O RAPOSÃO

Data 18/10/2021 23:20:00 | Tóopico: Brasil

Ex-senador Odacir Soares o Raposão
HISTORIANDO Com Júlio Olivar
Senador Odacir Soares, O Raposão
Odacir Soares faleceu aos 80 anos em 2019. Marcou época como senador da República por dois mandatos (1983/1999), sendo secretário da mesa do Senado e signatário da atual Constituição.
Acabou tendo sua imagem arranhada quando foi líder do Governo Collor de Mello — e apagou as luzes, ou seja, foi até o último segundo junto com o então presidente “impeachmado”. Manteve na parede de seu escritório a foto autografada de Collor até o fim da vida.
Trabalhei para Odacir durante uma temporada, como seu assessor de imprensa, além de ser diretor de jornalismo de sua rádio na capital de Rondônia, na época a maior rede radiofônica, com oito emissoras espalhadas por todo o Estado.
Como o conheci de perto, tive acesso à parte de seus arquivos e quis publicar um livro contando suas histórias. Ele chegou a ler uma sinopse que escrevi da pretensa biografia e disse-me: “Depois que eu morrer você publica. Agora não”. E tomou-me uma pasta cheia de recortes de jornal, fotos e documentos que eu tinha para as pesquisas.
Ele foi o político mais longevo da história de Rondônia, mais de meio século de atuação - desde que ocupou a função de secretário de segurança em 1967 até sua morte.
Foi prefeito de Porto Velho, deputado federal e senador e exerceu diversos cargos no governo estadual. Odacir foi um parlamentar de verve rica, muita vivência e com amplo conhecimento acadêmico.
Liberal e acima de siglas partidárias, foi da Arena ao PPS na mais perfeita contradição que o caraterizou, sempre combatido pelos ditos progressistas por conta das posturas políticas conservadoras e um tanto pragmáticas. Houve um tempo em que ele era chamado de “Raposão” pelos cronistas que o consideravam um grande articulador.
Inegavelmente, Odacir tinha predicados intelectuais para sustentar debates de alto nível, e assim se fazia ouvido até por quem o contestava. Conhecia a fundo temas os mais complexos como a economia, o direito e a sociologia. Também era um grande apreciador e conhecedor de artes plásticas.
Advogado brilhante, professor e jornalista, nasceu no Acre, formou-se e trabalhou no Rio de Janeiro, conheceu todo o Brasil e vários países, morou a maior parte de sua vida em Porto Velho. Trabalhou como redator e repórter da extinta revista “Manchete”, do Grupo Bloch, no Rio de Janeiro, a serviço da qual aportou em Rondônia. Foi também dono da Faculdade FARO, co-fundador da OAB, Caerd, Fundacentro (embrião da UNIR) e outras instituições.
Apresentava-se trajado com esmero e elegância em atos solenes, não abandonando suas bordaduras de ouro e o lenço de seda no bolso do paletó. Gostava de assinar com Mont-blanc. No trato pessoal, era irônico, um tanto arrogante às vezes e apreciador de boa gastronomia. Mas gostava também de música e a cultura populares.
Fiz a entrevista em 2005, sem nenhum filtro, nem edição no texto final transcrito da gravação. Na época eu já não trabalhava com ele, mas almoçávamos às vezes, sempre em meio a muitas histórias e bom humor, ele sempre me apresentando aos outros como “meu permanente assessor, só que agora sem remuneração”.
Eu pretendi uma conversa quase informal. Foi assim:
🎙Senador, eu não quero falar tanto de política, senão o senhor rouba a cena e começa a discursar (risos). Posso falar um pouco de amenidades?
ODACIR — Você pode falar o que quiser. Estou às ordens.
🎙 O senhor sabe que o chamam de “Raposão” nas suas costas?
ODACIR — (Risos). Ainda bem. Tem políticos que são tratados como outros bichos. Mas, falando sério, interpreto até como elogio esse epíteto. Quando falam que sou o “Raposão” querem dizer que artículo bem, que sou esperto. Claro. Na política jacaré que dorme na praia vira bolsa de madame. Mas há controvérsias sobre minha esperteza (risos).
🎙 Quem inventou o apelido?
ODACIR — Acho que eu sei quem saiu com essa, mas não quero dar o crédito (risos).
🎙Acho que foi o jornalista Carlos Sperança.
ODACIR — Ou o [jornalista] Paulo Queiroz. Eu não me lembro.
🎙 O senhor é visto como um dos políticos mais cultos do Estado. Isso mais ajuda ou mais atrapalha?
ODACIR — Cultura é subjetivo. Talvez eu seja bem informado porque é minha obrigação como advogado e jornalista.
🎙 O senhor lê muito?
