Documentário conta história do primeiro time de futebol gay do Rio

Data 18/11/2018 02:03:55 | Tóopico: Regionais

Um time de futebol carioca vem chutando o preconceito para escanteio e fazendo um golaço contra a discriminação dentro e fora dos gramados: o BeesCats Soccer Boys, primeiro da cidade formado somente por gays. O nome composto traz uma brincadeira ao ser lido: “biscates só quer boys”. Uma provocação maliciosa, que mostra, com bom humor, a essência desta turma que se formou por acaso em peladas pela Zona Sul — eles treinam às quartas-feiras, no Aterro do Flamengo — e vem conquistando o mundo. Em agosto passado, participou do Gay Games, em Paris, e trouxe a prata para casa.

Agora, o BeesCats será tema de um documentário a ser lançado na terça-feira durante o 26º Festival Mix Brasil, em São Paulo, e em dezembro no Canal Futura, em data ainda a ser divulgada. “Soccer boys”, do cineasta Carlos Guilherme Vogel, foi filmado durante a participação da equipe na Taça Hornet de Futebol da Diversidade, realizada há cinco meses, em São Paulo. Para Vogel, a questão do espaço do gay no futebol precisa ser discutida, assim como a luta contra a homofobia.


— Estamos no país do futebol, um campo onde predomina o homem heterossexual, assim como um machismo muito grande — pondera ele, que faz uma comparação com o futebol feminino, também pouco valorizado, em sua opinião. — Por que uma jogadora como a Marta não tem o mesmo status e o mesmo retorno financeiro que os jogadores masculinos? Está na hora de repensar essas questões e mostrar que o esporte é para todos.

No documentário de 14 minutos, um dos personagens principais é o idealizador do BeesCats, o roteirista paulistano André Machado, de 38 anos. Ele diz que sempre foi apaixonado por futebol, esporte que joga desde a infância. Na adolescência, chegou a criar o time Mimosas Maldosas — um protótipo do BeesCats, segundo ele. Há seis anos veio para o Rio, mas durante todo esse período ficou longe dos campos:

— Meus amigos héteros que jogavam comigo ficaram todos em São Paulo. E no Rio nenhum gay tinha o costume de jogar futebol.

No ano passado, Machado soube da existência de um time gay em São Paulo, chamado Unicorns. Foi quando teve a ideia de criar uma equipe em terras cariocas. Após a convocação, conseguiu reunir 15 pessoas para jogar no Clube Guanabara, em Botafogo. Na semana seguinte, o número dobrou. Ao fim de um mês, cerca de cem pessoas compareciam ao local para jogar ou apenas curtir a partida.

— Onde há concentração de gays, há festa. Todas as sextas nossos encontros recreativos continuam acontecendo e são abertos a todos, a partir das 20h30m — convida o zagueiro.

Para ele , o futebol inclusivo é uma maneira de reaproximar tantos gays que foram afastados do esporte por sofrerem bullying durante a infância e a adolescência.

— Eles estão redescobrindo o futebol e aprendendo que podem jogar de forma não enrustida. Os haters dizem que estamos criando um gueto. Eu respondo que estamos criando apenas um ambiente seguro e agradável, onde não ouvimos piadinhas nem precisamos fingir ser outra pessoa — diz Machado.
Seleção brasileira gay está a caminho

Com o sucesso das partidas recreativas, o BeesCats usou as redes sociais e a internet para mapear outros times gays de futebol pelo país. E incentivar a criação de novos. Assim surgiu o Bharbixas, em Belo Horizonte; o Sereyos, em Florianópolis; e o Alligaytors, do Rio, entre outros. Atualmente são nada menos do que 50 equipes em todo o país, segundo Machado. Há um ano ele esteve à frente da criação da liga nacional, a Ligay, que promoveu seu segundo campeonato em abril passado. A boa performance no Gay Games de Paris garantiu convite para um torneio comemorativo do aniversário do Condores, primeiro time gay do Chile. A oportunidade ideal para transformar em realidade um outro sonho:

— Fizemos contato com a Ligay para que cada time do país enviasse um ou dois atletas para o torneio, que será realizado em março, no Chile. Assim, será criada, pela primeira vez na história, a seleção brasileira gay de futebol.

O BeesCats ainda não definiu quem serão os representantes cariocas. Mas vem treinando pesado, inclusive participando de campeonatos com times tradicionais, como prefere falar o zagueiro.

—Nem costumo dizer que são campeonatos héteros, porque tem gays em todos eles. Se são assumidos ou não, aí são outros 500 — alfineta.

