Há pelo menos 148 quilombos titulados na Amazônia brasileira, ou menos de 10% do total que poderia ser formalizado na região, mostram dados de 2023. Além de preservar modos de vida e fortalecer culturas, esses territórios têm funções ambientais importantes.
Um estudo publicado nesta semana na revista Nature Communications Earth and Environment indica que comunidades afrodescendentes no Brasil, Colômbia, Equador e Suriname exercem um papel fundamental na conservação da floresta amazônica.
Conforme o levantamento, o desmatamento em seus territórios é até 55% menor em comparação com outras áreas, mesmo sem apoio institucional ou reconhecimento pleno de seus direitos territoriais.
Mais detidamente, os dados revelam que o corte de florestas é 29% menor dentro de áreas protegidas, 36% menor fora dessas zonas e até 55% inferior em suas bordas, quando sob gestão de comunidades afrodescendentes.
Esses dados reforçam que a gestão comunitária dos territórios é uma aliada poderosa da conservação da biodiversidade e do combate às mudanças climáticas, apontam os autores da pesquisa.
Conduzido pela ong Conservação Internacional, MIT (sigla em Inglês do Instituto de Tecnologia de Massachusetts), Museu Smithsonian e universidades da Flórida e de Nova York, o estudo analisou 9,9 milhões de ha sob gestão de povos afrodescendentes, como quilombolas.
Além de controlar o desmate, o manejo dessas áreas contribui para um efeito climático. Apesar de somarem 1% da superfície dos quatro países, as regiões armazenam 486 milhões de toneladas de carbono.
Desafios para a legalização dos territórios
Mesmo com resultados expressivos como esses, a maior parte dos territórios que seriam de afrodescendentes ainda não possui titulação legal dos governos, tornando-os vulneráveis a invasões, especulação fundiária e exclusão de políticas públicas.
“Essas comunidades são guardiãs da biodiversidade há séculos, com práticas que o mundo só agora começa a entender, mas continuam invisíveis nos espaços onde se tomam as decisões ambientais globais”, aponta Martha Cecilia Rosero Peña, diretora de Inclusão Social na Conservação Internacional.
Segundo o estudo, o papel ambiental de afrodescendentes remonta aos tempos coloniais, quando pessoas escravizadas moldaram uma agricultura com espécies nativas e cultivadas que associava saberes tradicionais africanos e condições ecológicas da América Latina.
Lideranças como Hugo Jabini, do povo Saamaka no Suriname, reforçam que essa conservação também é espiritual. “Nossa conexão com a terra é profunda. Esperamos que os governantes deixem de nos ver como meros demandantes de território, e passem a nos enxergar como aliados na proteção das florestas”, disse.
Diante desse cenário, a Conservação Internacional defende a titulação célere dos territórios afrodescendentes, o financiamento de suas ações de conservação e a incorporação de suas práticas nos tratados globais sobre biodiversidade e clima. Isso alinharia justiça social com eficiência ambiental, avalia a organização.
“A liderança dessas comunidades não diz respeito apenas ao passado, também é parte central da construção de um futuro climático mais justo, equilibrado e sustentável”, destacou Rosero Peña.
Confira aqui o estudo completo. Ele chega após o reconhecimento formal do papel de afrodescendentes na conservação da biodiversidade, ano passado, na COP 16 da Convenção sobre Diversidade Biológica, e no momento em que o Brasil se prepara para sediar a COP 30 da Convenção do Clima, em Belém (PA), em novembro.