Política : OPORTUNISTAS
Enviado por alexandre em 25/08/2020 14:22:59

O que não se sabe sobre os institutos de pesquisas
Por Renê Pimentel*

Não aos institutos de pesquisa oportunistas em momentos de eleições.

Todo projeto de pesquisa contempla etapas que fazem dele um processo complexo. Algumas delas são mais visíveis e outras nem tanto, mas todas de suma importância para um resultado efetivo. 

Todo instituto de pesquisa sério e que possui credibilidade investe na qualidade da informação, independente de sua finalidade e complexidade. Perguntemo-nos minimamente:

• Qual a qualificação de quem coletou os dados? O nível instrucional e a experiência da equipe de entrevistadores interferem na qualidade das entrevistas. Perguntar e saber ouvir não são ações tão triviais quanto o senso comum acha.

• Qual a remuneração destinada à equipe de entrevistadores que cada vez mais tem dificuldades nas abordagens individuais, tendo em vista a desconfiança generalizada da população por conta da crescente violência urbana, além de golpes telefônicos ou digitais?

• Como e por quem a equipe de entrevistadores foi capacitada? Será que sabem abordar os entrevistados adequadamente?

• Como foi feita a supervisão durante as entrevistas desta equipe de entrevistadores que fica distribuída em uma determinada área geográfica?

• Qual a auditagem que foi realizada para evitar fraudes? Qual o percentual de entrevistas que foram refeitas? Você acessou estas entrevistas e fez sua própria averiguação? Esta etapa é imprescindível para que não haja fraudes, que infelizmente são muito mais comuns do que se pensa. Se a remuneração é baixa por dia, é de se esperar que haja uma tentativa de driblar esta situação, o que normalmente leva aos diversos tipos de fraudes.

Se a coleta de dados é mal feita e/ou não segue rigidamente as referidas etapas, todo o projeto é comprometido. O pior disto tudo é que a experiência de décadas de trabalho nos demonstra que raramente o contratante se preocupa com isso.

Na maioria dos casos, estão mais preocupados em receber um relatório colorido no Power Point, que muitas vezes não tem qualquer relação com um bom projeto e processo de pesquisa. Não se deixe iludir com isso.

Por tudo isso, é importante chamar a atenção sobre os institutos de pesquisa oportunistas que surgem, principalmente em ano de eleição. Vale ressaltar a importância de um experiente profissional da ciência estatística como responsável técnico pelo desenho amostral, dentre outros aspectos.

Infelizmente, este fato também é ignorado pelos recém criados institutos.

A atividade de pesquisa de mercado e opinião pública não é para amador. Sua origem nas ciências sociais aplicadas (sem desconsiderar as ciências humanas) nos permite tentar compreender fenômenos mercadológicos, políticos e sociais.

Falar de pesquisa de opinião não é uma questão tão simplória quanto elaborar questionários, como comumente se ouve por aí. Vai muito além disso. É muito preocupante para nós que nos dedicamos há décadas a esta atividade observar que, tanto profissionais quanto contratantes desconheçam, muitas vezes, a complexidade de um projeto de pesquisa.

Ele inicia com uma exaustiva reflexão do que se deseja compreender. Evolui para a escolha de metodologia e técnica consideradas adequadas ao fenômeno (escopo) e disponibilidade de tempo e recursos financeiros, para somente, por fim, planejarmos como coletar os dados (questionário, roteiro, abordagens sensoriais, filmagem, dentre outras) e como serão tratados os dados coletados. Sejamos todos mais exigentes e cuidadosos para sairmos da superficialidade e contribuirmos para o reconhecimento de quem trabalha sério.

Não aos institutos oportunistas de plantão, principalmente em momentos eleitorais.

*Diretor de Planejamento da Potencial Pesquisa & Informação, mestre em Administração (UFBA), ex-conselheiro da Associação Brasileira de Pesquisadores de Mercado Opinião e Mídia (ASBPM), membro da Strategic & Competitive Integigence Professionals (SCIP) – London



Uma janela sobre a utopia: o modelo penal garantista

Por Maíra Fernandes*

Nos idos de 1835, em A menina dos olhos de ouro, Honoré de Balzac, ao descrever as “fisionomias parisienses” e os profissionais que circulavam na Cidade Luz no século XIX, dentre os quais os magistrados, assim discorre: "Ninguém sabe onde esses homens deixam seu coração – posto que o tenham –, mas, sem dúvida, depositam-no toda manhã em algum lugar, antes de mergulhar nos problemas que angustiam as famílias”.

Ressalvadas as louváveis exceções de juízes e juízas que honram a toga, a assertiva parece aplicável a alguns julgadores da área criminal, insensíveis à responsabilidade do cargo e ao fato de que a simples posição de réu em uma acusação criminal já transforma, por completo, a vida de um ser humano. O que dirá a de encarcerado em um sistema criminal que vive, segundo o Supremo Tribunal Federal, um estado de coisas inconstitucional.

