MITO

Data 18/06/2017 13:55:49 | Tóopico: Política


Bolsonaro é recebido com festa em Natal

Bolsonaro arrebata direita jovem e nordestina com ideologia 'pá, pá, pá'

Bonsonaro recebido com festa em Natal - Imagem: Youtube

Da Folha de S. Paulo - Anna Virginia Balloussier e Marcus Leoni



"MITO! MITO! MITO!"

Os gritos ricocheteiam no saguão do aeroporto de Natal (RN). Vêm de centenas, talvez milhares de pessoas. Na maioria, jovens. Muitos são universitários que votaram pela primeira vez quatro anos atrás, e em Dilma Rousseff. Hoje dizem carregar duas coisas: um fardo (já ter eleito o PT) e um herói em seus braços.

A multidão o levanta no ar e, com uma bandeira do Brasil estendida no fundo, entrega-lhe balões verde-amarelos para estourar. O homem que tanto cativa essa juventude nordestina é Jair Bolsonaro.

A cena que a Folha acompanhou no último dia 8, ao viajar de Brasília à capital potiguar com o deputado do Partido Social Cristão, não é um ponto fora da curva. "Bolsonaro é recepcionado no Recife como popstar", cravou o "Diário de Pernambuco" já em 2015.

Dois meses atrás, a mídia piauiense registrou o alvoroço que se seguiu ao pouso do parlamentar em Teresina, onde uma jornalista local foi repelida aos berros de "mortadela!" e "Cinthia Lixo!" pelos militantes pró-Bolsonaro.

A estes foi dado o apelido de "BolsoMinions", referência às criaturas amarelas que gostam de ajudar vilões na animação "Meu Malvado Favorito".

Eles se veem de outra forma: uma nova e orgulhosa direita que se cansou "do discursozinho metido a besta da esquerda que prefere os marginais às verdadeiras vítimas", nas palavras do "ex-marxista" Adriano, 17, e agora quer um presidente "que fala o que muita gente no fundo pensa", diz a estudante de direito Marina Medeiros, 22.

Bolsonaro foi a Natal a convite da União Nordestina de Produtores de Cana. A matéria-prima da viagem, contudo, foi outra: política. Em evento num hotel, é instado a apresentar sua visão para o país. Dança com as palavras para não se assumir candidato à Presidência (a lei eleitoral proíbe propaganda antecipada).

"Tenho certeza de que ano que vem vou vestir a faixa..." Pausa dramática. "... do Botafogo campeão". É o time do coração do paulista de Campinas radicado no Rio. É também um subterfúgio para tangenciar uma ambição tratada abertamente nos bastidores.

Bolsonaro quer ser presidente do Brasil e acredita que a maré está a seu favor. Tem usado a cota parlamentar, que reembolsa despesas do mandato, para viagens afins à de Natal. A Câmara veta "gastos de caráter eleitoral".

O deputado pede que a reportagem confira se o translado foi debitado de sua verba, o que foi impossível fazer, pois as contas do mês de junho ainda estão em aberto.

"E se eu estiver gastando, vai estar sendo muito bem gasto este dinheiro da Câmara, pois estou em condições de discutir com muita humildade questões nacionais", diz, acrescentando que na quinta-feira em que se deslocou ao Nordeste "não teve sessão em Brasília".

O que o sistema da Câmara mostra: de janeiro a meados de junho de 2017, Bolsonaro pediu reembolsos que somam R$ 76.173,98. No período, foi o 487º menos "gastão" entre 542 deputados (o cálculo é maior do que os 513 membros da Casa pois considera aqueles que já deixaram o cargo e os suplentes que assumiram).

ESTRELA

Em pesquisa Datafolha de abril, pontuou 14% e 15% (em cenários com diferentes candidatos), empatado com Marina Silva e só atrás de Lula. É no Nordeste que tem seu pior desempenho regional (10%).

Mas é preciso levar em conta que estamos no bastião lulista por excelência, diz o estudante de direito Alef Souza, 22. Ele conta que votou em Levy Fidelix no último pleito e em Dilma em 2010. "Nem sempre fui de direita." Agora que é, ganha cusparada na rua (aconteceu quando usava um bottom escrito "a direita vive").

Aluno de universidade federal, Alef acha que os colegas esquerdistas praticam um "comunismo de fachada", já que "só frequentam lugares da alta sociedade" potiguar. Fora a "libertinagem" que aborrece o filho de militar. "A esquerda se droga, transa com animal, com gente do mesmo sexo."

Marina, a que gosta da falta de papas na língua de Bolsonaro, reclama de preconceito que parte justamente de quem acusa de radicalismo seu candidato. Não gosta da ideia de ter que gostar de Lula só por ser de onde é. "Falam que sou uma nordestina burra por pensar diferente."
"Sempre falo: lugar de mulher é onde ela quiser, inclusive fora de feminismo", afirma Marina, que se afeiçoou por uma das propostas de Bolsonaro –castração química para estupradores.