ODACIR — Gosto de ler, e vejo poucos políticos lendo. O que é lamentável. Há uns dias eu estava no avião lendo um livro e encontrei-me com um senador. Ele me exclamou: “Você ainda tem tempo para ler!” Ora! Bizarro seria eu não ter tempo para ler. Não gosto da ideia de navegar na superficialidade e, para mim, é uma questão de respeito você colocar-se à disposição com o preparo necessário para atuar condignamente naquilo em que se propõe e tem capacidade para fazê-lo. Em quê o conhecimento me atrapalharia?
🎙 O medíocre tem lá seus benefícios. Pensar cansa. Ele pode muito bem atuar só com seu carisma, que independe de cultura. O senhor foi certa vez na Assembleia Legislativa e começou a falar da geoeconomia e ninguém o aplaudiu. Um deputado estadual leu um poema ridículo em homenagem aos lavradores e quase o carregaram nos braços. Teve algo assim, lembra-se?
ODACIR — Isso é lenda. Minha comunicação é simples. O meu pensamento é que é aguçado, minha escrita etc.
🎙 Falando nisso, há muitas lendas envolvendo o senhor. Muitas estórias, com “e”.
ODACIR — Você sabia que estória caiu em desuso? Agora tudo é com “h”. Precisa se informar.
🎙 Eu não sabia.
ODACIR — Li em algum lugar. E o que mais você não sabe?
🎙 O entrevistado não sou eu (risos). Mas entendi sua ironia. Realmente eu não sei de quase nada. Mas sei que o senhor não deixa escapar as observações e alfinetadas e também sei que fugiu da minha questão: que existem muitas lendas em torno do senhor. Vamos falar sobre elas?
ODACIR — Não espalha (risos). Olha, somente quem tem alguma projeção é falado. Nos tempos do Collor eu vivia sendo vítima das charges, mas encarava tudo com espírito democrático e bom humor.
🎙 Mas não estou falando somente de política. Dizem que o senhor é namorador e que não dispensa um bom uísque, por exemplo.
ODACIR — Quem diz?
🎙 Muita gente. Por exemplo, o jornalista Mário Calixto, dono do jornal “O Estadão do Norte”, falou muito disso para afetá-lo. Escancarou nas manchetes adjetivos pouco honrosos ao senhor. E aí?
ODACIR — Você disse bem. Para me afetar. Só pra isso. Uma ressalva: ele não atuou como jornalista isento. Ele era candidato a suplente de senador, logo, meu adversário naquela ocasião. Eu o processei pelas injúrias publicadas. Era uma questão política que ele levou para o lado pessoal. Eu, líder do Governo Collor; o senador Amir Lando, aliado do Calixto, o relator da CPI. Aí faziam tudo para me desmoralizar.
🎙Mas é certo que o senhor aprecia um bom uísque, é boêmio. Paradoxalmente, também é um católico fervoroso que gosta de ir às missas nas manhãs de domingo. Sabe todos os cânticos de louvores.
ODACIR — Ora, mas não existe paradoxo. Muito menos pecado (riso). Na santa-ceia se se serve vinho. Sim, eu sou um adepto de Roma, logo uma ovelha, e não um Raposão como teimam alguns (riso). O político e o cidadão se fundem, mas cada qual conserva suas necessidades existenciais. Minha fé, minha vida social, minha religiosidade, minha militância e o exercício da cidadania são próprios de alguém que vive sem reservas e sem restrições, sou livre. E esse é o maior atributo de um ser humano.
🎙 O senhor citou Collor de Mello há pouco. Arrepende-se de ter sido seu líder no Senado?
ODACIR — Eu era governista e aliado de Collor deste o início daquele mandato, em 1990. Situação que me favoreceu em muitos pleitos para Rondônia. Creio que a população é capaz de fazer a leitura, porque traí-lo seria uma desonra para mim. Portanto, não há arrependimentos. Eu fazia parte do que a imprensa chamava de tropa de choque do presidente e não poderia pedir minha destituição no ápice da crise para passar a atuar com demagogia na oposição. Quem tem o bônus arca com o ônus. Fui seu líder e como jurista e legislador posso garantir: foi injusto ele ter sido defenestrado por conta de um Fiat Elba. Bizarro! O tempo me deu razão.
🎙 Aliás, o senhor sempre foi governista. Ou não? Durante a Ditadura Militar o senhor era o veemente adversário do MDB liderado pelo deputado Jerônimo Santana; o senhor foi presidente da Arena no Estado e nomeado prefeito de Porto Velho pelos governadores militares. No seu primeiro mandato como senador, era aliado e amigo do presidente João Baptista Figueiredo. O senhor se considera democrata? Agora com Lula no poder, não pensou numa aproximação?
