Por que 1º de abril é considerado o Dia da Abolição da Escravidão Indígena no Brasil
Ao longo dos séculos de regime escravocrata no Brasil Colônia e no Brasil Império, a historiografia costuma negligenciar a participação da mão de obra indígena. Ao longo dos séculos de regime escravocrata no Brasil Colônia e no Brasil Império, a historiografia costuma negligenciar a participação da mão de obra indígena.
Afinal, se é amplamente conhecido que foram milhões os africanos trazidos compulsoriamente para trabalhar como escravizados — estimativas recentes costumam chegar a números próximos de 5 milhões — poucas são as informações sobre a escravidão dos povos originários. Historiadores contemporâneos, contudo, têm se dedicado a esmiuçar também essa vertente da violenta exploração colonial.
Entre estudiosos do tema, já é consenso de que houve muita escravidão indígena em todo o território que hoje é Brasil — às vezes de forma disfarçada, às vezes de forma muito semelhante à praticada com os africanos.
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E embora seja impossível cravar um número, esses pesquisadores acreditam que foram milhares, talvez milhões — sobretudo nas regiões mais pobres e vistas como periféricas na lógica econômica da América Portuguesa."Do ponto de vista da memória, é papel nosso continuarmos falando sobre isso porque o país não foi construído apenas por um tipo de mão, um tipo de opressão.
Estamos falando de um processo múltiplo e os povos indígenas participaram tanto dessas violências como de todos os trabalhos e resistências", afirma à BBC News Brasil o historiador João Paulo Peixoto Costa, professor na Universidade Estadual do Piauí e no Instituto Federal do Piauí e coordenador do blog 'Indígenas na História: Sempre Obrigados Ao Trabalho'.

Ele conta que "ainda hoje escuto alunos que aprenderam no Ensino Fundamental que indígenas não trabalhavam porque eram preguiçosos e por isso os africanos foram escravizados, que estes tinham constituição física adequada para tanto. Isso é o racismo no sentido mais puro: você falseia a história baseando-se em condições biológicas. Nada disso é verdade. O que teve foi violência para todo lado, assim como teve resistência para todo lado", enfatiza Costa.
Na prática, o emprego da mão de obra indígena de modo compulsório fez parte da realidade do hoje Brasil desde a chegada dos portugueses até o século 19. O que acontece é que essa questão estava no centro de quedas de braços entre os colonos, a Coroa e a Igreja.
E as idas e vindas que ora autorizavam, ora proibiam — mas quase sempre com vista-grossa — esse tipo de prática partiam de discussões sobre direitos básicos que chegavam a questionar até mesmo se o indígena era um ser humano ou não e acabavam cedendo em benefício dos mais poderosos.

De acordo com Prado, esse termo deriva do direito romano. "Pode ser uma guerra ofensiva ou defensiva. Era autorizada, pela Coroa ou pelos governadores, em casos em que os indígenas se recusavam a serem convertidos [ao catolicismo], praticassem antropofagia ou impedissem a passagem, atrapalhassem o comércio, o deslocamento, os esforços de colonização", diz a historiadora.
Também poderia ser uma guerra defensiva, ou seja, no caso de ataque de tribos indígenas contra assentamentos de colonizadores europeus. "Neste caso, estava autorizado [pela lei portuguesa] que os sobreviventes fossem escravizados", pontua ela. Cento e dez anos depois, em 1º de abril de 1680, foram publicadas duas decisões da corte portuguesa que afetaram a questão. A portaria de liberdade dos indígenas seria um documento de certa forma os eximindo da escravidão. É por isso que a data se tornou importante.
Só que na mesma data saiu também um alvará chamado de "regimento das missões". "Autorizava a vinda de religiosos da Companhia de Jesus ao Brasil", contextualiza à BBC News Brasil o historiador Costa.
"Ao mesmo tempo em que a Igreja, entre aspas, defendia os povos indígenas, dizendo que eles tinham alma e por isso não podiam ser escravizados, nos aldeamentos [mantidos por religiosos], os indígenas tinham de fazer todos os serviços. Aprendiam a rezar, mas também faziam roupa, plantavam para alimentar os colonizadores e o clero… E se resistissem, levavam chibatada", pontua à BBC News Brasil a historiadora Márcia Mura, integrante do movimento plurinacional Wayrakuna e da articulação das indígenas Mulheres Mura, além de professora de escola estadual em comunidade no Baixo Madeira, em Rondônia.
De acordo com pesquisas da historiadora Prado, além da chamada "guerra justa", havia um outro argumento que costumava ser aceito para legitimar perante a lei a escravidão indígena: alegar que aquele indivíduo havia sido resgatado como prisioneiro de alguma tribo e que seria vítima de ritual antropofágico.
Ela conta que na estrutura colonial havia um processo montado para a chamada escravidão indígena legal. "Os [capturados] escravizados eram levados para um local chamado curral. Ali ficavam agrupados até ter número suficiente para serem levados para outro lugar, que era o arraial", explica.
"Lá havia um padre, um jesuíta, que devia fazer o chamado exame de cativeiro. Ele supostamente perguntava para o indígena se ele tinha sido escravizado de maneira legal, ou seja, se era prisioneiro que seria morto em um ritual antropofágico", conta ela, lembrando que aí seria configurado como um escravizado por resgate.

Fotos: Reprodução
A historiadora lembra, contudo, que parece ser impossível que um religioso conhecesse toda a vasta gama de idiomas indígenas praticados no território para conseguir inquirir assim essas pessoas. Cabia ao religioso registrar essas informações em um documento, que era chamado de "certidão de cativeiro".
"Quando indígena era escravizado por guerra justa, costumava ser leiloado. Já os 'resgatados' costumavam ser trocados por facões, anzóis, tecidos de algodão", detalha ela. "O senhor ficava com o certificado de escravidão. […] Havia toda uma estrutura."
AMIGOS E INIMIGOS
Oficialmente, a escravidão indígenas teve alguns marcos legislativos de 1500 para cá. A explicação mais razoável é que, diante da ampla variedade e povos e etnias originárias que habitavam a região onde hoje é o Brasil, os colonizadores precisaram fazer alianças e, ao mesmo tempo, criaram inimizades.
Costa explica que isso se tornou mais importante sobretudo a partir da segunda metade do século 17, quando Portugal via "a necessidade de aumentar o controle metropolitano" e, ao mesmo tempo, buscava uma "expansão territorial da colônia na América".
"E havia crise no açúcar", comenta. "Como tentativa de solucionar a crise, foi incentivada a entrada, cada vez maior e mais frequentes, nos sertões, nas regiões mais interioranas", explica.
Fonte: G1