Ela aponta um garoto carregando uma faixa ("eu sou gay e Bolsonaro me representa") para argumentar que uma minoria pode, por que não?, ser conservadora.

No Facebook, Marina recentemente postou uma fala falsamente atribuída a Hitler: "Nós somos socialistas, nós somos inimigos do sistema econômico capitalista" (era na verdade de outro líder nazista).

O fato de Bolsonaro exaltar a ditadura militar não a perturba. Nem a ela nem a Adriel, 16, fã de Michael Jackson, Enéas Carneiro e do deputado. "Meus avós pegaram o regime do começo ao fim. Geral torturado? Dizem que não viam isso. E que naquele tempo se podia andar na rua sem medo de ser assaltado. Tem outro ponto também: ninguém fala que guerrilheiro também fez coisa errada."

'BOLSONARISMO'

Na palestra, o convidado desfia seu corolário conservador de praxe. Defende "um general que tivesse comandado colégio militar" no Ministério da Educação.

Chama quatro mulheres à frente e lhes dá duas alternativas: se pressentissem "maldade" num homem, prefeririam dizer (imita voz feminina) "olha aqui a lei do feminicídio!" ou "sacar uma pistola e 'pá, pá, pá'". A segunda opção é unânime.

"Ninguém vai combater a violência abraçando a lagoa Rodrigo de Freitas ou soltando bolhinha de sabão com fumaça de maconha", afirma, sob olhos vigilantes de seguranças com camisas que traziam o rosto do parlamentar e as palavras "honra, moral, ética". Eles foram contratados pelo grupo direitista Radar-RN, que em seu site se diz "em luta permanente contra a CORRUPÇÃO e os MAUS COSTUMES".

Já para o final, diz que, "se um dia for candidato, não vai ser ditadura". Depois compara a Comissão da Verdade, que teve sete integrantes para investigar crimes do regime militar, como tortura, a uma "cafetina que quer escrever sua biografia, escala sete prostitutas e, no fim, é canonizada". O público aplaude e, vez ou outra, irrompe em gritos de "a nossa bandeira jamais será vermelha!".

Bolsonaro sempre ostentou seu orgulho pela farda. À Folha, ainda no embarque em Brasília, diz que o serviço militar é bom porque, entre outras razões, ensina recrutas a usar "sr. e sra." e a ter higiene –é pela falta dela "que mil jovens têm seus pênis amputados por ano", lamenta, citando a Sociedade Brasileira de Urologia.

Ainda no aeroporto da capital federal, o deputado é tratado como sensação. Mais de 50 pessoas pedem uma selfie. "De vez em quando tem uns 'xingões'", alerta. Não teve.

Só um rapaz o critica pelo voto a favor de legalizar a vaquejada, antro de maus-tratos para entidades pró-direitos dos animais. "Mas disse que esse tipo de boi tem até massagista. Até eu queria ser esse boi!" O interlocutor cedeu.

Um senhor de barba grisalha se aproxima. "Sai pra lá, Karl Marx!", brinca com Carlos Alberto Gomes, 63. Reencontraram-se por acaso, quatro décadas após se formarem cadetes na Academia Militar das Agulhas Negras. Na época, não tinha essa de Bolsonaro, diz Gomes. "Ele era um atleta sem comparação. A gente só o chamava de K-valão."

Já em Natal, o militar de reserva que chama seus cinco filhos pelo número ("01, 02, 03, 04, 05!") conta que às vezes se pergunta: "O que estou fazendo é coragem ou loucura? Prefiro dizer que é patriotismo". Seus seguidores voltam com o coro de "MITO! MITO!". Alguns usam uma camisa onde se lê: "Melhor Jair se Acostumando".

PÁ, PÁ, PÁ

A palestra pode ter sido promovida por plantadores de cana, mas Jair Bolsonaro não adocica seu discurso.

O deputado desfia seu corolário conservador de praxe. Defende um general no Ministério da Educação. Dá às mulheres à frente duas alternativas: se pressentissem "maldade" num homem, prefeririam dizer (imita voz feminina) "olha aqui a lei do feminicídio!" ou "sacar uma pistola e 'pá, pá, pá'".

"Ninguém vai combater a violência abraçando a lagoa Rodrigo de Freitas ou soltando bolhinha de sabão com fumaça de maconha", afirma, sob olhos vigilantes de seguranças com camisas que traziam o rosto do parlamentar e as palavras "honra, moral, ética". Eles foram contratados pelo grupo direitista Radar-RN, que em seu site se diz "em luta permanente contra a CORRUPÇÃO e os MAUS COSTUMES".

"Se um dia for candidato, não vai ser ditadura", diz. Depois compara a Comissão da Verdade, com sete integrantes que investigaram crimes da era militar, como tortura, a uma "cafetina que, para escrever biografia, escala sete prostitutas e, no fim, é canonizada".

