DESISTIR JAMAIS

Data 09/08/2018 18:19:22 | Tóopico: Brasil

“Fui aprovado como juiz depois de 43 concursos”

Fábio Branda, do TRT-2, conta suas experiências em dez anos de provas e dá dicas a concurseiros
O juiz Fábio Augusto Branda prestou 43 concursos até conseguir ser aprovado para integrar o corpo de magistrados da Justiça do Trabalho em Minas Gerais. Foram dez anos de estudos e provas até que a aprovação viesse. “Se eu tivesse desistido, iria ter perdido este tempo. Como não desisti, valeu como experiência”, diz.

Branda atualmente é juiz auxiliar da 70ª Vara do Trabalho do Fórum Ruy Barbosa no Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, para onde conseguiu se transferir pouco mais de um ano depois de ter virado juiz.

Ele completa dez anos de magistratura neste ano e já atuou em diversos casos de relevo, como o das dívidas trabalhistas da Vasp, ao qual se dedicou numa vara exclusiva por quatro anos.

Apesar da demora na aprovação, o juiz integra os quadros da Justiça do Trabalho desde os 18 anos, quando foi aprovado como atendente judiciário. Depois de se formar em Direito, tornou-se analista e, por já atuar no Judiciário, tinha de lidar com a pressão dos pares. “As pessoas em volta, no tribunal, liam o Diário Oficial e sabiam que eu não tinha passado. Era uma cobrança social muito grande e minha também”.

Para poder prestar os concursos ao redor do país, o juiz teve de vender um carro e chegou a voar com passagens adquiridas por um colega que tinha milhas sobrando.

Aos concurseiros, Branda diz que é preciso ter foco. “Não dá para fazer todos os concursos: juiz do trabalho, juiz estadual, juiz federal. A matéria é muito ampla e você vai se perder”, alerta.

O candidato também tem que acreditar que vai dar certo e ter perseverança. “Se eu passei, todo mundo pode passar. Só não pode achar que não é para você. Tem que fazer sua parte, estudar, seguir o edital do concurso e tentar”, diz o juiz. “Na hora que você vencer você mesmo, você consegue passar”.

Durante suas férias, o juiz Fábio Branda recebeu a reportagem do JOTA em seu apartamento, em São Paulo, para contar suas experiências como concurseiro.

Leia a íntegra da entrevista:

Por que o senhor quis ser juiz do trabalho?
Foi uma decorrência natural da minha carreira. Meu primeiro emprego, como atendente judiciário, foi na Justiça do Trabalho. Aos 18 anos, fiz o concurso e passei. Fiz a faculdade de Direito durante essa fase da carreira e um ano depois de formado fiz o concurso para analista judiciário e também passei. Fui exercendo cargos em comissão como assistente de juiz, assistente de diretor, diretor, assistente de desembargador, chefe de gabinete e assessor. Fui galgando postos mesmo sem ter ninguém da família na Justiça – exceto minha irmã que é formada em administração, mas é funcionária. Por isso sou muito grato ao tribunal. Sou a prova de que é possível chegar no máximo sem qualquer regalia, só com o seu trabalho. Eu passei no concurso de juiz dez anos e 43 concursos depois de quando comecei a fazer. Fiz 24 vezes a prova de sentença. Minha primeira prova foi em seis de agosto de 1997 e passei no concurso em 25 de junho de 2007 no Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, em Minas Gerais.

Por que o senhor acredita que demorou tanto para passar?
Era muita ansiedade, de falar assim: tô dentro. Também tinha um pouco de prepotência de achar que já passei. Eu ia confiante, mas na hora ficava muito nervoso. Era um peso muito grande. As pessoas em volta, no tribunal, liam Diário Oficial e sabiam que eu não tinha passado. Ouvia comentários: “Pô, você fez em tal lugar e não passou”, “Pô, nessa prova não é possível você não ter passado”. Eu ficava com vergonha. Era uma cobrança social muito grande e minha também. Tinha uma carga muito pesada. E foi bom ter passado fora de São Paulo porque aqui eu conhecia muita gente e podia surgir aquela especulação de que fui aprovado porque conhecia alguém. Acabei aprendendo um outro Direito do Trabalho no ano que passei lá. Aqui é capital, é urbano. Lá fui muito para o norte do estado e vi outra realidade. Cheguei a pegar casos de trabalho escravo, muita parceria rural e também é muito comum as partes irem à audiência sem advogado. É diferente. Foi muito bom ter atuado lá.

