No mês passado, após um “almoço institucional” que reuniu representantes dos Três Poderes para discutir novas regras para emendas parlamentares, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, afirmou que houve um “consenso possível”, após um “diálogo franco” entre as autoridades. O episódio representou uma constante durante a primeira metade da gestão de Barroso no STF, que será completada no próximo dia 28: uma tentativa permanente de reduzir as tensões, principalmente com o Congresso, mas sem renunciar a determinadas pautas consideradas caras.
Barroso admite que houve “algum grau de tensão” nesse período, mas afirma que essas divergências fazem parte da democracia e que as relações entre Poderes são “harmoniosas”.
— Temos um excelente diálogo e tentamos construir consensos sempre que possível. Mas nem por isso cada um deixa de cumprir o seu papel. E o papel do STF é garantir o cumprimento da Constituição. Isso pode trazer algum grau de tensão, mas faz parte da democracia ter divergências que sejam absorvidas institucionalmente — disse ao GLOBO.
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Um dos principais embates ocorreu devido ao julgamento que descriminalizou o porte de maconha para uso pessoal e estabeleceu o critério de até 40 gramas para diferenciar usuários e traficantes.
Barroso fez questão de concluir a análise dessa ação, colocando-a em pauta assim que era liberada, após seguidos pedidos de vista. Ele também fez um esforço para destacar o ponto do julgamento sobre a diferenciação entre usuário e traficante, para evitar a ideia de que a Corte estaria legalizando a droga.
Agora, o ministro cita a decisão como uma das importantes tomadas nos últimos 12 meses, dizendo que ela impede o “hiperencarceramento de jovens pobres e negros de periferia, em razão de pequenas quantidades de drogas”.
O processo, no entanto, causou reações no Legislativo, que considerou uma invasão de competência. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), apresentou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) proibindo o porte em qualquer circunstância. O projeto foi aprovado no Senado e na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, e agora aguarda para ser analisado em uma comissão especial.
Também houve reações no Congresso contra a derrubada do marco temporal das terras indígenas (ocorrido no fim da gestão de sua antecessora, Rosa Weber) e contra decisões do ministro Flávio Dino que suspenderam o pagamento de emendas.
No primeiro caso, o ministro Gilmar Mendes iniciou uma conciliação, movimento apoiado por Barroso, mas criticado por indígenas.
— Conciliação, sempre que possível, é melhor do que conflito, porque em conflito sempre há vencedores e há vencidos — afirmou Barroso, no mês passado.
Em outro momento de tensão com o Legislativo, o presidente da Corte discursou no começo de uma sessão, no fim do ano passado, contra uma PEC aprovada no Senado que limita os poderes do STF. O projeto acabou ficando paralisado na Câmara.
Por outro lado, há uma relação de proximidade com o Executivo, com gestos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva por uma aproximação com a Corte. No Sete de Setembro, por exemplo, Lula convidou Barroso e outros ministros para assistir ao desfile, e depois para um almoço no Palácio da Alvorada. Também já ocorreram dois jantares do presidente com magistrados.
O cenário levou o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a reclamar de um "dois a um " na relação entre os Poderes, em uma referência ao que seria, para ele, uma tabelinha entre Judiciário e Executivo para escantear o Legislativo.
Barroso ainda evitou outro atrito ao adiar o julgamento sobre a descriminalização do aborto. O ministro costuma dizer que é favorável à medida, mas que considera que a sociedade não está madura para o debate.
Para a segunda metade do mandato, Barroso afirma que quer reduzir a judicialização em áreas como a trabalhista e setor de saúde.
— Para este próximo período, pretendo me dedicar à redução da judicialização em outras quatro áreas: trabalhista, saúde, aviação e construção civil. Ainda temos muitos entraves a serem solucionados para a melhor eficiência da Justiça — adianta.
O presidente do STF também já disse que pretende pautar em breve ações que discutem a regulamentação de redes sociais. O entendimento é que, como o Congresso não atuou nesse tema, o STF não pode deixar de agir.
DERROTAS INTERNAS
Neste período, o plenário julgou 12 processos em que Barroso optou por continuar na relatoria — ao assumir a presidência, um ministro repassa a maior parte dos casos, mas pode manter os que estão prontos para serem julgados.
O presidente teve vitórias em 10 desses casos, incluindo a autorização para prisão imediata após um tribunal do júri e a determinação de transporte gratuito no dia das eleições.
Barroso, contudo, acabou derrotado em dois julgamentos importantes: o que debatia o uso de banheiros por pessoas transexuais e o que discutiu uma mudança na remuneração do FGTS.
No primeiro processo, a maioria dos ministros considerou que a ação nem mesmo deveria ser analisada pelo STF, sob protestos do presidente, que considerou que há uma discriminação inconstitucional. No segundo, venceu a posição defendida pelo governo, de correção pela inflação, e não pela caderneta de poupança, como sugerido por Barroso.
LINGUAGEM SIMPLES E DEFESA DE COLEGAS
Barroso também aplicou algumas mudanças nos ritos internos do STF. A principal foi a criação de um novo modelo de análise das ações, que tem sido utilizado em parte dos casos: a realização de uma sessão exclusiva para a apresentação das sustentações orais. A ideia é que os ministros possam refletir sobre os argumentos apresentados, e o julgamento ocorre posteriormente.
Adepto de um estilo didático, Barroso também defende nas sessões um "pacto pela linguagem simples", questionando o uso de termos jurídicos complicados pelos colegas.
O presidente ainda defendeu colegas em episódios em que foram criticados, como as viagens de Dias Toffoli e as mensagens de assessores de Alexandre de Moraes, e também rebateu ataques do empresário Elon Musk contra a Corte.
Barroso mantém boas relações com os colegas, inclusive com Gilmar Mendes, com quem já protagonizou uma das mais célebres discussões no plenário. No ano passado, os dois apresentaram um voto conjunto no julgamento do piso salarial nacional de profissionais de enfermagem — foi a primeira vez que isso ocorreu na história do STF. Recentemente, os dois repetiram a prática na análise sobre o fornecimento de medicamentos de alto custo.
O presidente do STF ainda tem dado atenção à inteligência artificial (IA), um dos temas do seu último livro. No ano passado, a Corte fez um chamamento público para selecionar protótipos de ferramentas que possam criar resumos de processo. Em agosto, Barroso assinou um acordo de cooperação técnica com o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4) para o desenvolvimento de uma ferramenta com objetivo semelhante.
Barroso tem uma relação próxima com o vice-presidente do STF, Edson Fachin, que costuma participar das agendas vinculadas à Presidência, o que deve garantir uma transição suave. Para a próxima gestão, contudo, a expectativa é de uma mudança de postura, devido ao perfil mais discreto de Fachin.
Fonte: O Globo