Justiça : ANTICRIME
Enviado por alexandre em 15/11/2019 20:01:49

Inserido artigo que ressuscita político banido

O jogo sujo contra a Lei da Ficha Limpa

 

Parlamentares inserem no pacote anticrime um artigo que pode ressuscitar políticos banidos da vida pública por improbidade

 

Da Veja - Por Laryssa Borges

Desde que chegou ao Congresso, há nove meses, o pacote anticrime proposto pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, sofreu diversas alterações — algumas que aprimoram os mecanismos de combate à corrupção, como a ampliação do tempo máximo de cumprimento de penas, outras que corrigem exageros, principalmente em relação ao abuso das prisões preventivas. Mas existe uma em especial que está sendo apontada como um grande retrocesso na luta contra a corrupção. Hoje, pessoas condenadas por improbidade administrativa e que tenham a sentença confirmada por um tribunal colegiado são proibidas de disputar eleições ou ocupar qualquer cargo público. A lei que prevê isso baniu uma horda de criminosos do colarinho branco, gestores mal-intencionados e empresários trapaceiros — os chamados fichas-sujas. Na surdina, os parlamentares querem mudar essa regra.

Há cerca de duas semanas, enquanto o Supremo Tribunal Federal (STF) discutia a prisão em segunda instância, um grupo de trabalho da Câmara dos Deputados aprovou uma proposta que abre uma janela para recolocar os fichas-­sujas no jogo eleitoral já em 2020. De acordo com o texto, que ainda será submetido ao plenário, a lei de improbidade passa a contar com um artigo que abre a possibilidade de acusados ou condenados firmarem acordo com o Ministério Público, por meio do qual pagariam uma multa, ressarciriam aos cofres públicos eventuais prejuízos e escapariam da maior das punições — a suspensão dos direitos políticos. “Não tem cabimento o réu só pagar a multa e devolver o valor. Sem trazer elementos de prova contra outras pessoas, essa lei incentiva a impunidade e vira uma farra”, afirma o promotor Silvio Marques, do Ministério Público de São Paulo, especialista em casos de improbidade administrativa.

O “libera geral” ensaiado por deputados que discutiram o pacote anticrime acendeu a luz de alerta nos tribunais superiores. Caso o texto aprovado pelo grupo de trabalho entre em vigor, em tese até mesmo os mensaleiros, condenados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) há sete anos, poderão tentar um acordo com o Ministério Público nos casos em que respondem a ações de improbidade. Até hoje tramitam processos de ressarcimento aos cofres públicos contra próceres petistas como José Dirceu e José Genoino. Esse último, por exemplo, foi condenado por corrupção, sua pena foi extinta em 2015 e, com um eventual acordo, ele estaria totalmente livre para se candidatar a partir de 2023.

 CONTRABANDO – Plenário da Câmara: o texto que abre uma janela para os fichas-sujas ainda será analisado no Congresso
CONTRABANDO – Plenário da Câmara: o texto que abre uma janela para os fichas-sujas ainda será analisado no Congresso (Wilson Dias/Agência Brasil)

Em outros casos de improbidade, o acordo para encerrar o processo pode ser ainda mais benéfico ao mau gestor, como nas situações em que, embora irregulares, não há dano a ser reparado. Isso ocorre, por exemplo, quando um prefeito contrata garis ou merendeiras de forma irregular, mas os serviços são efetivamente prestados pelos funcionários. Apesar de teoricamente essa prática não gerar prejuízo financeiro aos cofres municipais, os dividendos eleitorais para o prefeito são notórios. Com a aprovação da lei inserida no pacote anticrime, na hipótese mais extrema o gestor público limparia a ficha sem precisar devolver um único centavo.

De tão sorrateiro, o texto final do projeto nem ao menos foi disponibilizado a todos os integrantes do colegiado. “Essa manobra ocorreu à minha revelia e à revelia do ministro Moro”, disse o relator, deputado Capitão Augusto (PL-SP), que não sabe explicar como o artigo que beneficia os fichas-sujas foi inserido. Esse tipo de manobra é conhecido no Congresso como “jabuti”. Sergio Moro também não sabia da manobra até ser informado por VEJA. Disse o ministro em nota: “O que foi retirado ou inserido pelo Comitê formado na Câmara será objeto ainda de discussão com o governo e depois no Plenário. O governo está trabalhando para aprovar o pacote anticrime em sua totalidade ou maior parte”. Cuidado com o jabuti, ministro. Esse morde.



Parlamentares querem reverter fim da prisão após 2ª instância

Parlamentares se movimentam para reverter fim da prisão após 2ª instância. Tentativa esbarra em congressistas investigados por corrupção e em discussões jurídicas.

DEBATE - CCJ: kit obstrução e discurso de mais de 100 deputados (Pablo Valadares/Câmara dos Deputados)

Da Veja - Por Eduardo Gonçalves

 

Passada a ressaca da derrota por 6 a 5 sofrida no Supremo Tribunal Federal que tirou da cadeia detentos célebres, entre eles o ex-presidente Lula, começou imediatamente um movimento para tentar reverter no Congresso o fim da prisão em segunda instância. Apesar de ter sido decisivo no desempate da votação recente do STF sobre o tema, o presidente da Corte, Dias Toffoli, deu uma sinalização de esperança ao declarar que “não cabe ao Judiciário alterar a lei, mas ao Congresso”, passando a discussão para o Legislativo. Será uma longa batalha. Mesmo os mais otimistas com a possível revisão reconhecem que isso é impossível a curto prazo. Fator considerado fundamental no processo, a pressão popular ainda é tímida se comparada às megamanifestações pró-impeachment de 2015 e 2016 — no último sábado, 9, movimentos como Vem pra Rua e Brasil Livre voltaram às ruas para defender a prisão em segunda instância, com pixulecos e caixões funerários representando o STF. No maior protesto do dia, os grupos não conseguiram unir as duas concentrações e encher a Avenida Paulista, em São Paulo. Ainda assim, ele serviu para mandar um recado claro e manter a chama acesa.