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O senhor ouve piadinhas dos pares ou dos desembargadores por ter prestado o concurso 43 vezes?
Não. Na época, eu tinha um pouco de vergonha disso. Depois, quando o tempo passa, você passa a entender que é admirado por não ter desistido. Algumas pessoas me param e falam: “Nossa você que é o Fábio Branda do concurso”. Fiquei relativamente famoso nessa fase. Foi gratificante perder a vergonha e falar sobre isso. Hoje falo com orgulho porque não parei. O tempo quando você olha em perspectiva é diferente. Dez anos é muito tempo. Mas em retrospectiva foi rápido. Os dez anos passariam de qualquer jeito. Se eu tivesse desistido, teria perdido este tempo. Como não desisti, valeu como experiência.

Como o senhor se preparava para as provas?
Quando eu comecei a estudar tinha um cursinho muito famoso, da doutora Maria Inês, focado em Direito do Trabalho. Ela formou várias gerações. Fiz só cursinhos específicos de Direito do Trabalho e fazia grupos de estudos, com pessoas do mesmo nível e que estavam na mesma fase, o que foi muito importante. Estudava muito lendo a LTR também, que trazia artigos atualizados de Direito do Trabalho. A sentença acabei fazendo sozinho porque trabalhava com isso. A troca de experiências nos grupos é importante porque na resposta de alguém você pode perceber uma abordagem que você ainda não tinha imaginado. Mas, esse tipo de estudo só dá certo se as pessoas forem solidárias. Se você pega um altruísta com um egoísta, não vai dar certo.

É importante o fator sorte no concurso?
Vou parafrasear um amigo que diz que sorte é a coincidência da preparação com a oportunidade. Na verdade, se a sorte for isso, existe. Você precisa estar preparado para o que vai cair naquele momento. Não existe sorte de eu não estudei e passei. Eu estudei e passei. Deu sorte de que naquela prova caiu preponderantemente mais matéria que você tinha afinidade, mas você tem que estar preparado. Até porque no concurso, tirando a primeira fase, você não concorre com o outro, o seu principal concorrente é você mesmo. Sobram vagas. Então, não é o outro, é só você. Na hora que você vencer você mesmo, você consegue passar.

Mas em alguma das 24 vezes em que o senhor foi para a prova de sentença caiu matéria que o senhor não conhecia?
Em apenas duas vezes, ou seja, em menos de 10%. Eu nunca tinha visto aquelas matérias. Uma foi de anistia e a outra foi de rural com um grupo econômico, em Campinas. Às vezes a pessoa que está muito acostumada com a prática, pode pegar uns atalhos, o que é um erro. A prova de concurso tem que ser um pouco mais formal. Um dos meus erros pode ser sido esse aplicar a prática na prova, o que não é cabível.

O senhor chegou a pensar em desistir?
Cheguei. Várias vezes. Eu às vezes pensava: não é para mim. Tem um limite: será que é teimosia ou é persistência? É como eu querer ser jogador da NBA, mas não tenho altura, nem sei jogar. Será que eu sirvo só para ser auxiliar do juiz e não juiz? Tem uma diferença grande. O cargo de juiz exige conhecimento, mas exige também maturidade emocional, intelectual e você passa a exercer um poder. Quando você cruza a linha, as pessoas mudam a relação com você. Pode ser que isso psicologicamente podia ser um bloqueio. Será que eu estou preparado? Essa é uma pergunta que eu devia ter feito naquela época. Tinha hora em que eu parava e pensava: “Meu Deus, não é possível, a prova estava tranquila, sabia tudo e não passei”. Ficava umas três semanas sem estudar, mas depois eu voltava porque via que estava perdendo tempo. Era isso que eu tinha. Eu precisava melhorar de vida e não tinha outro meio. Não tenho comércio, meu pai já tinha morrido, minha mãe era professora aposentada e para crescer eu dependia apenas da minha cabeça, do meu mérito. O único jeito era o concurso. A necessidade me levou a insistir.

O senhor prestou provas em todos os TRTs?
Fui para o Pará, Rondônia, Mato Grosso do Sul, Goiás, Rio Grande do Sul, Paraná, só não fui para o Nordeste. Tive que vender um carro para pagar as despesas. Um amigo me deu passagens da Vasp, que ele obteve com milhas. Anos depois, ironicamente, fui responsável pelo caso da empresa. Eu tive ajuda. Isso é importantíssimo. Se a família não apoia, você não consegue. Quando você volta de uma reprovação e fala que vai parar e todo mundo concorda, você para. Meus familiares e amigos continuaram me incentivando e deu certo. Eu achei que não voltaria para Minas Gerais porque tinha feito um concurso lá que foi anulado. Realmente não voltei para refazer aquele concurso, mas quando abriu novamente, resolvi tentar. E acabou dando certo. Fui mais despretensiosamente e acabei passando.

