Desastres hidrológicos são os mais recorrentes na Amazônia Legal nos últimos 28 anos

Data 25/04/2025 00:51:10 | Tóopico: Brasil

Os riscos desses acidentes ainda ameaçam comunidades ribeirinhas e costeiras devido ao contato direto com o rio e o mar.

A Amazônia Legal tem se mostrado cada vez mais vulnerável aos desastres naturais influenciados pelas mudanças globais do clima. De 1995 a 2024, houve um aumento de 1.789% nos registros de eventos climáticos na Amazônia: foram 1.425 ocorrências no ano passado, contra 37 no início da série analisada pela InfoAmazonia, com base nos dados do Sistema Integrado de Informações de Desastres da Defesa Civil.

Os eventos hidrológicos, como enxurradas, inundações e alagamentos, são os mais recorrentes na região, representando aproximadamente 64% de todos os desastres naturais. Ainda segundo dados do Sistema Integrado de Informações de Desastres da Defesa Civil, foram contabilizados 3.430 desastres desse tipo entre 1995 e 2024. Esta predominância está diretamente ligada à relação das cidades amazônicas com os rios.

O Pará lidera o ranking de desastres hidrológicos na Amazônia Legal, com 1.147 registros entre 1995 e 2024 (33% do total). Em seguida, temos Amazonas, com 716 ocorrências, Mato Grosso (541), Maranhão (483) e Tocantins (238). Rondônia (97), Acre (89), Roraima (73) e Amapá (46) apresentam menor incidência dos eventos, mas seguem o mesmo perfil, com mais desastres relacionados à água como o principal problema enfrentado nas últimas três décadas.

A Defesa Civil Nacional define desastres como eventos graves naturais ou humanos que causam danos à vida, ao ambiente e à economia. Eles são classificados em naturais (como meteorológicos, climatológicos, geológicos e hidrológicos) e humanos (como acidentes com produtos perigosos ou incêndios). A Defesa Civil é responsável por monitorar e agir para reduzir os impactos desses eventos no Brasil.

Entre os naturais, está o desastre climatológico de chuvas. A Classificação e Codificação Brasileira de Desastres (Cobrade), criado pelo Ministério de Integração e Desenvolvimento Regional, define que esse tipo ocorre quando há grande volume de chuva em pouco tempo. Elas podem provocar inundações (transbordamento de rios), enxurradas (escoamento rápido em terrenos inclinados) e alagamentos (acúmulo de água por falha na drenagem urbana).

De acordo com o Atlas de Desastres Brasileiro, documento que disponibiliza dados sobre desastres no país, com base no Sistema Integrado de Informações sobre Desastres, essa interação de todos os eventos monitorados pela Defesa Civil Nacional leva a extremos com impactos significativos para o ecossistema, populações e atividades econômicas na região. A sistematização dos dados permite ter um panorama de situações de emergência no período de 1995 a 2024.

Municípios líderes em desastres

O levantamento mostrou ainda quais são os municípios com mais registros em cada estado da Amazônia. No Pará, destaca-se Oriximiná, localizado a 881 km de Belém, com um total de 139 casos de desastres naturais. Já em Mato Grosso, o município com maior número de ocorrências foi Sorriso, a 398 km de Cuiabá, com 61 casos — a maioria relacionada a incêndios florestais. 

No Amazonas, Manacapuru, a 93 km de Manaus, registrou 37 casos, todos associados a inundações. Esses eventos não ocorrem de forma isolada, mas são intensificados por fatores críticos, como as mudanças climáticas globais, o fenômeno El Niño — que se caracteriza pelo aquecimento anormal das águas do Oceano Pacífico e afeta o clima em várias partes do mundo, alterando os padrões de chuva e temperatura —, e também pela oscilação de temperatura no Atlântico Norte tropical, que influencia diretamente o regime de chuvas na bacia amazônica.

Tanto Mato Grosso, Rondônia e Roraima apresentaram mais registros de desastres climatológicos, provocados principalmente pela escassez de chuvas. Mato Grosso registrou 333 casos de incêndios florestais, Rondônia e Roraima registraram respectivamente 52 e 38 casos de estiagem

A estiagem é um período de baixo ou nenhum registro de chuva, já a seca é definida como uma estiagem mais prolongada, provocando um grande desequilíbrio hidrológico.
e seca
Período prolongado de tempo seco, com baixa precipitação ou ausência de chuva.


