Mais Notícias : A sopa de tamancos do UFC e o viva vaia
Enviado por alexandre em 03/08/2015 08:57:05

A sopa de tamancos do UFC e o viva vaia

   Por Amin Stepple

A Suécia proibia a luta de boxe. A razão é óbvia: é um esporte violento, coisa dos abomináveis machos metidos a alfas, e as pancadas na cabeça provocam até Alzheimer. É o que dizem os médicos que ainda cuidam de Cassius Clay, o inesquecível Muhammad Ali. Aliás, o melhor livro escrito em todos os tempos sobre boxe é o do americano Norman Mailer. Chama-se A LUTA. É uma bela reportagem sobre a luta do século, século XX, diga-se, entre Muhammad Ali e George Foreman, no Zaire, em 1974. Todo pitbicha, que adora recreações violentas, deveria tê-lo na mesinha de cabeceira. E não só eles: os resistentes estudantes de jornalismo (os que soçobraram depois do dilúvio da internet) também deveriam comprá-lo nos sebos virtuais, já que a edição, suponho, está esgotada há algum tempo. É uma lição imperdível. 

Mas a Suécia ainda proíbe luta de boxe? Não sei. Nos últimos anos, os suecos perderam alguns símbolos históricos. Segundo as estatísticas, os japoneses hoje se suicidam mais do que os suecos, que lideravam até recentemente o ranking, naquele outro século. Há ainda um esgarçamento do bem-estar social. Nada que leve a uma guerra civil modelo Recife-Brasil. Mas o welfare state da terra de gênios do cinema como Ingmar Bergman está sendo paulatinamente podado. As exigências do neoliberalismo reduziram a farra.

Farra? Não, pacto, essa palavra tão ao gosto dos pernambucanos. Os partidos suecos fizeram um pacto político (pra valer, e não o modelito tipo Frente Ampla, meramente eleitoreiro, sem programa, e resquício ainda das orientações da Moscou stalinista, ainda em voga por  aqui), lá pelos anos 20 (isso, do outro século), e tornaram o país civilizado, democrático, socialmente estável e, sobretudo, de classe média (um sonho que volta a se distanciar da realidade nacional).

Mas deixemos os suecos com os seus modestíssimos problemas. Voltemos ao ringue. Desta vez, ao das moças do UFC. Quem viu a TV cronometrou. Bastaram 34 segundos para a americana Ronda Rousey nocauteasse a paraibana Bethe Correia. Os entendidos e todos os pitbichas elogiaram os dois cruzados fatalistas de Ronda. Eu, particularmente, não assisti à luta. Mas, confesso, tenho uma grande  simpatia pela performance das coxas da moça. Não aconselharia ao  brilhante colunista deste blog, José Adalberto Ribeiro, caso entre para o UFC, a se submeter a uma chave de perna de Ronda, golpe bastante comum nesse tipo selvagem de vale tudo corporal.

Ronda ganhou, humilhou com profissionalismo a nossa conterrânea paraibana (serve como consolo,  Bethe ainda tem muita luva pela frente), assegurou o cinturão de campeã, levou para casa os louros e a lasanha (era assim que um antigo diretor de jornalismo dos Associados se referia a dinheiro, o vulgo vil metal) e conquistou, com honra e mérito, a torcida brasileira, mesmo aquela que vibrava com a paraibana.

Antes de dar adeus ao Brasil, Ronda Rousey nos deixou como legado, além da lembrança de seus golpes perfeitos e de suas coxas de Mulher Maravilha, uma frase que conduziria o inimitável  Nelson Rodrigues ao êxtase. Como se sabe, Nelson Rodrigues, entre outras obsessões, era fascinado pela vaia. Não era para menos: como autor teatral foi vaiado durante décadas, até que o Brasil, sempre atrasado na corrida do tempo e dos costumes, chegasse junto com ele ao pódio, e o reconhecesse como um dramaturgo de alta linhagem. Mas qual é a frase de Ronda que deverá estar entre as cem frases sobre vaia que você tem obrigação de conhecer antes de morrer? Com a  simplicidade arrogante de um engenheiro da Odebrecht, ela declarou para todo o país ouvir: “Às pessoas que vaiaram, obrigada pelo barulho. Às pessoas que torceram, eu gosto ainda mais de vocês”.

Nelson Rodrigues, o barulho das vaias voltou, as frases inteligentes e sarcásticas também e a esperança deve ser a última a ser nocauteada. Apesar de nossa sopa de tamancos diária. Ou, como diria o saudoso Marcos Freire (alguém ainda se lembra dele?), não obstante os nossos óbices consuetudinários.

* Jornalista 

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