Brasil : COMPORTAMENTO
Enviado por alexandre em 28/07/2016 23:59:05


Violência doméstica: por que mulheres voltam para seus agressores? Vítimas: o que fazer?

Por: Nana Soares - No domingo (24) a atriz Lindsay Lohan foi filmada pelos vizinhos em uma séria discussão com seu noivo, Egor Tarabasov. No vídeo, divulgado por um tabloide inglês, Lindsay o acusa de agressão e afirma que ele quase a matou. Ela também diz não ter sido a primeira vez, mas fala que será a última. No dia seguinte, pediu privacidade nas redes sociais após a exposição de “certos aspectos de sua vida” e deu a entender que voltou a se relacionar com o milionário.



O direito a privacidade de Lindsay é indiscutível, mas, falando apenas de violência doméstica, o silêncio é um dos maiores aliados do agressor. Quem agride sabe que expor a situação não é fácil e constrange a vítima, seja ela anônima ou famosa, geralmente alterando substancialmente sua vida. De qualquer modo, não fosse a filmagem amadora não saberíamos que Lindsay Lohan é mais uma entre as milhões de mulheres que sentem na pele a violência de gênero. Acharíamos que tudo está bem em seu relacionamento – especialmente porque ela aparenta uma fase de calmaria depois de anos de problemas com álcool e drogas.


Desde então, a ex-estrela teen vem sendo novamente bombardeada com comentários maldosos. “Mais um escândalo envolvendo Lindsay Lohan”, “garota problema”, “deve ter provocado”, “ela não é fácil” e “se fosse verdade não tinha voltado” são alguns deles. Todos relativizam a violência sofrida por uma mulher e colocam parcela de culpa nela. Se não é culpada pela violência, é trouxa por ter voltado com quem a agride.


Quando Rihanna foi agredida por Chris Brown em 2009 – caso que também veio a público depois de um vazamento não autorizado de imagem – eles reataram o relacionamento pouco tempo depois. Terminaram e voltaram de novo, chegando a gravar uma música entitulada “Não é da conta de ninguém”, em 2012. O recado era claro, era a versão gringa do “em briga de marido e mulher não se mete a colher”.


Só que Rihanna e Lindsay Lohan não são as primeiras e nem serão as últimas mulheres agredidas a voltar com seus agressores. Isso porque encerrar o ciclo da violência é muito difícil e porque falamos de relações familiares, de parentesco, carinho e afeto. Nós não cortamos laços com ninguém do dia para a noite, mas continuamos a exigir que as mulheres agredidas o façam, mesmo que elas não tenham mecanismos para seguir a vida depois disso.


No Brasil, a Lei Maria da Penha está prestes a completar 10 anos de existência. Nos últimos anos, as pesquisas mostram um dado positivo: cada vez mais mulheres denunciam a violência em sua primeira ocorrência. É um bom sinal de que a tolerância para com o fenômeno está diminuindo, mas não exclui as barreiras práticas para a separação entre as partes. Estamos falando de cortar relações e/ou criminalizar o marido, o pai dos seus filhos, seu próprio pai, irmão ou cunhado. Falamos de provocar uma fissura na família, de muitas vezes perder a garantia financeira ou mesmo a relação de companheirismo, que não deve em hipótese alguma ser diminuída em sua importância. Embora a lei preveja que o Estado deve garantir às mulheres todos os mecanismos necessários para encerrar um cotidiano doloroso, ainda falta muito para isso ser uma verdade posta em prática.


E isso se as mulheres quiserem mesmo encerrar a relação, o que nem sempre é o caso. Quando converso com aplicadoras da Lei, ouço muito que as mulheres que denunciam violência doméstica não querem necessariamente prestar queixa formal contra o marido. Isso tem consequências para ele, afinal de contas. Muitas delas querem apenas que a violência se encerre. Querem viver sem ser agredidas. Não é pedir demais, mas ainda assim não conseguimos garantir um direito básico.


Não dá para combater a violência contra a mulher sem ter muito claro que ela não começa no momento da agressão e que não se encerra ali. Pense por exemplo nas mulheres que, ameaçadas, precisam mudar de cidade, de vida e de identidade às pressas para não serem mortas enquanto o agressor segue sua vida. Por isso, eu discordo de Rihanna: acho que é da conta de todo mundo sim. Mas que isso não dá a ninguém o direito de dizer que sabe o que é certo para você e para sua vida.


Há pessoas que podem explicar com muito mais autoridade o que é o ciclo da violência e por que é tão dificil quebrá-lo, mas ainda assim reforço a mensagem: não culpabilize as mulheres que sofrem violência, nem mesmo as que retornam para perto do agressor. Relações humanas são complexas e não se encerram ao toque de um botão. Seja um aliado das mulheres que precisam de apoio, não alguém com quem elas têm medo de se abrir.



Fonte: O Estado de S. Paulo

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