde a prisão. No que se refere à Câmara, é difícil discordar quando diz: "A próxima eleição, com exceção do financiamento empresarial, será igual, com resultados iguais".

Se olharmos o pacote preparado pelo Legislativo nos últimos dias para reger o pleito de 2018, tenderemos a concordar com a previsão. As duas mudanças no sistema eleitoral —fim da coligação nas eleições proporcionais e cláusula de barreira— só terão consequências mais nítidas se não forem outra vez alteradas, a partir de 2020. Embora a contagem de votos para estabelecer quem ficará aquém da barreira comece em 2018, os efeitos serão posteriores.

Embora essas duas medidas futuras sejam em geral positivas, pois permitem maior transparência e menor fragmentação —no segundo caso, trazendo possíveis dificuldades, a serem analisadas, para os partidos ideológicos— verdadeiramente efetivas para o ano que vem, o Congresso criou o Fundo Especial de Financiamento de Campanha. Embora tenha ficado menor do que o inicialmente projetado, o montante de R$ 2 bilhões visa a cobrir o buraco criado com a proibição, pelo STF, de doações por parte das empresas.

Sou favorável ao financiamento público, desde que se estabeleça um teto de gastos baixo. Isto é, se a legislação obrigar a um radical barateamento das campanhas, cada vez mais possível com os recursos tecnológicos disponíveis. No entanto, em lugar de democratizar as disputas, os legisladores optaram apenas por substituir as empresas pelo Estado.

Tome-se o caso da eleição para deputado federal: o limite de custos aprovado ficou na altíssima cifra de R$ 2,5 milhões. De acordo com o jornalista José Roberto Toledo, na média, os 513 eleitos em 2014 declararam uma arrecadação de R$ 1,4 milhão. Entende-se, assim, que o valor definido visa permitir, pelo menos, a mesma amplitude.

Em outras palavras, manter tudo como está. Como o critério para a distribuição da verba pública seguirá a representatividade passada dos partidos, o que explica os maiores terem se inclinado por esse critério, aqueles que em 2014 tiveram maior apoio empresarial vão receber mais recursos estatais em 2018. Além disso, como talvez não haja limite para o autofinanciamento, os candidatos ricos poderão ter ampla chance de complementar a propaganda com reais próprios, a exemplo do que fez João Doria.

Na Câmara escolhida em 2014, segundo o Departamento Intersindical de Acompanhamento Parlamentar (Diap), havia cerca de quatro empresários para cada sindicalista. Independentemente das respectivas posições, que variam, com as normas aprovadas o escore tenderá a se repetir.

Mal espalhado, dinheiro de 2018 já cheira mal



Josias de Souza

O papa Francisco disse certa vez que o dinheiro é o esterco do diabo. Na reforma política que Michel Temer acaba de sancionar, o estrume que fertilizará as campanhas eleitorais de 2018 não foi bem espalhado. Por isso, começa a cheirar mal. O dinheiro, você sabe, não traz felicidade. Mas isso não é mais uma questão financeira a ser levada a sério pelos candidatos endinheirados, pois o presidente da República, num gesto de profunda miserabilidade, vetou o limite para o autofinanciamento das campanhas.

A coisa começou a feder na quinta-feira. Em votação realizada na velocidade de um raio, o Senado expurgou da proposta de reforma o artigo que criava um teto de R$ 200 mil para o autofinanciamento. Fez isso para facilitar a vida de candidatos com os bolsos maiores que as ideias. Mas o feitiço voltou-se contra os feiticeiros. Os candidatos ficaram sujeitos a uma outra regra, que limitava as doações de pessoas físicas a dez salários mínimos. Coisa de R$ 9,7 mil para 2018. Um pé direito bem menor do que os R$ 200 mil projetados pela Câmara.

Submetido à encrenca, Temer cuidou de vetar o limite de dez salários mínimos. Com isso, valerão para 2018 as regras estipuladas na legislação que já está em vigor: se quiserem, candidatos poderão bancar 100% de suas campanhas. Para presidente, até R$ 70 milhões, mais R$ 35 milhões se houver segundo turno. Para governador, de R$ 2,8 milhões até R$ 21 milhões, dependendo do número de eleitores do Estado. Senador, de R$ 2,5 milhões a R$ 5,6 milhões. Deputado federal, R$ 2,5 milhões; Deputado estadual, R$ 1 milhão.

Quem não tiver saldo médio próprio nem doações de terceiros terá que se contentar com o rateio do fundão criado pelo Congresso para espetar o custo da eleição no déficit público. Coisa de R$ 2 bilhões, mais R$ 1 bilhão do velho e bom Fundo Partidário. Para complicar, Temer passou na lâmina também o artigo que obrigava os partidos a distribuir pelo menos 30% do fundão de forma igualitária entre os candidatos que disputatão os memos cargos. Os caciques partidários vão deitar sobre o estrume e rolar.

Num ambiente assim, tende a desaparecer algo que os juristas chamam de “paridade de armas”. Embora não traga a felicidade, o dinheiro paga, entre outras coisas, o marqueteiro que levará o eleitor a confundir certos candidato$ com candidatos certos. Enfeitada pela propaganda, uma forca pode parecer mero instrumento de cordas. De resto, se o odor já é grande na largada, imagine-se o fedor que contaminará a atmosfera quando começarem a pipocar as evidências de caixa dois.

Página de impressão amigável Enviar esta história par aum amigo Criar um arquvo PDF do artigo
Publicidade Notícia