Que dica o senhor daria para quem está prestando concurso?
Acho que tem que ter um objetivo. Não dá para fazer todos os concursos: juiz do trabalho, juiz estadual, juiz federal. A matéria é muito ampla e você vai se perder. Tem que focar numa área. Também tem que acreditar que vai dar certo e ter perseverança. Se eu passei, todo mundo pode passar. Não se exige do candidato que seja gênio, superdotado, não. Ele tem que saber tudo razoavelmente bem e ter equilíbrio. Só não pode achar que não é para você. Tem que fazer sua parte, estudar, seguir o edital do concurso e tentar. O edital varia muito pouco. Então quem foca num concurso não vai encontrar grandes variações entre uma prova e outra. Outro conselho para quem trabalha: você vai demorar mais passar, claro que não tanto quanto eu. Tem que focar e estudar no tempo livre. As pessoas têm um problema de às vezes ver erros de juízes e falar: “Ah, se esse cara passou, eu passo”. Um erro não desqualifica toda uma preparação. A preparação para o concurso é muito específica, é difícil e tem que ter disciplina.

É muito distinta a prática de funcionário da prática de juiz? O peso da caneta é muito diferente?
É totalmente diferente. Quando você é funcionário você redige, auxilia numa decisão que um terceiro vai assinar. Ainda que seja seu o texto, trata-se de uma ajuda e quem vai responder pela decisão é o terceiro. Outra diferença brutal é que o juiz lida diretamente com as partes e o assistente só vê o papel. Os assistentes pegam o papel e sugerem e nunca são cobrados pelas partes cara-a-cara.

A sua visão sobre o papel e sobre o que a Justiça do Trabalho entrega para a sociedade mudou?
Não. Minha concepção continua a mesma. É uma Justiça que tenta resolver o conflito do capital e do trabalho. E a gente vê no dia-a-dia que esse conflito tem se acirrado. Há um aumento muito grande na demanda devido a um maior descumprimento das normas. Por outro lado, as pessoas também estão mais conscientes de seus direitos.

Na visão do presidente do TRT-2, Wilson Fernandes, a prova de múltipla escolha privilegia o concurseiro e acaba eliminando candidatos mais preparados. O senhor concorda que a metodologia do concurso precisa ser repensada?
Isso existe. Tem cursinhos que criam fórmulas para você passar. Uma pessoa que treina e enaltece determinada matéria tem mais chances porque ela cai mais, por exemplo. O concurso tem defeitos, claro, mas é a regra do jogo. Tem gente muito vocacionada que desiste depois de uma desaprovação na primeira fase, mas se passar na primeira irá bem. Por enquanto é o que temos, até por uma demanda social de corte de gastos. Não acho de todo ruim o método. A pessoa estudando, vai passar. O concurso, com todos os defeitos, é democrático e pode reduzir as desigualdades. Tenho amigos que faziam Senai, que fizeram supletivo e hoje são juízes. Se você falar que vai ser juiz, você vai ser juiz. Basta estudar e passar no concurso.

Tem gente que imagina que depois de passar no concurso vai ter a vida ganha. A realidade é assim?
Não, mentira. A maioria das pessoas é comprometida. Tem pessoas que não ligam? Tem. Como tem na iniciativa privada, como tem em qualquer lugar. Acho que a proporção não muda. Há esse estigma de que funcionário público estável não funciona. A estabilidade é uma garantia da sociedade. Se quem investiga a Lava Jato não tivesse estabilidade, eles já teriam sido mandados embora. É uma vantagem. A desvantagem é que pessoas que não estão tão bem intencionadas vão se manter estáveis no cargo também, mas há mecanismos para retirá-las. Pode ter demissão – e tem. O tribunal tem demitido. Os juízes são cobrados não só pela corregedoria regional, mas pela corregedoria do Conselho Nacional de Justiça, temos ouvidoria, temos OAB fazendo reclamações. Há uma cobrança de números, prazos e quantidades. Existem processos tramitando no tribunal para demissões de juízes que estão sendo acusados de não serem tão produtivos. É um modelo muito questionável porque decisão judicial não é para ser feita em série. O teu caso não é o mesmo do seu vizinho. Uma coisa é a questão de direito, outra coisa é a matéria de fato e 98% dos nossos casos têm testemunhas. No caso da Justiça do Trabalho, o próprio contrato pode não existir formalmente, é verbal, e então a prova é feita como testemunha. Isso exige tempo, que às vezes é desconsiderado em relação às metas.

Quantos juízes que o senhor conhece trabalham nas férias para cumprir as metas?
Não sei dizer. Eu estou fazendo isso, mas não é uma exigência do tribunal. O juiz tem muita consciência da responsabilidade que tem. Tem alguns que tiram férias para trabalhar. Ninguém quer ter atraso, então, se tiver, nas férias a pessoa acaba fazendo. Mas não é uma questão institucional. A gente precisa de férias. A função do juiz é muito estressante e eu tenho que estar calmo, tranquilo para resolver impaciências que as pessoas trazem de fora. Elas só estão na audiência porque têm conflito, é sempre tenso.



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