Atualmente na sexta divisão da Liga Carioca, o BeesCats aproveita a oportunidade de jogar contra héteros para treinar visando aos campeonatos gays.

— O nível deles é muito mais alto, pois têm mais preparo — conta Machado, que já se deparou com situações curiosas em campo. — Numa partida da Liga Carioca, o outro time estava batendo forte. Respondemos na mesma moeda. No final, um dos jogadores adversários comentou que batíamos bem. No que eu respondi: “Vocês acham que veado apanha quieto?”. Ele ficou muito constrangido, pois não esperava essa resposta. Não podemos baixar a cabeça, mas sim nos impor.

No BeesCats não faltam histórias de pessoas que se encontram e se fortalecem, sempre unidas pelo elo poderoso do futebol. Uma delas é a do psicólogo Douglas Braga, que durante 20 anos atuou como jogador profissional — um sonho de infância —, passando por times como Cruzeiro, Madureira e Botafogo. Mas pendurou as chuteiras ao perceber que vivia num ambiente em que não podia demonstrar quem era.

— O BeesCats foi muito importante no meu processo de aceitação. Saber que a sexualidade não afeta em nada a nossa competência como atleta torna mais fácil desconstruir qualquer piada ou atitude que chegue até nós.

Depois de tantos dissabores, o futebol agora parece ter trazido tranquilidade à vida deste mineiro. E amor também. Durante o Gay Games, ele foi surpreendido pelo namorado Ricardo com um pedido de casamento aos pés da Torre Eiffel.

— Os jogadores armaram uma sessão de fotos para justificar nossa ida até lá. Eles me enganaram direitinho. Foi inesquecível — lembra ele, que disse “sim”, é claro.

A experiência de Paris também foi marcante para o goleiro Victor Dubugras, de 35 anos. Por pouco ele não foi com o time, por não ter dinheiro suficiente. Mas, às vésperas da viagem, foi contemplado com um prêmio em dinheiro num sorteio.

— Tudo culminou para isso. Mas não fiquei milionário ainda — brinca.
A bela e a fera que levantam a equipe

Todo time de futebol precisa ter sua musa. E o Beescats escolheu uma atrevida e espalhafatosa para representá-lo: a drag Bárvarah Pah. Ela chegou à equipe por meio de um amigo que jogava no time apenas para participar de um arraial organizado pelo grupo, em julho do ano passado. Sua função era receber o público do evento.

— Quando conheci de perto os meninos e o projeto, eu me apaixonei. Foi um encontro muito feliz — conta ela, que foi oficializada como musa do time na primeira competição da Ligay, há um ano, e não saiu mais.

Hoje, durante as partidas, é dela a missão de agitar a torcida, fazer lives dos jogos e dar apoio aos jogadores.

— Levo água, banana e faço massagem. Afinal, não sou boba nem nada — diverte-se Bárvarah .

Mas quando o assunto é a bandeira do BeesCats, a drag fala sério. Para ela, os times gays são uma forma de desmistificar essa coisa de que homossexual brinca de boneca e não joga bola.

— O futebol é um espaço muito heteronormativo. Muitos homens gays se afastam desse esporte por não se sentirem respeitados. Nos jogos, a primeira coisa que alguém faz quando quer agredir ou ofender o outro é chamar de veado. Bobas, se soubessem como é bom — conta ela, com seu habitual humor afiado. — Quando alguém se direciona a mim com esse termo, eu agradeço feliz e com orgulho.

Uma das aquisições mais recentes do BeesCats é o técnico Alan Paschoal, que faz parte da equipe há dois meses. Segundo André, a chegada do técnico vem promovendo mudanças significativas no desempenho da equipe, que ainda é amadora, mas tem potencial para a profissionalização. Paschoal agradece o elogio, e faz questão de ressaltar que o time é um celeiro de grandes talentos da bola, o que facilita o trabalho.

— Minha função é usar as características de cada um para transformá-los num grupo coeso. Qualquer informação que trago é recebida com muita atenção por todos. Temos destaques como o goleiro Victor Dubugras, o artilheiro Flávio Amaral e o Wemerson Goulart, que é um cara de velocidade. O time tem potencial para voar ainda mais alto.

Alan é heterossexual e casado, e afirma que nunca se sentiu um estranho no ninho entre os rapazes.

— Existe muito respeito. Estamos num ambiente competitivo, que tem cobranças e discussões, o que é normal. Mas acabou o jogo, continuamos um time, uma família. Fazemos churrasco e nos divertimos — conta.

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