Regionais : Difícil convivência de Procuradoria e PF vem de sobreposição de funções
Enviado por alexandre em 10/07/2017 08:30:59

Difícil convivência de Procuradoria e PF vem de sobreposição de funções

Folha de S. Paulo - Janio de Freitas

Depois de tantas ideias frustradas no Congresso contra investigações de deputados e senadores, a Lava Jato implodiu sozinha. Com pretexto proveniente da menos pressentida origem: o Supremo Tribunal Federal. Entre as causas reais, a disputa de poder prevaleceu. Mas a mão do governo Temer agiu sob a mesa do novo ministro da Justiça, Torquato Jardim. Como complemento, não é a única alteração esperável nos órgãos e leis do ataque à corrupção.

A difícil convivência de Procuradoria da República e Polícia Federal vem de longe, decorrente de certa sobreposição de funções. Começou a agravar-se com a reivindicação dos delegados da PF de equivalência salarial a procuradores e juízes. No convívio da Lava Jato, as diferenças ficaram face a face. Acentuadas por justo ressentimento dos policiais: na sua ânsia promocional, o juiz Sergio Moro e os procuradores faturam com exclusividade todo o prestígio da Lava Jato, mal restando referência senão ao "japonês da federal", no contingente ativo de uma centena de delegados, agentes e técnicos da PF.

Ano passado, já governo Temer, começou a redução do número de delegados. Os quatro restantes deixam agora a Lava Jato e passam à Delegacia de Combate à Corrupção e Desvio de Verbas Públicas (Delecor), à qual fica atribuída a parte policial da Lava Jato e da Carne Fraca, a dos frigoríficos. Incumbido de explicar a modificação, o polêmico delegado Igor Romário de Paula, um dos quatro transferidos, negou tanto a influência da escassez de verbas da PF, como determinação de Brasília. Não lhe cabem, porém, nem a qualquer outro em Curitiba, poderes para dissolver um Grupo de Trabalho da PF. E, menos ainda, para lotar delegados em tal ou qual delegacia. Esse poder é de Brasília. Do Ministério da Justiça, pela direção da PF posta em risco sob o recém-ministro Jardim.

A alegada "redução de serviço" também não se sustenta. Além de dezenas de inquéritos em marcha lenta, só as delações da Odebrecht esperam no mínimo três dezenas de inquéritos nem iniciados ainda. Sem falar nos estoques que Eduardo Cunha e Lúcio Funaro, dois grandes armazéns de biografias alheias, estariam na iminência de dar como pagamento da liberdade. Não a proclamada pelo direito, de ir e vir. Só a de ir.

Vozes da Lava Jato, Carlos Fernando dos Santos Lima e Deltan Dallagnol reagiram à partida da PF com sua dramatização habitual: "a Lava Jato deixa de existir". Oh, céus! Haverá alguma perda de experiência, se na tal Delecor designarem novos delegados para casos em curso. Não é tão mau o afastamento, porém: todos juntos formaram uma panelinha política, que já levou até a delegados tornarem pública sua adesão a Aécio Neves. E o que importa não é lotação de delgados, é que a PF cumpra sua função com a competência comprovada.

A versão carioca da Lava Jato não tem ou teve força-tarefa. O nosso pasmo com Sérgio Cabral se deve à associação eficiente de Polícia Federal, Ministério Público e a coragem do ameaçado juiz Marcelo Bretas. Simples, quase silenciosa, uma forma de ação que ocorre, com menor escala, também em Brasília, com o juiz Vallisney Oliveira, da prisão de Geddel Vieira Lima.

Ao desligar-se da Lava Jato, a PF dá sua resposta à decisão do Supremo, sem aparente ligação com os policiais, de que os acordos de delação premiada não são reconsideráveis por tribunais, exceto em descumprimento pelo delator. Com isso, reconheceu aos procuradores o poder exclusivo de negociar benefícios com por delação. Poder que os delegados pretendiam possuir também.

Mas a celebrada exclusividade dos procuradores é precipitada. Ainda sem projeto, e no entanto conversada, é bem recebida entre senadores a presença obrigatória de um magistrado na condução dos acordos com delatores. Faz sentido, porque os acordos incluem negociação de penas, e sentenças são um poder estrito des magistrados.

Agora mesmo, Renato Duque fez acordo para cumprir apenas cinco anos de oito décadas de condenação, por devolver R$ 76 milhões. Deem o nome que derem, o que Renato Duque faz é comprar e pagar liberdade com dinheiro que não lhe pertence e embolsou em corrupção.

A estranha incorporação da Lava Jato à Delecor



Estranhíssima a decisão da Polícia Federal de incorporar a equipe da Lava Jato à Delecor, Delegacia de Combate à Corrupção e Desvio de Verbas Públicas. A PF informa que a medida fortalece a Lava Jato, pois facilita a participação de mais delegados nas investigações. Por que, então, não fazer o anúncio ao contrário, incorporando a Delecor à Lava Jato?

No clima atual, em que tanta gente tenta melar as investigações, é óbvio que qualquer mexida na Lava Jato, exceto seu reforço, provoca a suspeita de que uma operação tão popular esteja sendo neutralizada pelos investigados.