Na contramão da presunção de inocência, não raro imperam decisões de recebimento de denúncias vazias, prisões preventivas e medidas cautelares decretadas em fundamentos vagos e genéricos, buscas e apreensões descabidas, condenações sem provas. Os juízes se manifestam de modo suspeito, dentro e fora dos autos, os réus se deparam, todos os dias, com a inversão do ônus da prova: é desafio do acusado comprovar sua inocência. De modo geral, o encarceramento é a regra, a liberdade exceção.

Exemplo disso pode ser visto nas notícias atuais: ministros do Superior Tribunal de Justiça denunciam que o Tribunal de Justiça de São Paulo se recusa a respeitar as súmulas daquela Corte e, praticamente, não concede os Habeas Corpus impetrados pelas defesas. Nem mesmo a pandemia e a Resolução nº 62 do Conselho Nacional de Justiça foram capazes de ensejar medidas desencarceradoras: 88% dos HCs motivados pela Covid-19 foram negados pelo Tribunal paulista. Os remédios heroicos não tiveram êxito, sequer, no STF, que só concedeu a liberdade em 6% dos HCs apresentados entre março e maio para julgamento. Enquanto há quem veja o Brasil como o país da impunidade, mais de 700 mil presos se avolumam em unidades superlotadas, em condições insalubres. 

A “visão da persecução penal entranhada na alma da maioria dos operadores jurídicos” corresponde a uma perspectiva utilitarista de processo penal que, de modo geral, é a antítese da garantista. O que significa isso?

Em síntese, a ideia utilitarista, notadamente a preventiva, acredita que o sistema punitivo é capaz de evitar novos crimes e vê o processo penal como mero fim para se alcançar a pena. Assim, quanto antes tal objetivo for alcançado, melhor para a sociedade, com vistas a alcançar o bem maior, para o maior número de pessoas ou, na lógica ressocializadora – a que acredita no caráter correicional da pena – melhor até mesmo para o próprio acusado.

A máxima de que os fins justificam os meios, quando aplicada ao processo penal, transforma as garantias processuais em pedras que atrapalham o caminho para a condenação do réu. Em síntese, o antigarantismo não vê problemas em atropelar normas constitucionais e legais, se preciso for, para atingir a almejada condenação criminal, seja por acreditar na punição como forma de vingança, ou por crer que assim serão prevenidas novas práticas criminosas. Nessa lógica, as regras do jogo – o devido processo legal, a presunção de inocência, o princípio da legalidade, o ônus da prova da acusação – podem ser relativizadas, ou mesmo afastadas. É isso que justifica um excessivo uso de medidas cautelares, como as prisões preventivas, por exemplo.

Já a perspectiva garantista, concebida por Luigi Ferrajoli, é aquela com resguardo em um Estado Democrático de Direito, que tem a Constituição como centro do ordenamento jurídico e que assegura, a todos os indivíduos, os direitos fundamentais. Ela vê o processo penal como limitador do poder punitivo e garantidor dos direitos fundamentais do acusado ou investigado.

Por óbvio, não o direito de ser absolvido, mas o de ser julgado por juiz natural, competente e imparcial, preservada a sua presunção de inocência, em um processo com paridade de armas entre a acusação e a defesa, respeitado o devido processo legal e asseguradas as garantias fundamentais. Gostem ou não seus detratores, fato é que o sistema geral do garantismo foi sancionado, em grande parte, pela Constituição Federal de 1988, “como por todas as constituições evoluídas”, de modo que deveria ser, ao menos em tese, impossível sustentar-se um modelo de direito penal e de processo penal no Brasil que não respeitasse os princípios sobre os quais se funda o seu modelo garantista clássico – a legalidade estrita, a materialidade e a lesividade dos delitos, a responsabilidade pessoal, o contraditório entre as partes, e a presunção de inocência”.

O processo penal e a Constituição Cidadã têm, como diz Geraldo Prado, essa “vocação comum”: “o equilíbrio no exercício do Poder e a tutela de direitos e garantias indispensáveis à consideração da dignidade do ser humano”. São, pois, indissociáveis.

Sem qualquer exagero, Norberto Bobbio, ao apresentar Direito e Razão, de Luigi Ferrajoli, reconhece a profundidade da “elaboração de um sistema geral do garantismo” e o identifica como a “construção das colunas mestras do Estado de direito, que tem por fundamento e fim a tutela das liberdades do indivíduo frente às variadas formas de exercício arbitrário de poder, particularmente odioso no direito penal”.

Diante de teoria tão densa, soam pobres as críticas formuladas ao garantismo e se avolumam as deturpações teóricas, bem destacadas por Ana Claudia Bastos de Pinho neste mesmo espaço[9]. De fato, o próprio autor italiano destaca que, em várias ocasiões, o modelo por ele estruturado sofre uma “desqualificação científica e política por parte da cultura jurídica, com resultados indefectivelmente antigarantistas”.

