Coluna Mulher : Mulheres contam como reconstrução dentária recuperou sua autoestima após episódios de violência
Enviado por alexandre em 20/10/2023 14:23:59

Foto: Reprodução

Vítimas são atendidas pelo projeto Apolônias do bem, criada pela ONG Turma Bem, do dentista Fábio Bibancos

A cola que grudava o dente quebrado da cuidadora de idosos Francisca Balbino, de 58 anos, escondia as agressões cometidas pelo ex-companheiro, logo nos primeiros meses da relação de quatro anos. “É para você aprender que não se dá beijinho em macho”, esbravejou ele, referindo-se ao hábito da companheira de cumprimentar os homens da família. “Estar num relacionamento violento não é algo que se possa resumir em palavras, nem escrever em um livro. Só tem uma maneira de saber: sofrendo a infelicidade de vivê-la”, diz Francisca.

 

Ela é uma das 33,4% das brasileiras com 16 anos ou mais que já passaram por episódios de violência provocados por parceiros íntimos ao longo da vida. O dado é de uma pesquisa conduzida pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que também apontou um agravamento do problema nos últimos 12 meses. “A essência da violência contra a mulher reside na crença da subordinação feminina, construída e reforçada ao longo de séculos”, explica Silvia Chakian, promotora de Justiça do Ministério Público de São Paulo.

 

Empenhado em aplacar os efeitos “do machismo e da misoginia no país”, o dentista Fábio Bibancos lidera o “Apolônias do Bem”, projeto criado em 2012 em sua ONG, Turma do Bem. A iniciativa, que é homônima à padroeira dos dentistas — personagem morta no ano 249 após ser espancada e ter seus dentes arrancados — prevê restaurar a dentição de mulheres impactadas pela violência. “É um trabalho que não foca só na estética, mas, especialmente, em devolver dignidade para elas, torná-las inteiras novamente”, pontua o profissional, que contou sobre os 1.100 sorrisos já transformados em evento sobre saúde bucal e voluntariado realizado no Rio, na última quinta-feira e nesta sexta. Confira, a seguir, a história de Francisca e outras duas mulheres que se beneficiaram do programa.Francisca balbino, 58 anos, cuidadora de idosos

 

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Em 2015, aos 50 anos, desempregada e sem reservas financeiras, a carioca decidiu se mudar do Rio para morar com a mãe em Caxambu, no interior de Minas Gerais, e abrir uma pensão. Proprietário do espaço alugado por elas, seu agressor começou a dar investidas, num período de pouca autoestima. “Não me envolvi no início, mas quando vi ele sendo carinhosos e gentil comigo, uma mulher que pesava 140kg, pensei: ‘nossa, ele realmente gosta de mim’”

 

Dois meses após decidirem morar juntos, o carinho do ex-companheiro transformou-se em possessão. Francisca ficou em cárcere privado, com autorização para sair apenas uma vez por mês para ir ao supermercado. Seus dois filhos e o restante da família não faziam ideia da situação. “Estava todo mundo feliz, não me achei no direito de levar esse problema para a vida deles. Não sorria, porque meus dentes denunciavam meu sofrimento”, recorda-se.

 

Francisca fugiu de casa no fim de 2019, e voltou ao Rio em busca de trabalho. Consertar os dentes era a prioridade na época, e sua dentista a inscreveu para o Apolônias do Bem. “Precisava retomar a minha capacidade de sorrir. Hoje, estou preparada para sentir a felicidade em sua plenitude”, conclui.

 

Agatha Tariga, 42 anos, ativista

 

Agatha Tariga — Foto: Catarina Ribeiro

 

Agatha Tariga não podia estender seu tempo no dia das fotos deste ensaio. Precisava assinar a carta de posse de uma sala no Instituto Nise da Silveira, em Engenho de Dentro, Zona Norte do Rio, que funcionaria como “ambulatório trans” para projetos focados neste público. “Não quero que me vejam como uma vítima da sociedade, apesar de saber que fui. Quero que enxerguem quem me tornei”, frisa a gaúcha, que está se profissionalizando como cabeleireira.

 

A ativista virou a página do histórico de violência que sofreu ao longo da vida, desde os 11 anos, quando foi estuprada e infectada pelo vírus HIV. Passou pelas drogas, pela prostituição e pela prisão. “Infelizmente, esse é o mundo a que trans e travestis são submetidas”, comenta.

 

Um jornalista conhecido sugeriu que Agatha procurasse o Apolônias do Bem, depois de ter sido espancada por um grupo de homens transfóbicos, em 2021, no Rio. O episódio comprometeu toda a sua dentição, já precarizada por outras situações violentas. “Realizei muitos sonhos, e um deles foi ter os meus dentes de volta.”

 

Jocimara Costa, 40 anos, camareira

 

Jocimara Costa — Foto: Catarina Ribeiro

Fotos: Reprodução

 

A autoestima de Jocimara havia se perdido ao longo dos 16 anos em que esteve num relacionamento conturbado com o ex-marido. “Além de me bater, chutar e obrigar a ter relações sexuais, ele me chamava de gorda, dizia que eu era feia. Passei muito tempo não me reconhecendo no espelho. Estou me sentindo linda agora”, diz a carioca, às lágrimas.


Jocimara deu um fim ao relacionamento quando decidiu sair da própria casa com as filhas. “Passei 15 dias numa tia. Ao voltar, ele disse que eu não iria sair. Preferi ter paz em outro lugar.”

 

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Foi por meio de uma ONG que dava assistência a crianças que a camareira conheceu o Apolônias do Bem. “Tive vergonha de sorrir no início do tratamento, mas depois comecei a me sentir muito à vontade. Foi tudo maravilhoso. Não preciso mais esconder meu sorriso.” 

 

Fonte: O Globo

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