Profissão

Data 05/08/2010 01:27:21 | Tóopico: Justiça



O povo está conformado com migalhas. Não adianta garantir educação, saúde e segurança de qualidade. Basta oferecer o trivial

Meu primo quer deixar a enxada, para entrar para a política


O meu primo/irmão José Roberto Araujo do alto da sua sabedoria me liga, para comunicar que, a partir de agora, nunca mais pegará na enxada nem que Deus garanta que durante dez anos, ininterruptos, não faltará chuva lá em Campina Grande- Paraíba cidade que nos viu nascer e crescer.

Tá decepcionado com quê? Indaguei e de pronto Zé Roberto me respondeu: decepcionado que nada! Agora vou ser político, vou começar como “cabo eleitoral” e na próxima serei candidato.
Diante da novidade voltei a interpelar ao mais sábio da família o por quê dessa sua decisão e se ele já havia combinado com Neide, a sua mulher, a respeito da novidade.

Novamente me responde: só que agora um pouco mais exaltado e diz: ora primo vocês que vivem ai em Rondônia, usufruindo do bom e do melhor, morando no “beiço d'água”, pensa que nós também não têm direito de ter um vida boa, acentuou bem pausadamente.

-Vou ser político nem que para isso tenha que procurar até mesmo um terreiro de macumba, o candomblé, tia Maculé, pai Vicente Mariano ou mesmo Zumbi dos Palmares, falou exaltado dinovo.

Que quer isso Zé Roberto? Você sabe o bem que te quero e o que for bom pra você será ótima pra mim. Vamos em frente, diga logo o que você deseja desse seu primo saudoso e não me faça cerimônia, ressaltei, tentando acalmá-lo.

Daí em diante Zé Roberto começou a fazer conjecturas, a detalhar os seus problemas, para enfim confirmar que não mudará de idéia e que a partir de agora vai ser político e dos bons, pois, já está com a idade um pouco avançada, não pode mais perder tempo e que precisa conquistar algo na vida, aquilo que a velha enxada não lhe proporcionou.

Tá bom Zé Roberto, conte comigo pra o que der e vier, inclusive com o meu voto, tentei encurtar a conversa, mas, como todo repórter é curioso, cai na besteira de dizer que vida de político também não é fácil, tem muita responsabilidade, compromissos dos mais diversos e coisa e tal.

-Mas ganha dinheiro e muito! Bradou do outro lado da linha, já acrescentando que se não fosse uma “profissão” boa ninguém brigava, se esgoelava, falseava e mentia o suficiente para chegar ao poder.

Tentei indagar se ele queria ser político apenas com esse objetivo: o de se locupletar às custas do eleitor. Franco como sempre, ressaltou: oxente! E todos não agem dessa forma, por quê eu seria diferente? Falou como se já estivesse com o mandato garantido e com a caneta na mão.

Para por fim à conversa, já que era tarde, a conta do telefone aumentava Zé Roberto sempre liga à cobrar – tentei dar a última cartada e indaguei: me diz uma coisa primo, você já tem alguma plataforma de campanha?

-Sim! E não me venha com sermão, pois, inicialmente, vou garantir aos meus eleitores que quando chegar ao poder vou agir com firmeza e determinação na defesa do loteamento de cargos. Vou exigir apenas como credencial para ser nomeado no governo a carteirinha política. Nada de concurso, pois concursado não vota cabresteado, sempre pensa que conquistou o cargo por mérito próprio, não deve favor a ninguém.

Mas, primo, isso é corrupção, tentei persuadi-lo. Corrupção que nada, são os ossos da profissão, me disse com aquela arrogância só vista depois da eleição. E, sem me deixar falar, foi logo acrescentando: E tem mais, viu primo? Esse negócio de mediocridade é conversa fiada, o Estado foi feito para ser locupletado, o resto é papo de frade sem paróquia. Entendeu?..

Já não conhecia mais o meu preclaro Zé Roberto, o primo mais simples e mais querido da família. Ele estava diferente, cheio de apelação. Cheguei a pensar que ele havia surtado, mas curioso indaguei: Desembucha primo e me diz de uma vez por todas, quais são as suas verdadeiras pretensões?

-Olha primo, todos nós sabemos que o Estado está parado. Não existe uma idéia nova, uma proposta nova. O Estado está conformado com a mediocridade. Então! Fica fácil, né?
Irônico e se fazendo de besta, diz:
O eleitor hoje em dia é fácil de enganar, viu primo?
Como assim?

Do alto da sua até então desconhecida empáfia vai logo dizendo: primo velho – ele tem a mania de nos chamar de velho - você parece que estudou para ser otário, pois não notou ainda que a aparência, o embrulho, vale mais do que o conteúdo.

E acrescenta: o povo está conformado com migalhas. Não adianta garantir educação, saúde e segurança de qualidade. Basta oferecer o trivial para cair na gandaia. Não ver o exemplo de Lula? Passou todo o tempo dando “esmola” em vez de trabalho e bastou isso para se transformar no líder mais popular que já se viu nessa terra de Santa Cruz.

Em seguida disparou: vou fazer como Lula. Vou implantar uma ditadura populista, vou montar uma república sindical, através do aparelhamento do poder. E mesmo que tenha que demitir no futuro vou continuar nomeando até a "mueca" e as folhas no Diário Oficial não agüentar mais.

Você vai ver!. Ai me fez lembrar o festival de nomeações que ocorreu aqui em Rondônia nos últimos meses com pessoas sem as mínimas condições profissionais, mas com belos atributos físicos tipo “mulher melão” ou quem sabe “mulher 24 horas”.

E confidenciou: Não vou deixar de fora ninguém, nem mesmo a parentada de juízes e desembargadores, filhos e protegidos de deputados, de prefeitos e, principalmente, aqueles que me dêem retorno, através de voto nas urnas. O erário é pra essas coisas mesmo. Pra que serve imposto?

Ele mesmo responde: é para se gastar como se gosta e com quem quer. Né? (Zé Roberto adora esse né)
Não tá indo longe, Zé Roberto? Perolei!

Longe que nada! E vou mais além: Vou fazer um governo totalmente populista, puramente populista. E foi logo dando a receita: devagarzinho vou cerceando o espaço de todo mundo até ficar apenas só o espaço do poder.

Daí em diante vai ser fácil. Acredita?
Não agüentando mais, mesmo temendo perder a amizade do primo querido, comunico que não adianta ele se esforçar para galgar essa posição, pois já existe dono, já existe ocupante. Que ele está atrasado no tempo.

Tá chegando tarde. Pois já chegou alguém na sua frente e abocanhou esse espaço com muita maestria. E como abocanhou!..
Espantado balbucia: decepcionante, primo, decepcionante, você acaba de cortar o meu barato, o meu mais novo plano de vida. Bradou o meu aguerrido primo/irmão Zé Roberto, já um pouco rouco, apenas para garantir que nunca mais me ligava para falar de um sonho seu.


Alexandre Araujo



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