Regionais : Inverdades sobre o aeroporto de Cláudio
Enviado por alexandre em 23/08/2015 11:23:26

Inverdades sobre o aeroporto de Cláudio

Lucas Ferraz *

O jornalista norte-americano Henry Louis Mencken, mestre das tiradas antológicas, cunhou uma, há quase um século, que caberia perfeitamente no Brasil destes tempos: "É difícil acreditar que um homem esteja dizendo a verdade quando você sabe muito bem que mentiria se estivesse no lugar dele".

Lembrei-me da frase de Mencken ao ler o artigo do deputado federal Domingos Savio (PSDB), publicado neste espaço no domingo passado (16), sobre a construção do aeroporto de Cláudio, em Minas Gerais, erguido em terras de um familiar do senador Aécio Neves (PSDB). A obra do Executivo mineiro foi concluída em 2010, no final do segundo mandato do tucano no Estado.

Citando o recente arquivamento de investigação do Ministério Público de Minas Gerais, que pela segunda vez apurou o caso e não encontrou irregularidades na construção da pista, o deputado cobra reparação a Aécio, que teria sido injustiçado por uma "falsa acusação". Classificando a reportagem de "ficção", ele escreve que a história "não é", como "nunca foi", verdadeira.

Ao defender o aliado, o presidente do PSDB de Minas omite e falseia deliberadamente informações que foram publicadas nesta Folha.

Logo ele, cuja atuação parlamentar se entrelaça com a história do aeródromo: o deputado batizou o local, por meio de lei aprovada no Legislativo mineiro, com o nome do finado Oswaldo Tolentino, um dos tios-avôs de Aécio e irmão de Múcio, o proprietário do terreno desapropriado para o aeroporto.

Todos os detalhes do episódio –a obra ao custo de R$ 14 milhões, a antiga pendência judicial pela posse da área, o funcionamento irregular e privado da pista, que era controlada por familiares de Aécio– foram relatados e documentados em reportagem de minha autoria, publicada em julho de 2014.

A 6 km da pista está a fazenda da Mata, da família do senador e um de seus refúgios preferidos, descrita por ele, à revista "Piauí", como o "meu Palácio de Versalhes".

Além de informações extraídas de documentos judiciais e do governo estadual –todos públicos–, duas fontes primárias foram fundamentais para sustentar o relato exposto no jornal. As declarações, gravadas, foram apagadas da memória de conveniência do deputado.

Domingos Savio afirma que, à época das reportagens, a gestão do aeroporto já era de responsabilidade da Prefeitura de Cláudio, que teria também as chaves da pista.

O que emerge da reportagem é outra coisa: o chefe de gabinete da prefeitura não soube explicar o funcionamento do aeroporto, pois este não era controlado pela administração municipal, mas, sim, pela família de Múcio Tolentino.

O filho de Múcio confirmou que a família tinha a posse das chaves. Disse que abriria a pista para quem precisasse utilizá-la, sem custo algum, e ressaltou: "O aeroporto, para todos os efeitos, ainda é nosso".

Quatro anos depois de ser construído, era esse o panorama do aeródromo: além do controle privado, ele operava de forma irregular, sem a homologação da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil).

Todos esses fatos não sofreram reparo, nem judicial nem editorial. Houve só um equívoco, corrigido na seção "Erramos" do jornal: o aeródromo de Cláudio tem capacidade para receber aeronaves com no máximo 18 passageiros, e não 50, como citado na primeira reportagem.

O arquivamento do caso, que em si nada significa, não apaga os fatos levantados e comprovados em uma investigação jornalística legítima e autônoma.

O engraçado é que a segunda investigação da Promotoria mineira, instaurada após a revelação da Folha, ignorou todos os elementos expostos na reportagem. Talvez os promotores tenham alguma explicação.
Como diria Mencken, "pode ser um pecado pensar mal dos outros, mas raramente será um engano".

LUCAS FERRAZ, 31, é repórter da Folha, autor da reportagem que revelou o caso do aeroporto de Cláudio (MG)

Venezuela e Argentina apreensivas com o Brasil

Da Folha de S.Paulo – Mariana Carneiro e Samy Adghirni

É com preocupação que os países vizinhos têm visto a crise política brasileira.

Na Venezuela, o mais apreensivo, o governo Nicolás Maduro teme perder apoio do país mais poderoso da região em caso de impeachment de Dilma Rousseff.

Caracas propaga a ideia de que Dilma é alvo de uma suposta campanha patrocinada pelos EUA para substituir presidentes esquerdistas na região por conservadores.Na Argentina, a preocupação recai sobre o efeito da paralisia política na economia, e sobre como isso afeta a produção e o emprego no país.

"Há ameaças de golpe de Estado no Brasil nos próximos meses", disse Maduro na TV. "Se se atrevem a se meter com o Brasil, o que será do resto?", indagou o presidente, que liderou um tuitaço com hashtags como #LulaDilmaSomosTodos no dia 20.

A argentina Cristina Kirchner segue a mesma linha: há uma conspiração na América do Sul para desestabilizar governos "populares e democráticos". "Tentaram impedir de todas as maneiras que Dilma fosse reeleita", disse, em discurso em rede nacional na última quinta (20).

"Os panelaços têm marca registrada, e sabem de quem é? De uma agência muito importante em um país do Norte e que costuma intervir na política da América do Sul", afirmou, aludindo à CIA.