Há quem pense que a divulgação foi deliberadamente alarmista, como protesto pela restrição de verbas à Polícia Federal. É que o caso Lava Jato é uma das três medidas impopulares anunciadas pela PF: a suspensão do fornecimento de passaportes e a redução dos serviços nas rodovias são as outras duas. Os federais suspeitam da restrição de verbas. Acreditam que, a um tempo, serve para vingar-se das investigações e forçar a Polícia Federal a, sem dinheiro, reduzir as atividades que lançam luz sobre a corrupção

Lava Jato: MPF deixa de lado superfaturamentos

Apesar da existência de laudos da Polícia Federal e do TCU (Tribunal de Contas da União) mostrando superfaturamento em obras de empreiteiras envolvidas na Operação Lava Jato, o Ministério Público Federal optou por não tratar do assunto ao propor ações para cobrar indenizações das construtoras.

No acordo da delação assinada pela Procuradoria com a Odebrecht, em dezembro, o tema de sobrepreços também não aparece.

O principal motivo alegado pela força-tarefa para não usar as auditorias foi a necessidade de evitar atrasos nas causas cíveis de improbidade.

Porém, caso o superfaturamento tivesse sido levado em conta, as indenizações cobradas das empresas poderiam ter sido maiores.

Sobre a ausência do tema na colaboração premiada da Odebrecht, a Procuradoria diz que a empreiteira reconheceu "implicitamente" ter inflado preços quando admitiu ter participado de um cartel para fraudar as licitações.

A posição da Odebrecht é a de que as propinas delatadas às autoridades do Brasil, EUA e Suíça não foram pagas para superfaturar valores de projetos, mas apenas para garantir as vitórias nas licitações e o cumprimento regular dos contratos.

A Procuradoria diz que o não uso das auditorias da PF e do TCU nos processos de indenização é uma estratégia para permitir o desfecho rápido das causas judiciais.

"Caso o superfaturamento fosse incluído nas mesmas ações, isso poderia levar a uma discussão sobre a necessidade de perícia dentro do processo, o que poderia atrasar em muitos anos a conclusão dessas ações", segundo a força-tarefa.

O Ministério Público Federal também levanta dúvidas sobre a precisão dos laudos da PF e do TCU.

Os preços reais de produtos e serviços de obras "são fatores de difícil, se não impossível, reconstituição. Por isso é que o TCU e a PF fizeram cálculos do tipo econométrico ou estimado sobre os potenciais prejuízos", de acordo com a Procuradoria.

Mas o Ministério Público não descarta a possibilidade de usar as apurações a respeito de sobrepreços em processos futuros. "Estrategicamente, optou-se por aguardar o amadurecimento dos cálculos e discussões sobre o superfaturamento no âmbito do próprio TCU. Após uma melhor definição desses valores, poderão ser propostas novas ações", diz a força-tarefa.

Nos processos de improbidade administrativa contra empreiteiras já apresentados à Justiça Federal no Paraná, os pedidos de indenização foram feitos com base no percentual de propinas delatado em colaborações premiadas, como a do ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa.

Segundo os delatores, o suborno correspondia a 3% do valor das contratações, e tal critério foi usado pela Procuradoria para pedir as indenizações às empresas.

Porém, em muitos dos casos analisados pelos peritos da PF e do TCU, os percentuais de superfaturamento são muito mais elevados que os das propinas.

Um dos levantamentos do TCU, por exemplo, indica que no projeto do Comperj (Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro), o prédio construído para abrigar os fiscais da obra, no valor de R$ 70 milhões, teve sobrepreço de R$ 17 milhões, ou seja, 24,2% do total do contrato.

Indagada também sobre sobre o fato de a Odebrecht não ter reconhecido superfaturamentos nos depoimentos dos acordo de delação premiada, a Procuradoria respondeu que "o reconhecimento da prática do cartel é, implicitamente, um reconhecimento da fixação artificial e inflada de preços fora de um ambiente competitivo".

MUDANÇA DE VERSÃO

Em relação ao tema dos superfaturamentos, Costa mudou de versões na Lava Jato.

Em depoimento no dia 2 de setembro de 2014, ele disse que "empresas fixavam em suas propostas uma margem de sobrepreço de cerca de 3% em média, a fim de gerarem um excedente de recursos a serem repassados aos políticos".

Porém, em 9 de abril de 2015, a defesa do delator apresentou à Justiça uma petição na qual negou a ocorrência de superfaturamentos, posição alinhada à da Odebrecht e de outras empresas.

Ao apresentar sua nova posição, a alegação do ex-diretor da Petrobras foi a de que os subornos "eram retirados da margem [de lucro] das empresas" e que "não se pode dizer que houve sobrepreço".

OUTRO LADO

O Ministério Público afirma que adota a estratégia de não incluir laudos da PF e do TCU nas ações de indenização para agilizar os processos e que essa conduta tem se mostrado eficaz na Lava Jato.

A Odebrecht diz que colabora com as apurações.

A Procuradoria relata que ao iniciar os processos "já havia elementos de prova muito consistentes" sobre propinas e fraudes, que já eram suficientes para pedir condenações.

Segundo o Ministério Público, órgãos como a Advocacia-Geral da União ou a própria Petrobras também podem propor ações relacionadas ao superfaturamento, com base em levantamentos próprios.

A instituição diz que sua conduta não traz prejuízo aos cofres públicos, pois as ações de ressarcimento ao erário não prescrevem.

De acordo com a força-tarefa, o valor das propinas "é líquido e certo", e os subornos "fazem parte do superfaturamento, embora não o esgotem".

"Mesmo nos casos em que o TCU já terminou seu julgamento, a cobrança desse valor por via judicial é demorada, pois os réus terão o direito de questionar os cálculos", afirma.

A Odebrecht diz que está ajudando a Justiça do Brasil e dos países em que atua e assinou acordos de leniência para elucidar os fatos sob investigação.

Página de impressão amigável Enviar esta história par aum amigo Criar um arquvo PDF do artigo
Publicidade Notícia