Bolsonaro sempre ostentou seu orgulho pela farda. Ainda no embarque, diz que o serviço militar é bom porque ensina recrutas a usar "sr. e sra." e a ter higiene –é pela falta dela "que mil jovens têm seus pênis amputados por ano", lamenta, citando a Sociedade Brasileira de Urologia.

Ainda no aeroporto brasiliense, o deputado é tratado como sensação. Mais de 50 pessoas param para tirar uma foto. "Às vezes tem uns 'xingões'", alerta. Não teve. Só um rapaz o critica pelo voto a favor da vaquejada, antro de maus-tratos segundo entidades pró-direitos animais. "Mas disse que esses bois têm até massagista. Até eu queria ser o boi!" O interlocutor cedeu.

Um senhor de barba grisalha se aproxima. "Sai pra lá, Karl Marx!", brinca com Carlos Alberto Gomes, 63. Reencontraram-se por acaso, quatro décadas após se formarem cadetes na Academia Militar das Agulhas Negras. Na época, não tinha essa de Bolsonaro, diz Gomes. "Ele era um atleta sem comparação. A gente só o chamava de K-valão."

A virada de Janot



Vera Magalhães, O Estado de S.Paulo



Se a Lava Jato fosse uma série, poucos personagens teriam experimentado um “character development” tão evidente quanto Rodrigo Janot.

Resumindo, grosso modo, o “arco do personagem”, como dizem os roteiristas, Janot começou a saga como aquele personagem bonachão, pouco carismático, pouco proativo, que se viu diante de um escândalo de proporções avassaladoras e demorou para pegar no tranco.

Antes de soltar a primeira “lista do Janot”, era comum se encontrar com o então ministro da Justiça José Eduardo Cardoso em reuniões fora da agenda, o que sempre suscitou uma dúvida sobre seu suposto alinhamento ao PT. Renan Calheiros, outro personagem central da trama, era, então, um suporte importante para Dilma Rousseff, e nos bastidores se dizia que contava com a benevolência de Janot para escapar de denúncias – e realmente elas demoraram a vir, no seu caso.

A primeira lista saiu, em 2015, com vários nomes, mas Janot ainda demorou para ganhar relevância na história. O núcleo Curitiba da Lava Jato estrelava os episódios mais eletrizantes, e os capítulos de Brasília se arrastavam sem angariar muita audiência.

Mas tudo mudou na atual temporada. Com a segunda lista do Janot, após a delação da Odebrecht, um daqueles “ganchos” que levam a uma reviravolta crucial na narrativa, o procurador-geral se tornou mais aguerrido, e – algo improvável – passou a acumular admiradores.

O rol de políticos listados a partir da colaboração da empreiteira incluiu todo o espectro relevante da política, e Brasília passou a ombrear com Curitiba em importância para o desfecho da Lava Jato.

Mas ainda não era tudo. Janot teria, em breve, uma chance de chegar a protagonista. E ela veio na forma da delação da JBS, uma clássica virada inesperada na história, que colocou o próprio presidente da República na berlinda.

E aí nosso homem no Ministério Público saiu da toca. Escreveu artigos defendendo procedimentos para lá de heterodoxos e benefícios inéditos dados aos mafiosos da proteína animal, mandou prender geral – algo com que vinha sendo comedido em suas temporadas menos ativas – e ganhou de vez a atenção dos espectadores, dividindo opiniões: para uns, herói; para outros, vilão.

É nesta condição que Janot chega a um ponto crucial da própria saga: sua sucessão. A superexposição que experimentou nos últimos meses o impediu de pleitear o terceiro mandato. Se, por um lado, ganhou mais, por outro passou a ser persona non grata no Planalto, o que o impediria uma recondução.

Questionado também internamente, corre o risco de ver o único dos nove postulantes à sua cadeira mais identificado com seu grupo, o subprocurador Nicolao Dino, ficar de fora da lista tríplice escolhida pela categoria e que será enviada a Michel Temer – hoje o inimigo público número 1 de Janot.

Próximo a sair de cena na série Lava Jato, pois seu mandato acaba em setembro, Janot ainda é um personagem difícil de decifrar: seu sangue nos olhos na reta final foi seletivo? Afinal, quando era Dilma Rousseff a presidente ele não demonstrou tanto vigor apuratório.

Também é impossível não apontar a fragilidade técnica de decisões como conceder o paraíso na terra aos delatores da JBS, não periciar o áudio da conversa entre Temer e Joesley Batista ou usar um tuíte para reforçar o pedido de prisão de Aécio Neves.

Vê-se um procurador-geral que, contrariando suas características iniciais, deixa o posto querendo mostrar serviço, sendo que todo o seu histórico mostra um ritmo bem mais lento. E que não deixa um séquito de admiradores entre seus comandados, haja visto o grau inédito de confronto que se vê nos debates entre os candidatos e o fato de quase todos eles serem seus opositores.


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