Apesar de Mato Grosso ter registrado a maior quantidade de incêndios florestais, e Roraima e Rondônia apresentarem como principais desastres a estiagem e seca, a maioria dos registros na Amazônia é decorrente de inundações. Esse tipo de tragédia vem impactando milhões de pessoas que vivem próximas aos rios, igarapés e do mar.

A complexidade dos desastres na Amazônia evidencia a necessidade de estratégias integradas de gestão de riscos, que considerem as particularidades de cada estado e seus desafios específicos. Além disso, é essencial reforçar iniciativas de conservação ambiental e políticas públicas que promovam a resiliência das populações afetadas e a proteção dos ecossistemas, assegurando o equilíbrio ecológico e a qualidade de vida na região.

Inundações na zona costeira

A região amazônica, em sua vasta extensão, apresenta uma disposição a desastres naturais, resultado da interação entre fatores climáticos, hidrológicos e meteorológicos. No entanto, dentro deste cenário, destacam-se áreas como a Zona Costeira Amazônica, que é considerada uma zona permanentemente de risco. 

A Zona Costeira Amazônica possui um litoral que se estende por 1.294 km, abrange os estados do Amapá, Pará e parte do Maranhão, cuja característica principal é a presença marcante da Foz do Amazonas

A Foz do Amazonas é a região onde o rio Amazonas se encontra com o oceano Atlântico, na costa da Amazônia brasileira, especificamente nos estados do Amapá e Pará.
. Essa região é agravada tanto pelos processos naturais característicos de zonas costeiras, como erosão, aumento do nível do mar e mudanças na dinâmica sedimentar, quanto pela influência direta do oceano, que intensifica os impactos locais.

Segundo a doutora em geologia e pesquisadora no Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá (IEPA), Valdenira Santos, essa proximidade com o oceano influencia as dinâmicas ambientais e sociais até 800 km rio adentro, moldando o ritmo de vida das comunidades locais por meio do fluxo contínuo das marés.

“Um exemplo relevante é a foz do rio Amazonas, que inclui a parte norte da Ilha do Marajó e o litoral do Amapá. Nessa região, a intrusão de água salgada vinda do oceano pode alcançar grandes extensões devido à topografia plana e baixa. Os principais problemas enfrentados por essas zonas incluem inundações e processos de erosão costeira”, comenta a pesquisadora. 

As constantes alterações na costa são frequentemente relatadas por muitas comunidades da Foz do Amazonas. Fenômenos como invasão salina, inundações, erosão e acreção têm se tornado mais frequentes e severos, especialmente sob o impacto das mudanças climáticas e da elevação do nível do mar.

Municípios como Macapá, no Amapá, que se encontra no canal norte da Foz do Amazonas, e Chaves, no Pará, que está no canal sul, integram a Zona Costeira de Baixa Elevação. Essa região é caracterizada por áreas com uma elevação de menos de dez metros, aproximando-se ao nível médio do mar. Com a característica do terreno baixo e plano, o risco de inundação na região da foz do rio Amazonas aumenta. 

Valdenira Santos explica, ainda, que essa a dinâmica hidrológica do rio Amazonas está diretamente relacionada à periodicidade da Zona de Convergência Intertropical, um sistema que regula os padrões de chuvas na região. Além disso, também é influenciada pelo “El Niño” e “La Niña”. Quando o rio Amazonas atinge seu pico máximo de volume de água devido às chuvas intensas, ocorrem inundações fluviais que se espalham por diversos rios da região.

“Na Foz do Amazonas temos o encontro com o mar. O mar traz duas vezes por dia, no nosso caso aqui, as marés que elas sobem e descem. Com a alíquota máxima [nível máximo] do rio, e a maré subindo e descendo, temos um nível d’água que é mais exacerbado. Por isso, vemos inundações, principalmente em dias de lua cheia, devido a gravidade lunar que puxa a água em direção à lua e cria grande marés”, comenta Santos. 

No distrito da Vila de Nascimento, que fica a 115 km da sede do município de Chaves, na Ilha do Marajó, no Pará, houve uma inundação em 2019, segundo dados do Sistema Integrado de Informações sobre Desastres. Estima-se que o desastre tenha atingido 1.627 pessoas, entre elas alunos da escola municipal Júlia de Paula Moraes e destruído passarelas. A água também foi contaminada devido ao transbordamento dos banheiros (fossa rudimentar), morte de animais de espécies bubalinos e suínos, impossibilitando que 283 alunos tivessem acesso à escola entre os meses de março e abril.