No Brasil há quem critique um “excesso de garantismo”, expressão que, para Ferrajoli, “não faz sentido”, pois “‘Garantismo’ não significa vazio na aplicação da lei. Consiste em respeitar as garantias penais e processuais, que são, muito mais e muito antes que garantias de liberdade, garantias de verdade”. A incompreensão disso gera efeitos danosos ao nosso sistema de política criminal. Enquanto há quem diga que o garantismo é um obstáculo à responsabilização penal, o direito de defesa é, comumente, solapado em busca de uma suposta “eficiência” processual.

Na realidade, a lógica de um sistema garantista é a de ser um norte, um horizonte, uma perspectiva ou um referencial em relação aos quais o operador do direito deve procurar nunca se distanciar ou, menos ainda, caminhar em sentido contrário.

Nas palavras de Ferrajoli, é um modelo de caráter utópico. Para ele, o esquema epistemológico apontado em sua obra e o modelo penal garantista “têm o defeito fundamental de corresponder a um modelo limite, amplamente idealista”, mas ressalva que isso não significa dizer que ele não possa ser satisfeito, em maior ou menor grau, ou seja, ainda que parcialmente, a depender das técnicas legislativas e judiciais aplicadas.

Daí se conclui que a elaboração de normas definidoras de garantias penais e processuais penais, e a sua consequente aplicação pelos juízes, serão decisivas para se “reduzir, do maior modo possível, o poder judicial arbitrário”[13] e, portanto, alcançar-se o modelo garantista. Quanto maior for a implementação desse modelo pelo sistema penal, maior será a efetivação dos direitos fundamentais.

Não há qualquer tom pejorativo no caráter utópico do garantismo. Ele assim o é em razão da dificuldade de sua implementação, considerando-se o fato de que a teoria depende da atividade jurisdicional e, como afirma Ferrajoli, sabe-se bem que “o juiz não é uma máquina automática na qual por cima se introduzem os fatos e por baixo se retiram as sentenças, ainda que com a ajuda de um empurrão, quando os fatos não se adaptarem perfeitamente a ela”.

O cerne é que todo modelo penal deveria ser, ou buscar ser, garantista. Sabemos que nem sempre assim o é, mas, como diz Eduardo Galeano em suas Palavras Andantes, a utopia serve, justamente, para que não se deixe de caminhar:

“Ventana sobre la utopia. Ella está en el horizonte – dice Fernando Birri –. Me acerco dos pasos, ella se aleja dos pasos. Camino diez pasos y el horizonte se corre diez pasos más allá. Por mucho que yo camine, nunca la alcanzaré. ¿Para qué sirve la utopía? Para eso sirve: para caminar”.

Quem batalha nas trincheiras da Justiça criminal sabe que, de modo geral, o modelo garantista passa ao largo dos autos processuais, dos despachos com os magistrados e dos julgamentos virtuais.

Os juízes, desembargadores e ministros que respeitam as garantias penais e processuais correm risco de linchamento popular – a exemplo das manifestações contrárias às decisões proferidas pelo STF – de execração na mídia ou nas redes sociais.

Este é o caso do Juiz de Direito Pierre Souto Maior Coutinho de Amorim, que, no dia 28 de julho, não parece ter depositado seu coração na mesa de cabeceira, antes de realizar dez audiências de custódia na Comarca de Caruaru-PE. Sensível às responsabilidades do cargo, o magistrado analisou determinada prisão em flagrante por alegado tráfico de drogas e identificou uma série de equívocos na atuação policial. Decidiu, pois, pelo relaxamento da prisão do acusado, eis que ausentes os requisitos legais para sua manutenção. Via de consequência, determinou a devolução dos pertences apreendidos no momento da detenção e, ao invés de escrever “menos o entorpecente”, por deslize ou correção automática fez constar “mesmo o entorpecente”. O manifesto erro de digitação, não observado pelas partes, tampouco objeto de recurso, foi suficiente para que ele fosse enxovalhado em rede nacional.

O episódio, lamentável, diz muito sobre a pressão aos juízes que se dispõem a fazer o básico em um processo penal: respeitar a lei, a Constituição Federal e os direitos dos acusados. Ainda que o cerne da crítica tenha recaído sobre o engano em torno do comando relacionado à droga (e não à concessão de liberdade), é fácil supor que não haveria repercussão semelhante, acaso o desacerto tivesse ocorrido em decisão encarceradora.

Em terras brasilis, o garantismo de Ferrajoli parece, de fato, cada vez mais utópico... mas, o que nos move, é a esperança de um dia o alcançar.

*Advogada criminal; mestre em Direito pela UFRJ e especialista em Direitos Humanos pela mesma instituição; coordenadora do IBCCRIM no RJ; vice-presidente da ABRACRIM-RJ; e conselheira da OAB-RJ. Foi presidente do Conselho Penitenciário do Rio de Janeiro e coordenadora do Fórum Nacional de Conselhos Penitenciários.

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