Um dos pesos-pesados da política exterior chavista, o vice-presidente da Comissão de Relações Exteriores da Assembleia Nacional, Saúl Ortega, disse àFolha que a eventual derrubada do governo Dilma seria uma violação da ordem constitucional que levaria a Venezuela a exigir medidas de retaliação na Unasul, no Mercosul e até na ONU."A situação no Brasil não passa de um processo de desestabilização contra Dilma, e a oposição que não conseguiu chegar ao governo pelo voto busca atalhos antidemocráticos que afetam a paz."

Outra governista a defender Dilma é Ilenia Medina, líder do Patria Para Todos.

"Dilma permite que se investiguem denúncias de corrupção, enquanto a direita brasileira, que nasceu da corrupção, sempre tentou escondê-la quando governava", afirmou à Folha. "Presenciei o impeachment de Fernando Collor. Era um mar de gente, diferente dos protestos hoje."

LAÇOS AMEAÇADOS

O apoio explícito de Maduro a Dilma surpreende, já que predomina no meio diplomático a avaliação de que os presidentes não emulam a sintonia de Hugo Chávez e Luiz Inácio Lula da Silva.

A decisão de se pronunciar tão claramente em favor de Dilma expõe o temor de que uma possível mudança em Brasília leve a uma reavaliação total dos laços bilaterais.

Apesar das dificuldades de pagamento, o Brasil é um dos maiores fornecedores de alimentos dos programas sociais venezuelanos. No plano político, o país foi fiador de Maduro em instâncias internacionais diversas vezes.

Setores da oposição venezuelana, por sua vez, torcem silenciosamente pela mudança de governo no Brasil para isolar e enfraquecer mais a presidência de Maduro.

Já na Argentina, a apreensão transcende o governo. Brasileiros são alvo de uma bateria de perguntas sobre corrupção, inquéritos e petrolão vindas do taxista, do garçom e do comensal ao lado.

Embora dois presidentes da Argentina não tenham terminado o mandato desde a redemocratização, em 1983 –Raúl Alfonsín e Fernando De la Rúa–, o argentino em geral não entende o que é um processo de impeachment.

Tanto Alfonsín quanto De la Rúa renunciaram quando perderam o apoio político.

A investigação dos casos de corrupção com empresários e políticos no Brasil produzem no país um misto de admiração e preocupação.

A boa imagem, transmitida sobretudo pela imprensa, mostra um Brasil que investiga e quer punir corruptos.

A preocupação tem base econômica. No primeiro semestre, as exportações argentinas recuaram 18%, e o principal culpado na narrativa oficial é a crise brasileira.

Os principais candidatos a suceder Cristina Kirchner em dezembro se mostram informados sobre a crise vizinha.

Rafael Folonier, responsável pela política externa do governista Daniel Scioli, disse à Folha que Dilma "já passou por situações muito mais difíceis na vida e vai superar esse momento".

Do lado da oposição, o responsável pela política externa do candidato Mauricio Macri (PRO), Diego Guelar, afirmou que a turbulência é um problema interno do Brasil e cabe à Argentina observar e respeitar sua decisão. "Vamos trabalhar bem com quem quer que seja, pois a relação com o Brasil é prioritária."

Ambas as campanhas, porém, esperam que a crise brasileira passe logo, para que a Argentina possa contar com o vizinho na recuperação de sua própria economia após a posse do novo presidente.

Gustavo Marangoni, presidente do Banco Província e aliado de Scioli, também disse esperar solução rápida.

"O que acontece no Brasil, tanto do ponto de vista político quanto no econômico, é fonte de tranquilidade ou de estresse para toda a região", pondera. "Esperamos que supere este momento o mais rapidamente possível."


Vinte e um anos de impunidade

Bernardo Mello Franco - Folha de S.Paulo

Em abril de 1994, o brasileiro vivia sob o governo de Itamar Franco, pagava as contas em cruzeiros reais e torcia para a seleção de Bebeto e Romário conquistar o tetracampeonato mundial de futebol. Naquele mês longínquo, o empresário Luiz Estevão enviou US$ 1 milhão para uma conta do juiz Nicolau dos Santos Neto, o Lalau, na Suíça. Segundo o Ministério Público, o pagamento estava ligado a fraudes na construção da sede do Tribunal Regional do Trabalho em São Paulo.

Estevão se elegeu senador, foi investigado na CPI do Judiciário e teve o mandato cassado. Apesar do escândalo, continuou a fazer política e negócios. Hoje comanda mais de 200 empresas, um time de futebol e o diretório brasiliense do PRTB.

Em maio de 2006, mais de 12 anos depois de pagar propina a Lalau, o ex-senador foi condenado pelo Tribunal Regional Federal a 31 anos de prisão por corrupção ativa, formação de quadrilha, estelionato, peculato e uso de documento falso.

Passaram-se mais nove anos, e ele ainda não começou a cumprir a pena. O caso mostra como réus com muito dinheiro conseguem prolongar seus processos até o infinito, apresentando dezenas de recursos para não pagar por seus crimes.

Na última segunda-feira, o Ministério Público pediu ao STF que acabe com a farra. O subprocurador Edson Oliveira de Almeida enumerou a incrível série de recursos que Estevão apresentou com o único objetivo de alcançar a prescrição da pena.

Até aqui, o ex-senador só passou cinco meses preso, devido a outro processo. Em março, ele deixou a cadeia começou a montar um novo negócio. Vai lançar um site jornalístico, que terá dificuldades para dar notícias sobre corrupção e impunidade.

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