Justiça : ARTIGO
Enviado por alexandre em 07/02/2015 03:04:25


A desordem na Ordem dos Advogados do Brasil

A desordem na Ordem Dos Advogados Do Brasil

Por Clóvis Correa*

A Ordem dos Advogados do Brasil, instituição da República, que é defensora do Estado de Direito, muito tem que rever o brocardo: “Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”.

Seu nome já diz tudo: Ordem. É a única instituição civil de profissionais destacada no texto constitucional como indispensável à administração da justiça.

Pois bem.

Fui convidado para assistir o processo de escolha da lista sêxtupla do Quinto Constitucional para vaga aberta pela aposentadoria compulsória da ilustríssima Desembargadora Margarida Cantarelli, ocorrido no último dia 03/02/2015. O que vi e presenciei foi estarrecedor!

Como disse o Ministro Ricardo Lewandowski, a Justiça é um pássaro. Uma asa é o Poder Judiciário e outra é a Advocacia. É, por isso, que o advogado atua como particular em colaboração com o Estado. Nesse passo, o Quinto Constitucional enriquece o Poder Judiciário, em virtude de que rompe com o hermetismo corporativista dos magistrados de carreira.

Abordo o tema, com muita prioridade, porque exerci a magistratura, justamente, como representante do Quinto Constitucional. Oportunidade em que integrei o Tribunal Regional do Trabalho da 6ª. Região. E, naquela Corte, tive a honra de ser seu Presidente e me aposentar, voluntariamente, quando ainda possuía 21 (vinte e um) anos de exercício na magistratura, entendendo que deveria dar oportunidade a outros colegas advogados.

No Conselho Federal da OAB, em Brasília, a ausência de liturgia para momento tão importante do Estado de Direito foi desoladora. Durante a apresentação dos candidatos, os Conselheiros Federais atendiam telefone, consultavam as redes sociais, entravam e saiam do plenário, tudo, sem qualquer cerimônia.

Eles próprios sabiam que tudo já estava acertado e quais deveriam ser os escolhidos em função dos acordos. A prova maior disso que afirmo, é que sequer houve uma duplicidade de candidatos por estado.

Quando ocorrem os julgamentos pela Cortes do Poder Judiciário do País, a primeira crítica do advogado é sobre o suposto desinteresse dos Desembargadores ou Ministros quando ocorre a sustentação oral. Os advogados reclamam que os julgadores não prestam nem atenção ao que sustentam oralmente.

Já na Ordem, em total desordem, os digníssimos Conselheiros Federais faziam de tudo. Atendiam telefone, lanchavam, pesquisavam em redes sociais, engraxavam sapatos, dentre outras atitudes de flagrante descortesia com os candidatos. Alguns, passavam mais tempo fora do plenário do que dentro do recinto.

Ao falar da apresentação dos candidatos, é preciso ressaltar que o nosso Conselho Federal da Ordem determinou que o candidato tinha apenas um mísero minuto. Não é crível supor que, nesse ambiente de total desordem, em um único minuto, o candidato consiga a proeza de sintetizar todo o seu currículo.

Por aí, já fica devidamente comprovado que a Ordem não estava interessada em prestar atenção a nenhuma apresentação. Apenas queria cumprir com a formalidade, pura simulação, hipótese prevista no Código Civil Brasileiro como ensejadora de anulabilidade dos atos jurídicos em seu art.167.

E digo isso porque os candidatos já estavam previamente escolhidos. Os Presidentes de Seccionais, em verdadeiro descompromisso com o Estado de Direito, decidiram os candidatos antes.

Comunicaram aos Conselheiros, como um verdadeiro “curral eleitoral”. Sem discussão. E o que digo, vi confirmado em uma Carta subscrita pelo Presidente da Seccional de Pernambuco em meu poder, exigindo o voto exclusivamente em um candidato do seu grupo político.

Entendo que os Presidentes de Seccionais devem ser imparciais e isentos, como verdadeiros juízes, durante todo o processo, sem distinguir nenhum advogado. Mas, lamentavelmente, não é o que aconteceu. Cada Presidente escolhe um único candidato do seu grupo político, em detrimento dos outros.

Não existe a meritocracia, tão exigida pela OAB para o serviço público. É um verdadeiro balcão de interesses de grupos de ocasião. Todavia, um Presidente não deve representar apenas grupo e, sim, todos os advogados inscritos em sua jurisdição.

Presenciei, contra todo esse arcabouço de mazelas institucionais, excelentes apresentações. Como as apresentações das candidatas Luciana Grassano, Silvana Guerra e Virgínia Pimentel.

Dos advogados Geilson Salomão e Rogério Varella. Nenhum, entretanto, constou da lista. O que dizer de um currículo invejável, com mestrado, doutorado, livros publicados, experiência acadêmica, exercício de cargos privativos de juristas de alta relevância. Tudo desprezado, nada foi levado em consideração.

A Ordem, nesse particular, está em uma verdadeira desordem. É desolador presenciar o que vi. Ao exigir a reforma política do sistema eleitoral, a Ordem deveria dar o exemplo e começar a reforma por seu próprio processo interno eleitoral. Mais ainda, o triste espetáculo que presenciei eiva de nulidade todo o processo, pois a lei não exige apenas que as formalidades extrínsecas do ato sejam cumpridas. Atentou-se contra os princípios fundamentais da Constituição Federal, quais sejam, da moralidade, da igualdade entre os candidatos e da impessoalidade. Pura simulação!

A Carta que está em meu poder, do Presidente da Seccional de Pernambuco, é um verdadeiro exemplo de desprezo dessas garantias constitucionais. Mais grave ainda, o Presidente do Conselho Federal Dr. Marcus Vinicius Furtado Coêlho a tudo viu, a tudo soube, a tudo assistiu e, com esses lamentáveis episódios, foi omisso. 

Como a Ordem vai defender o Estado de Direito? Dentro de casa, nas suas hostes, a Ordem, em plena desordem, trata os concorrentes de forma desigual. Não há quem me convença que o candidato “ungido” na Carta está em condições de igualdade com os demais participantes.

O princípio da isonomia é elemento indissociável do Estado de Direito. Sem condições de igualdade entre os concorrentes, não existe processo justo. Participar de uma seleção sem a garantia de um tratamento igualitário não é participar de um processo justo, é simplesmente simular!

E logo essa barbaridade aconteceu na Ordem dos Advogados para a escolha de um representante da Advocacia no Poder Judiciário, em cumprimento de uma cláusula pétrea de nossa Constituição Federal. É lamentável tudo om que assisti durante todo o dia de 03.02.2015.

O que deveria existir é a apresentação de cada candidato, com tempo mínimo de 15 minutos, sendo atribuída a nota, imediatamente, por candidato, na urna e, no final, somadas as referidas notas, teríamos a real escolha dos melhores candidatos.

Com esse critério, todos os ilustres Conselheiros teriam que estar atentos a apresentação de cada candidato, porque logo após, teriam que atribuir a nota correspondente a sua legítima avaliação. Essa é a minha modesta contribuição para o aperfeiçoamento da escolha dos melhores candidatos ao Quinto Constitucional.

* Desembargador aposentado do TRT 6ª e Advogado inscrito na OAB PE

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