Com o avanço do contágio de Covid-19 para o interior do Brasil, com casos registrados em mais de 60% dos municípios do país e óbitos em 21%, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) alerta que mais de 7,8 milhões de brasileiros moram em lugares onde a distância para um local onde haja atendimento adequado para a doença seja de pelo menos quatro horas.
A análise foi feita por pesquisadores do Instituto de Comunicação e Informação em Saúde (Icict) da Fiocruz e divulgada hoje (21) pela instituição. A nota técnica, chamada de Regiões e Redes Covid-19: Acesso aos serviços de saúde e fluxo de deslocamento de pacientes em busca de internação, integra o sistema MonitoraCovid-19.
A situação é pior nos estados do Pará (com 2,3 milhões de pessoas distantes de centros de atendimento adequados), Amazonas (com 1,3 milhão) e Mato Grosso, com 888 mil. Nesses estados, mais de 20% da população mora em áreas que requerem até quatro horas de deslocamento até um município que ofereça condições de atendimento a casos graves de covid-19.
O levantamento da Fiocruz levou em conta o atendimento de alta complexidade em saúde, com unidade de terapia intensiva (UTI), equipamentos e pessoal especializado para tratar doenças respiratórias graves e agudas. A Região Nordeste também apresenta um alto índice percentual da população sem acesso rápido ao tratamento adequado para casos graves. O norte de Minas Gerais, o sul do Piauí e o sul do Maranhão também enfrentam as mesmas dificuldades.
A equipe da Fiocruz constatou que a covid-19 está se deslocando com rapidez para o interior do país. “Por exemplo, em apenas uma semana (de 9 a 16 de maio), nos municípios com população entre 20 e 50 mil habitantes, a cada dia, seis cidades registraram pela primeira vez uma vítima fatal de covid-19. Entre municípios menores, com população de 10 a 20 mil habitantes, na mesma semana cinco cidades a cada dia entravam na lista de municípios com óbitos por covid-19”, informa a instituição.
Para os municípios com menos de 50 mil habitantes, a média foi de 15 cidades apresentando casos de covid-19 pela primeira vez a cada dia. Até 16 de maio, 98% dos municípios deste porte apresentavam casos e óbitos tinham sido registrados em 58% deles.
Estados brasileiros devem resistir ao novo protocolo do Ministério da Saúde que recomenda prescrição médica de cloroquina desde os primeiros sinais da doença causada pelo coronavírus.
Ao menos oito governos já sinalizaram que não vão aderir ao uso generalizado do medicamento - entre eles, São Paulo, Bahia, Pará e Rio Grande do Sul. Em outros sete, as administrações afirmam que a aplicação ou não ainda está sob estudo.
Alvo de alerta da Organização Mundial da Saúde (OMS) mas pretendida peo presidente Jair Bolsonaro, a permissão para livre uso de cloroquina foi divulgada nesta quarta-feira, 20, pelo governo federal.
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Governadores e autoridades sanitárias estaduais que se opõem à medida, entretanto, argumentam principalmente que falta comprovação científica da sua eficácia contra a covid-19 e há uma série de efeitos colaterais associados à droga.
O documento para liberar a prescrição médica a todos os pacientes é assinado pelo general Eduardo Pazuello. Ele assumiu interinamente o Ministério da Saúde após a demissão dos ministros Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, ambos médicos, que se negaram a endossar a recomendação pretendida por Bolsonaro.
Na prática, o novo protocolo autoriza que médicos da rede pública receitem cloroquina logo após os primeiros sintomas, como coriza, tosse e dor de cabeça. Para isso, o paciente deverá assinar um termo de consentimento em que diz aceitar o risco "por livre iniciativa" -- sendo alertado, inclusive, da possibilidade de "disfunção grave de órgãos" e até de "óbito". No protocolo anterior, de março, a liberação era apenas para pacientes em situações mais graves.
