Política : CORRUPÇÃO
Enviado por alexandre em 19/03/2017 00:16:46


O poder no banco de réus

Ruy Fabiano

A longevidade de um delito, como é óbvio, não o legitima. No entanto, esse é o argumento central com que políticos e financiadores de campanhas reclamam inocência – e exigem absolvição -, diante dos crimes de caixa dois e derivados.

“Sempre se praticou”, dizem uns; “desse jeito, ninguém escapará”, dizem outros. As variantes são nesse rumo.

O próprio Emílio Odebrecht, pai de Marcelo, em depoimento ao juiz Sérgio Moro, espantou-se com o fato de tal prática estar sub judice. E não escondeu que sua empresa a endossa desde sempre e que ele próprio - assim como seu falecido pai e fundador do grupo, Norberto Odebrecht - não via nenhum problema nisso.

A Lava Jato não desconhece a tradição da prática, mas, digamos assim, diverge conceitualmente dos Odebrecht. Está convencida de que não apenas é preciso erradicá-la, como o único meio de fazê-lo é punindo os que a praticaram. O país concorda.

Se, na área penal, antiguidade fosse posto, ou mesmo servisse de atenuante, homicídio não seria crime, ou pelo menos não tão grave, já que inaugurado com Caim, na origem da humanidade.

As delações dos 77 executivos da Odebrecht, cuja divulgação é aguardada, não encerram – antes inauguram – a principal fase da Lava Jato, a que vai ao coração do Congresso e do governo, este e o que o precedeu. Não se trata nem sequer de saber quem vai preso. Trata-se de expor as entranhas de um sistema que liquidou o país.

Os delitos, de fato, não são iguais, nem da mesma gravidade; uns devem ser presos, outros não; uns misturaram caixa dois com propina; outros só o caixa dois; outros lavaram a propina no caixa um. Etc. O dano político, porém, é geral. Não absolve ninguém.

De cara, os presidenciáveis de sempre – uma geração em fim de carreira, distribuída nos principais partidos – já foram citados e estão na condição que o falecido Antonio Carlos Magalhães considerava a mais letal a um político: ter de se explicar. Têm tentado, mas encontram compreensão apenas entre colegas.

Isso explica o ressurgimento do voto em lista fechada exatamente neste momento em que os políticos temem o contato com as ruas. Trata-se de poupá-los do cara a cara com o eleitor. Este votaria apenas na legenda, ficando o encargo de preencher a lista por conta do próprio partido – ou por outra, dos caciques do partido.

É piorar o que já não é bom. O argumento dos que querem as listas fechadas é de que criam um elo mais forte entre eleitores e partidos. Vota-se no partido, não em candidatos. Em tese, sim, mas com esses partidos? De quebra, a novidade os reduziria – há hoje 35 legendas, 28 com assento no Congresso, o que faz com que cada votação seja precedida de um imenso toma lá dá cá.

Mas, se houvesse mesmo interesse em reduzir o número de partidos, bastaria extinguir as coligações nas eleições para deputado.

O que se contempla, neste momento, é uma desesperada tentativa de sobrevivência da velha política, diante da renovação compulsória que o fenômeno da Lava Jato vem impondo.

O strip-tease moral é avassalador e, quando se pensa que já se viu tudo, surge outro escândalo com conexões políticas: a carne envenenada. Atinge em cheio o setor mais produtivo do país, o agronegócio, responsável, de algumas décadas para cá, pelo superávit da balança comercial.

O escândalo é localizado, no segmento carne, mas suas consequências, não: desmoralizam as certificações oficiais do Brasil indistintamente, com reflexos profundos nas exportações.

De quebra, outro problemão para o presidente Temer: seu recém-empossado ministro da Justiça, Osmar Serraglio, estaria envolvido na história, acusado de apadrinhar um dos mafiosos. Mesmo inocente, terá dificuldades de ordem moral e política para prosseguir no cargo. E assim caminha o governo, num entre e sai de ministros, respingados pela lama da corrupção. Antes assim.

A Lava Jato chega ao terceiro ano e não tem data para terminar. O país oficial continua no banco dos réus.

E a política nunca mais será a mesma após Odebrecht



A elite da política brasileira aparece na delação premiada. As investigações começam agora e deverão influenciar decisivamente as eleições de 2018

ÉPOCA

A política brasileira não será a mesma depois do dia 14 de março de 2017. A delação premiada dos executivos da Odebrecht lança suspeitas – de corrupção e caixa dois – sobre a elite da política brasileira, incluindo os principais representantes dos maiores partidos.

Estão lá dois ex-presidentes petistas, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Os três principais caciques do PSDB, Aécio Neves, José Serrae Geraldo Alckmin. Ministros do PMDB que formam o círculo mais próximo do presidente Michel Temer, como Eliseu Padilha e Moreira Franco. O presidente do Senado, Eunício Oliveira, também do PMDB, e o da Câmara, Rodrigo Maia, do DEM. Os poderosos de Brasília se perguntam – assim como os cidadãos brasileiros em geral: e agora?

Os políticos tentarão, na medida do possível, garantir sua sobrevivência. Será difícil. A recente tentativa de descriminalizar o caixa dois, na calada da noite, enfrentou resistência da opinião pública e sumiu da pauta – na verdade, era uma tentativa de usar o caixa dois como desculpa para anistiar crimes de corrupção. A novidade agora é ressuscitar uma proposta petista de reforma política que já foi derrubada várias vezes na Câmara: o voto em lista fechada. Se tal projeto, esdrúxulo no contexto brasileiro, for aprovado, os eleitores perderão a prerrogativa de escolher seus deputados e senadores. Em vez disso, votarão em partidos – e os partidos escolherão que deputados e senadores os representarão no Congresso. Isso garantiria a continuidade de muitos dos políticos atuais. Parece outra manobra fadada ao fracasso, embora não se possa menosprezar a capacidade de articulação dos políticos. Os deputados e senadores fariam melhor se esquecessem os truques e malandragens e deixassem que tudo corresse de acordo com o curso previsível das democracias.

Isso significa, basicamente, deixar que a Justiça siga seu rumo. Ser citado na delação dos executivos da Odebrecht não faz de ninguém culpado aos olhos da Justiça. Ainda há um longo processo de investigações pela frente. Alguns serão inocentados. Outros, enquadrados no crime de corrupção, ou no de caixa dois, ou em ambos – são crimes diferentes, e o mesmo ocorre com as punições. Pela Justiça brasileira, poderão recorrer. Tal processo deve durar, no mínimo, dois anos, e estará em curso ao longo da próxima campanha eleitoral. Alguns dos políticos que estão hoje em evidência sobreviverão. Outros ficarão impossibilitados de concorrer. Um terceiro tipo poderá disputar cargos públicos, mas não terá votos dos eleitores, devido ao desgaste.

É possível que haja uma renovação bastante ampla no Executivo e no Legislativo. Se o eleitor brasileiro for suficientemente sábio para deixar de fora os populistas de plantão, tal renovação pode ser bem-vinda. Nas democracias, os políticos passam – mas a política continua.

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