ODACIR — Não me considero democrata, porque considerar a mim mesmo poderia ser uma falsa reflexividade. Eu sou de fato um democrata, sem dúvidas. Sou em essência o jovem jornalista questionador, que entrevistava líderes socialistas como Miguel Arraes e capitalistas como Magalhães Pinto; e por definição sou advogado, aquele que defende o contraditório. São forças das contingências essas que você cita. Ou seja, não se pode fazer o enfrentamento fortuito, pois ele não leva a nada, e isso não é política para mim. Política é uma ciência um tanto subjetiva mas que requer resultados objetivos, não é o mesmo que produzir para a academia, que admite teses para ficarem na gaveta, sem prejuízos ao conjunto da sociedade. Política não é editorial de jornal onde se julga e se sentencia ao arbítrio do dono do veículo. Eu não sou maniqueísta — o que execra a outra parte achando-a absolutamente sem valor. Convirjo. Dialogo. Sempre convivi bem com meus adversários, não preciso anulá-los pois sei que a história se faz sem atropelos e cada qual acaba assumindo o que é, segundo a sua importância. Então, é preciso você ter estratégias para atuar de modo a assegurar que seus projetos possam chegar à concretude e não se perderem nas oratórias, nas boas intenções e muito menos no vácuo das divergências menores.
🎙 Seu sonho frustrado foi o de ser governador?
ODACIR — Não, não há frustrações. Concorri para governador em 1986 muito mais com a intenção de ter um espaço para propagar princípios e ideias para melhorar a vida do povo, sobretudo transformar Porto Velho numa capital moderna urbanisticamente, exercer a autoridade que faltava no Executivo; tratei de temas que uma disputa a um cargo parlamentar não possibilita. Modéstia à parte, teríamos conduzido um grande mandato se tivéssemos vencido, contudo, creio que aquela era a hora do PMDB que elegeu 22 [do total de 23] governadores em 86. Na época eu estava no PFL.
🎙Mas o senhor tem alguma frustração?
ODACIR — Rapaz, ou você está com a autoestima baixa falando de frustrações ou está querendo fazer disso aqui um divã. (Risos)
🎙 Não. Eu estou fazendo disso aqui uma confissão. Mas como nem eu sou padre e nem o senhor tem pecados, está difícil tirar mais informações do senhor (risos).
ODACIR — Olha bem, nada me frustra na medida em que tenho a consciência tranquila. No Congresso dei o meu melhor, o Poder Legislativo tem um corpo técnico altamente eficiente e que atua com celeridade, aprendi muito e tive o suporte para atuar no parlamento como se deve. Alguma frustração hipotética não é com a minha atuação como político e muito menos por conta das eleições que não venci. Mas, claro, existe algum desapontamento com a realidade brasileira. Por exemplo, fico incomodado com a situação de prostração do judiciário brasileiro. Seja aqui ou em qualquer ponto do mundo, há corrupção. Mas, na Europa, nos Estados Unidos, os políticos bandidos vão presos. Aqui a justiça é morosa, tolhendo a esperança de muita gente que vê os casos de corrupção sendo noticiados todos os dias e já não causando mais impacto na sociedade, que parece acostumada e sem esperanças de que se faça justiça.
🎙 O senhor diz que o Poder Legislativo é célere e eficiente em sua atuação. Mas na verdade, boa parte dos escândalos que o senhor diz que o Judiciário não pune vem do Congresso.
ODACIR — A estrutra sim é eficiente, as respostas que a sociedade exige são dadas. O Senado é absolutamente formal e exemplo de como as instituições deveriam funcionar. O que não impede que existam senadores ruins, pois uma coisa é a instituição le outra é fauna que a compõe (risos). Ocorre também atropelos. O Executivo concentra muita força e, de certa forma, ainda legisla através de medidas provisórias e de decretos. Há um distanciamento entre os poderes. Não deveria ser assim, afinal o Executivo já tem atribuições e prerrogativas demais, tinha que ser eficiente nas relações com o Congresso e deixá-lo legislar. Há muitos desencontros e decisões unilaterais. Nem os ministros mais importantes conseguem falar e despachar com o presidente Lula, que parece viver numa redoma em seu próprio governo. O Brasil precisa tanto rever a sua visão global e também as questões internas! Precisa combater, sobretudo, o endividamento que é o que mais preocupa; o Brasil precisa de pautas que repercutam no longo prazo, ou seja, precisa de planejamento.
🎙 Acabamos falando só de política.
ODACIR — Mas teremos outras oportunidades. Por hoje está bom, né? E do que mais você gostaria de falar?
🎙 Dos seus gostos. O senhor gosta de boa mesa e dizem que não abre mão de um mordomo. Que não dirige e só anda com motorista. É um homem sofisticado.
ODACIR — Lendas urbanas. Ora, nada disso tem importância. Eu gosto de banana, de gente alegre e que tem algo a dizer. Fujo dos chatos, gosto de conversar amenidades, das fofocas (risos).
🎙 Muito obrigado. Aprendo muito com o senhor.
ODACIR — Aprende comigo, mas está num partido de oposição a mim (risos). Brincadeira. Somos amigos. O bom é que sempre aprendemos uns com os outros.
#julioolivar #collordemello #anos90 #politicabrasileira





Este artigo veio de Ouro Preto Online
http://www.ouropretoonline.com

O endereço desta história é:
http://www.ouropretoonline.com/modules/news/article.php?storyid=91000