A diretora Renata Melo, da escola Júlia de Paula Moraes, explica que, quando a maré vinda do oceano chega com força, ela avança sobre a terra, causando a queda de pontes. Mesmo durante o período de “maré morta”, em que o rio Amazonas apresenta menor volume, ela avança de forma mais lenta, mas ainda assim provoca danos, como a degradação dos portos e a intensificação da erosão.

“Quando está esse período de marés perigosas, a gente suspende as aulas e suspende também os alunos que moram perto da escola, porque eles precisam fazer esse percurso por ponte. Às vezes, a ponte está tomada de espinhos e de lixo que a maré traz, servindo de alojamento para animais peçonhentos como cobra, escorpião. Já aconteceu muito”, diz Melo.

A erosão é um outro problema que vem afetando as comunidades da região litorânea de Chaves. Segundo os dados Atlas de Desastres Brasileiro, a erosão é o desastre mais comum no município de Chaves.

Renata diz que, apesar de as casas nas comunidades não serem atingidas, é frequente que as famílias sejam transferidas para outros lugares. Dona Lucivalda Monteiro, moradora da comunidade do rio Tartaruga, 124 km da sede do município de Chaves, conta que, quando era criança, o rio era bem estreito, mas, com a intensificação da erosão, há uns dez anos para cá, precisou recuar sua casa para evitar perdê-la. 

“Nós desmanchamos a antiga casa, construímos esta, e já construímos outra aqui para trás porque está aqui já está bem na beira. Tem que ver no inverno mesmo, que é muita maresia das embarcações que andam por dentro, né? Aí que cai”, explica Dona Lucivalda.

Totalizando os danos de todos os desastres ocorridos no município de Chaves e apresentados no Atlas de Desastres Brasileiro, os custos podem ultrapassar R$ 11,2 milhões. Os eventos aumentaram a vulnerabilidade das comunidades, provocando prejuízos materiais, risco à saúde, dificuldades no abastecimento de água potável e nas atividades essenciais de subsistência, como a pesca e a criação de animais.

O bailar das ilhas

Outra região que vem sendo atingida pelas mudanças costeiras associadas a eventos climáticos e hidrológicos extremos é o arquipélago do Bailique, distrito localizado a 180 km de Macapá, no Amapá. Atualmente, vivem cerca de 12 mil pessoas no arquipélago, distribuídas em 52 comunidades, divididas em doze ilhas banhadas pelo rio Amazonas, com acesso apenas por via fluvial.

O nome Bailique deriva do tupi e significa ilhas que bailam, fazendo uma referência ao processo de constante mudança da região. A pesquisadora Valdenira Santos fala que não é só o Bailique que “baila”, mas todas as ilhas da Foz do Amazonas têm esse mesmo comportamento. Esse processo é natural e motivado pela quantidade de partículas de barro vindo na água do rio Amazonas, unindo corrente fluvial e as variações de maré.

“[Isso ocorre] exatamente devido às correntes, do material sempre disponível que é depositado nas beiradas das ilhas ou removido no processo de erosão fluvial e depositado em outros lugares. São envolvidos três principais fenômenos nesse processo muito peculiar da região da foz do rio Amazonas: a erosão, a acreção e o transporte de sedimentos”, completa a pesquisadora. 

O fenômeno da acreção se refere à formação de praias devido ao acúmulo de sedimentos, conhecido como “acamamento de maré”. Trata-se da deposição de camadas de lama e areia que, com o tempo e de forma constante, acabam emergindo. Depois, essas áreas passam a ser ocupadas por manguezais e vegetação de várzea.

Por não se tratar de um solo consolidado, e devido à força da correnteza ou à variação da maré, ocorre o processo de erosão — outro fenômeno característico da foz do rio Amazonas. Com a retirada do material das margens ou do fundo do rio, esses sedimentos erodidos são transportados para outras regiões, reiniciando o ciclo de acreção, erosão e transporte sedimentar.

