Mais Notícias : Pai, afasta de mim esse cálice!
Enviado por alexandre em 24/03/2016 09:43:58

Pai, afasta de mim esse cálice!

Postado por Magno Martins

* Gilberto Marques

Em tempo de quaresma não custa lembrar Chico. O verso é consagrado na canção e no Evangelho. O Juiz Sérgio Moro, há 2 anos, deu um rítmo diferente ao processo criminal. A Operação Lava-Jato tinha pressa e o Magistrado tomou assento na velocidade sugerida. Deu, inclusive, vigência a uma novidade do Código de Processo Penal: audiência única.

Pela dedicação comprovada, pelo resultado, pelo tempo demandado entre a Denúncia e a Sentença dá impressão que o Doutor Moro mora na Vara. Trabalha 24 h. por dia, todo dia. Quando menos se espera lá vem ele. É como se fosse um surfista nas ondas do Hawai. Curitiba-PR, sede da Vara Federal que ocupa, tem jurisdição no Brasil todo. É uma coisa esquisita o espectro da Competência. Mas, os tímidos e poucos reclamos não surtiram efeito e praveleceu o universo.

Nas vésperas do holocausto de Cristo, em plena Semana Santa, a Turma da Odebrech abriu uma brecha na “Colaboração Processual”. De antemão largou uma lista de 200 nomes completos, endereço, CPF, RG, filiação, profissão, escolaridade. Nenhum deles é analfabeto. O que antes era PROCRIANÇA; BOLSA FAMÍLIA; PROSAÚDE, virou Propina.

Antes da Semana Santa, mas já em plena Quaresma. o Juiz da Lava-Jato lavou as mãos e abriu para o globo terrestre uma conversa da Presidenta com o ex Presidento. A dupla Lula/Dilma fez sucesso. Mas quase o Juiz era preso. Pelo menos quiseram prendê-lo. A desculpa, em tom de fundamento, foi curta e grossa: os governados precisam saber o que pensam os governantes. Quem bateu palma deu corda a quem não precisa. O Juiz tem que ser equilibrado. Em qualquer circunstância deve ser equilibrado. O substantivo vem do adjetivo justo. O juiz trabalha pelo Judiciário e o Judiciário procura a Justiça. Como se diz no teatro o Show Não Pode Parar. Boa sorte!

Não dá pra esquecer que o Presidente Lula fala pelos cotovelos. No entanto, as vezes resolve ficar monossilábico. Quando ele apela para o monossílabo a eloquência assusta. Antes era NÃO. Agora passa pelo ABC e vai até a última vogal. O desespero é cruel. Confesso que não simpatizo com a delação. Desprezo o delator de priscas eras. Cresci ouvindo meu pai criticar o dedo duro, na época da ditadura. Ele passara por Getúlio e aparece outra, nos meus nove anos, em 1964.

No colégio, vi alguns casos, certa feita por ficar indignado com o gesto, quase fui punido. Pensaram que eu era o autor. Fui salvo pelo gongo. Dois colegas, filhos de poderosos, confessaram. Só para me defender. O culpado ficou impune e ninguém falou mais disso. A legislação americana, no entanto,apresenta supostos efeitos positivos. Notadamente, em relação à Máfia. Lá, o Ministério Público tem cacife para conduzir a investigação, desde o primeiro momento. A polícia e o promotor andam juntos. É verdade, que em um país que tem a pena de morte e utiliza tortura, ainda hoje – Guantanamo, não pode servir de exemplo em matéria penal pra nada.

Por outro lado, a doutrina clássica, em todo o mundo civilizado repudia “o chamamento do corréu”. Quer dizer, reu é reu, testemunha é testemunha. Quem tem interesse objetivo na acusação do companheiro, não deve ser visto como idôneo. O premio, por si só, já é um incentivo à torpeza. O jurista Spinoza, disse: “premiar o criminoso é premiar o crime”.

É preciso não esquecer que o delator é partícipe do próprio crime denunciado. Alguns são apenas o Judas. Os fatos, todavia, suplantam fronteiras. O costume inspira à lei. A doutrina inspira o juiz e a interpretação teleológica da ação, diante do tipo penal, cria seu fruto. A evolução do crime e o modo de operar é uma permanente disputa entre o bandido e o Estado. Mais forte quando o meliante é dono do Poder.

Por mero jogo de palavras, um falso pudor talvez, a doutrina estrangeira chama de “Colaboração Processual”. No caso da Petrobrás, um dado importante se soma à discussão. O delator informou que participava, se locupletava, comia junto - do bom e do melhor. Mas, ao mesmo tempo, preparava a prova contra os co-partícipes. Duas coisas sugerem o gesto. Havia um certo pudor e a consciência do erro. Ao mesmo tempo formava uma defesa ilegítima por ser adrede. Rui Barbosa já afirmava não se deve combater um exagero com um absurdo.

A adoção sistemática do expediente ao ponto de virar lei demonstra a impotência do Estado; a fragilidade da salva-guarda; a incapacidade científica da perquirição probatória. Michael Foucalt, em “Vigiar e Punir”, ressalta a disputa entre o meio e o engodo. A importância do Estado se avoluma quando o crime envolve autoridades constituídas. Mais ainda, se há digitais dos três poderes no evento.

Nos intestinos do pecado se esgarça a outorga dada pelo povo aos vigias. Neste caso, o cinismo começa no plano que se tornou real: o peculato consumado. Ganha peculiaridade atroz no preparo simultâneo da relação. A lei não pode beneficiar a torpeza. Mas é importante que o eleitor saiba quem fez, o que fez, quanto ganhou e quanto pagou pelo serviço. E aonde escondeu a rés-furtiva. Depois do Calvário de Jesus vem a eleição.

O segredo deve ter prazo líquido e certo. Volto pra Chico, o Buarque: Chama o Ladrão, Chama o Ladrão, Chama o Ladrão.

* Advogado criminalista

gilbertomarquesadv@gmail.com

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