Brasil : MEMÓRIA
Enviado por alexandre em 13/08/2015 10:12:21


Histórias de Repórter: Juruna um legado esquecido
Reeleito deputado federal por São Paulo pelo PR com 1.016.796 votos, Francisco Everardo Oliveira Silva, o palhaço Tiririca, da cearense Itapipoca, que virou celebridade nos anos 90 com o “hit Florentina”, ainda é, nos dias atuais, o maior referencial do chamado voto de protesto dos brasileiros contra um Congresso, ainda uma das instituições mais desacreditadas do País.

Nas eleições de 82, entretanto, o Brasil viu, atônito, o Rio de Janeiro, que elegeu Leonel Brizola (PDT) governador após a sua volta do exílio, enviar ao Congresso Nacional um índio: Mário Juruna. Vindo da aldeia Namunkurá, situada em Barra do Garças, na área indígena São Marcos, no Mato Grosso, o xavante foi precursor e representante máximo de um estilo de política indígena vigente no Brasil, mas ficou conhecido por levar sempre consigo um gravador.

Era um recurso que utilizava para registrar declarações de não-índios e cobrar coerência entre falas e ações de personalidades políticas brasileiras. Em 1980, Juruna enfrentou a proibição do Governo que o impedia, como índio, a viajar ao exterior. Filiado ao PDT, candidatou-se à Câmara Federal dois anos depois e obteve mais de 30 mil votos, elegendo-se como produto de um protesto do eleitor carioca.

Sua eleição teve uma grande repercussão no País e no mundo. Foi o responsável pela criação da Comissão Permanente do Índio no Congresso, o que levou o problema indígena ao reconhecimento formal. Se por um lado era aclamado por suas investidas na defesa dos direitos indígenas, por outro foi motivo de chacotas e preconceito.

Deputado do partido de Leonel Brizola e do antropólogo Darcy Ribeiro, Juruna prenunciou um amplo movimento de ingresso de índios na política institucional-partidária do País. Até hoje, no entanto, permanece sendo o único índio a ter chegado ao parlamento federal brasileiro. Em sua trajetória acumulam-se aspectos variados. Juruna exibiu várias vezes da tribuna o seu gravador em punho com seu português compreensivelmente falho.

Ocupando posição propícia para encabeçar lutas indígenas e indigenistas mais amplas que as relativas à sua própria etnia, sofreu, muitas vezes, críticas destes mesmos setores e de outras parcelas do povo Xavante. Às vezes atrelado às formas clientelistas e fisiológicas de se fazer política no Brasil, exemplificadas, sobretudo, pelas negociações envolvendo cargos e favores no interior da Funai (Fundação Nacional do Índio), também foi um notório e importante defensor dos direitos indígenas.

Juruna foi responsável também por introduzir no quotidiano do Congresso um movimento indígena que floresceu projetando algumas figuras do seu meio, como Álvaro Tukano, Aílton Krenak, Davi Yanomami e Marcos Terena, este o mais respeitável, que falava português com mais fluidez. Na eleição de Tancredo Neves, pelo Colégio Eleitoral, Juruna foi protagonista de um episódio que acompanhei de perto, já em Brasília, atuando no Correio Braziliense.

Ele denunciou o empresário Calim Eid por tentar suborná-lo para votar em Paulo Maluf, candidato dos militares à Presidência da República, mas votou em Tancredo Neves, candidato da oposição democrática. Braço direito e amigo de Maluf, tendo sido seu tesoureiro e coordenador de campanha em alguns pleitos eleitorais e ocupou cargos nas administrações do amigo, Calim Eid ficou marcado por vários escândalos.

Juruna convocou uma entrevista coletiva e exibiu seis maços de notas de cinco mil cruzeiros e um formulário azul, usado pelo Banco do Brasil para contabilizar depósitos. ‘‘Recebi de Galim Eiro pra votar em Maluf’’, contou. O formulário mostrava um depósito de trinta milhões de cruzeiros na conta de Juruna. Galim Eiro era Calim Eid, empresário paulista, braço direito de Paulo Maluf. Ou seja, tratava-se ali de um suborno, só que com as veias abertas e sangue jorrando.

A história completa beira a comédia. Dois meses antes, em sua simplicidade de índio, Juruna foi a Maluf pedir dinheiro emprestado. Encontrou-se com Calim Eid num apartamento do 8º andar do Hotel San Marco, no Setor Hoteleiro Sul de Brasília. Queria visitar o filho, em Barra do Garças. Eid disse que lhe daria o dinheiro, desde que abandonasse o mandato ou votasse em Maluf dali a cinco meses.

Juruna recebeu muito mais do que pediu. Não sabia o que fazer com tamanha fortuna, até que o presidente do PDT, Leonel Brizola, soube da história e o abordou. Numa conversa particular, Brizola explicou que o cacique não podia trocar voto por dinheiro. Juruna prometeu devolver tudo. A foto dos milhões de cruzeiros em cima da mesa do índio destruiu as chances do PDS no colégio eleitoral. Passado o furacão, Juruna comentou: ‘‘Branco é complicado’’.

Vítima de uma diabetes crônica, Juruna morreu em julho de 2002, com apenas 58 anos, no hospital Santa Lúcia, em Brasília. Deputado de um único mandato, Juruna não conseguiu se reeleger em 86. Em 1994, transferiu seu domicílio eleitoral para o Distrito Federal, mas teve nova candidatura fracassada. Morreu abandonado, depois de passar um bom tempo em cadeira de rodas morando em Guará, cidade-satélite de Brasília.

Postado por Magno Martins

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