Considerado epicentro do coronavírus no País, São Paulo puxa a fila de Estados que devem ignorar a recomendação e manter a administração de cloroquina nos hospitais como já era feita. Segundo boletim epidemiológico mais recente, o Estado registrou 69.859 diagnósticos e 5.363 mortes por covid-19 desde o início da pandemia.
"Nós não faremos a distribuição e nem aplicação generalizada da cloroquina, porque a ciência não recomenda", disse o governador João Doria (PSDB). "A ciência não orienta este procedimento e em São Paulo nós seguimos a ciência."
No Rio Grande do Sul, o governador Eduardo Leite (PSDB) adotou postura semelhante. "Quem tem de tomar a decisão é o profissional de saúde", declarou. "Não há evidência suficiente para que a cloroquina tenha administração irrestrita, pelo contrário: são feito muitos alertas sobre possíveis efeitos colaterais graves."
Outro a se opor à recomendação foi ogovernador da Bahia, Rui Costa (PT), que também criticou a politização do debate envolvendo o medicamento. "Não será adotado. Os médicos junto com seus pacientes e familiares definem o protocolo de atendimento", afirmou ao Estadão. "Na Bahia receita médica não é definida por ideologia ou pelos políticos."
Em nota, o governo Flávio Dino (PCdoB), do Maranhão, disse que "não há certeza científica em nível internacional ou nacional". "Lamentamos que dois ministros da saúde tenham sido demitidos e tanto tempo tenha sido perdido apenas para Bolsonaro esconder a sua grave omissão quanto ao real combate ao coronavírus", afirmou. "Não é ele, nem qualquer governador, quem manda na conduta médica em cada caso concreto."
Em Pernambuco, o governo Paulo Câmara (PSB) afirmou que "recebe com preocupação as novas orientações do Ministério da Saúde". Entre os motivos, o Estado cita que não foi apresentado plano específico de abastecimento de serviços do SUS, em especial para unidades responsáveis por atender casos leves, que devem ser mais impactadas pela medida. "A estimativa é que as unidades de saúde do Estado, incluindo as das redes municipais, precisarão de mais de 1 milhão de comprimidos, só neste mês de maio - número muito superior às 186 mil cápsulas enviadas, desde março, pelo Ministério da Saúde."
Já na Paraíba, o secretário da Saúde, Geraldo Medeiros, disse que "não há nenhuma modificação" após o novo protocolo. Segundo afirma, o corpo técnico do Estado tem estudado "inúmeros trabalhos" e não há "evidências científicas comprovadas" dos benefícios da cloroquina. "É fundamental que (o uso) seja sob prescrição médica, porque o médico se responsabiliza por essa prescrição", disse.
Na região Norte, o governo Helder Barbalho (MDB) também diz que não vai alterar a administração da cloroquina nas unidades do Pará. "Qualquer medicamento deve ser prescrito pelo médico ao paciente", afirma, em nota. Por causa do avanço da covid-19, o Estado foi um dos primeiros a decretar o bloqueio completo (lockdown) em cidades.
Por nota, o secretário de Saúde do Mato Grosso do Sul, , Geraldo Resende, afirmou que o medicamento adquirido pelo governo foi destinado para trabalho científico em duas unidades hospitalares. "O uso da cloroquina é reservada à decisão do médico em relação à aplicação."
Já os governos de Minas, Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso, Acre, Piauí e Rio Grande do Norte afirmaram ao Estadão que o novo protocolo está sendo avaliado por comitês científicos locais ou pelas próprias secretarias de Saúde. Segundo os comunicados, ainda não há decisão sobre aplicação da medida.
"A nossa Secretaria de Saúde está atenta à todas as recomendações e protocolos da OMS e do Ministério da Saúde. Enquanto governador, não proíbo ou receito nenhum medicamento, pois essa é uma atribuição das equipes médicas", disse o governador do Mato Grosso, Mauro Mendes (DEM), em nota.
O governo do Distrito Federal disse que não iria se pronunciar sobre o tema. As demais unidades federativas não responderam até o momento.
Terra