Apesar dessas constantes alterações serem naturais, pesquisadores e as próprias comunidades começaram a notar que elas estão cada vez mais intensas nos últimos cinco anos. Ainda não se confirmou se ocorrem devido à maré do oceano ou ao aumento da força de corrente do rio Amazonas. A erosão vem atingindo fortemente as comunidades do centro do arquipélago do Bailique e causando danos humanos, materiais e afetivos com as comunidades. 

Geová Alves, morador da comunidade Vila Macedônia e presidente da Associação das Comunidades Tradicionais do Bailique – ACTB, diz que sua comunidade era totalmente diferente, tendo três vezes o tamanho que tem hoje. Conta que o processo de erosão ficou mais forte a partir de 2018-2019, onde ainda existia metade da comunidade e moravam cerca de 1.200 habitantes. Hoje são apenas 600. 

“Nós já perdemos três fileiras de passarela

Estruturas de madeira construídas para permitir a circulação dos moradores entre as casas e áreas comuns da comunidade. Como a região é cercada por rios e sujeita a inundações frequentes, essas passarelas funcionam como “ruas elevadas”.
. Cada passarela tem dois terrenos de 30 metros cada um. Então, foram 180 metros que a gente já perdeu só de comunidade, fora a área que tinha na frente. Tinha uma escola lá na frente, tinha um campo de futebol e tinha uma passarela enorme, com várias casas, que já se perdeu”, lembra Geová.

A pesquisadora Valdenira Santos acompanha a situação da erosão nas comunidades de Chaves, no Pará, e do Bailique, no Amapá, por meio do Observatório Popular do Mar (OMARA). O projeto tem como objetivo monitorar os impactos desse fenômeno, coletando dados diretamente das observações realizadas pelos moradores locais para subsidiar iniciativas voltadas à solução do problema. Santos destaca que, apesar das dificuldades e dos prejuízos já enfrentados, as comunidades da Foz do Amazonas têm uma notável capacidade de adaptação. Contudo, ela ressalta que para que essas adaptações sejam eficazes e alinhadas às necessidades locais, é fundamental compreender em profundidade como os fenômenos ocorrem na região.

“Por exemplo, eu não posso construir uma escola, um posto de saúde, numa zona de erosão. Mas como é que você vai saber disso? Não é só olhando. Você tem que ir lá. Você tem que medir, você tem que fazer análise de satélite, saber quanto é a velocidade de corrente para você saber se a corrente ainda está forte o suficiente ou não para manter aquele processo. Tem que saber como é esse fundo de rio. Então, você pega todas essas informações morfológicas, hidrodinâmicas, e aí consegue dar um diagnóstico e um prognóstico. Dessa forma, eu posso me antecipar aos problemas e não deixá-los chegar para a gente tentar tomar soluções imediatas”, comenta a pesquisadora. 

Os dados do Atlas de Desastres Brasileiro mostram que do total de registros de desastres ocorrido em Macapá, 32% foram na região do Bailique, em sua maioria do tipo erosão. Em 2017 e 2018, o evento afetou 1390 pessoas, além de ter deixado 514 casas destruídas ou danificadas. Consta, ainda, que houve a destruição total de aproximadamente 2.400 metros de passarelas; danos na rede de distribuição elétrica com a queda de postes e danos parciais em unidades de saúde e ensino. 

Mais recentemente, em 2021, houve dois registros de erosão e, em 2023, mais outro. O desastre afetou o abastecimento e a distribuição de água potável e de eletricidade das duas maiores comunidades do arquipélago, Vila Progresso e Macedônia. Estima-se que os desastres já tenham causado em reais R$ 39,4 milhões, mais da metade desse valor, cerca de 72%, foi danos em habitação da população do Bailique. 

A Defesa Civil do Amapá não informou quanto vem destinando para responder desastres do tipo erosão nas comunidades, reforçou que a assistência prestada às famílias está na ajuda humanitária com cesta de alimentos e água potável. No entanto, não informou quanto foi gasto nesse período. 


Esta reportagem foi produzida por jornalistas bolsistas da segunda edição do curso de Jornalismo Investigativo Ambiental e Geojornalismo, oferecido com o apoio da Earth Journalism Network da Internews, e é parte do eixo educacional da InfoAmazonia.

Sobre o autor

Thales Lima

Jornalista, repórter e fotojornalista. Atua como mídia ativista no Amapá e desenvolve ações direcionadas ao direito à cidade, ativismos urbanos, movimentos socioambientais e juventudes na Amazônia....




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