Na próxima quarta, 20, deve avançar uma das alternativas mais promissoras para a virada (veja o quadro abaixo): a PEC 410/2018, que altera o artigo 5º da Constituição — de que ninguém é culpado “até o trânsito em julgado” para “até a confirmação de sentença em grau de recurso” —, deve ser aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. A previsão é que, combinada com um texto paralelo que diminui as chances de recurso, a PEC passe com pelo menos 38 votos favoráveis. O relator da proposta, o deputado Alex Manente (Cidadania-SP), está empolgado, mas admite que a aprovação definitiva (se ela vier) ficará para 2020 e ainda vai demandar “intenso convencimento de deputados e mobilização nas ruas”. Depois de passar pela CCJ, a emenda constitucional terá de ser avaliada por uma comissão especial, que precisa realizar no mínimo quarenta sessões — o recesso parlamentar começa em dezembro e só acaba no fim de janeiro.

Um dos fatores que provocaram distorções na discussão sobre a prisão em segunda instância foi a condenação de um ex-presidente por corrupção. Até hoje, por muitas vezes, a questão fica reduzida ao debate em torno do Lula livre. Só na CCJ já foram consumidas mais de vinte horas de bate-­bocas, com a fala de 108 parlamentares e a oposição, com os petistas à frente, lançando mão dos “kits obstrução” para inverter a ordem do dia ou tirar a matéria da pauta. Outro problema foi a forte associação da Lava-Jato com o tema. À luz das revelações do site The Intercept Brasil em parceria com veículos como VEJA segundo as quais o então juiz Sergio Moro desequilibrou a balança da Justiça agindo ao lado da acusação, os graves problemas na atuação da Força Tarefa passaram a ser utilizados como argumento de que era preciso rever a condenação em segunda instância. Apesar dos excessos, que devem ser devidamente julgados, é inegável que a operação inaugurou um novo padrão de sucesso no combate aos chamados crimes de colarinho-­branco. Desde 2014, pelo menos quarenta réus acabaram nas grades, incluindo Lula e outros peixões graúdos da política nacional, além de boa parte do baronato das empreiteiras.


A sociedade não vê com bons olhos a volta dos tempos em que políticos e empresários corruptos, valendo-se dos melhores advogados e de um arsenal inesgotável de recursos, conseguiam escapar da punição. Os parlamentares não são indiferentes ao clamor da população, é claro, mas sempre pensam antes no próprio umbigo. A questão agora é saber se a classe vai formar maioria para mudar uma regra que pode representar um tiro no próprio pé. Um em cada três deputados (178 no total) na Câmara responde a inquéritos no Supremo Tribunal Federal, boa parte nos processos do mensalão e petrolão. E eles sabem que poderão enfrentar uma situação semelhante à de Lula caso a mudança seja aprovada. Ninguém admite isso em público, mas nos bastidores já há movimentações para abafar a PEC de Manente. Na segunda passada, 11, o PL, que tem quinze investigados, excluiu da CCJ o deputado Capitão Augusto (SP). Antes da decisão final do STF, ele havia entregado a Dias Toffoli um abaixo­-assinado com 87 assinaturas a favor da prisão em segunda instância. A cúpula do PL substituiu o Capitão na CCJ pelo deputado Giovani Cherini (RS), que é contrário à revisão do assunto. Para ser aprovada no Congresso, a PEC precisa ter pelo menos três quintos dos votos na Câmara (308) e no Senado (49). O caminho na segunda Casa parece um pouco mais tranquilo, uma vez que 43 senadores se declararam favoráveis à medida em carta também entregue a Toffoli.

Se houvesse um campeonato de mudanças de entendimento sobre a prisão em segunda instância em curto espaço de tempo, o Brasil seria recordista mundial. O artigo 5º da Constituição de 1988 diz que “ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado”, ou seja, quando não há mais possibilidade de recursos. De 1988 até 2009, no entanto, cada juiz decidia individualmente se o réu deveria ou não ser preso após a condenação em segunda instância. Naquele ano, o Supremo resolveu reforçar a orientação do artigo 5º, definindo que o réu só poderia ser preso quando acabassem todos os recursos. Esse posicionamento durou até 2016, no auge da Operação Lava-Jato, quando a Corte passou a permitir o cumprimento da pena após o segundo grau. No dia 7, o Supremo reviu a postura.

Esse posicionamento vai na contramão do que é praticado no mundo. Os principais países democráticos permitem a prisão em segunda instância. Nos Estados Unidos e no Reino Unido, os réus chegam a ser presos até antes do julgamento, após se declararem culpados. Na Alemanha, França e Itália, o cumprimento da pena ocorre em segundo grau, com um detalhe: na primeira instância, não é um juiz sozinho que decide, mas um colegiado. Os especialistas destacam que até existem países nos quais a pena só começa depois do “trânsito em julgado”, mas não há nenhum no mundo que tenha quatro instâncias como o Brasil.

A cúpula do Congresso está dividida quanto ao tema da segunda instância. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, vem dando sinais simpáticos à ideia e até sugeriu ao deputado Manente alguns caminhos para contornar obstáculos para a aprovação da sua PEC. O par de Maia no Senado, Davi Alcolumbre, é mais resistente à medida. Na terça 12, ironizou o barulho que os colegas estavam fazendo em cima da matéria, propondo uma “solução” radical. “A gente podia fazer uma nova Constituinte, e todo mundo renuncia ao seu mandato e faz logo uma nova Constituinte, se essa é a prioridade”, disse. Há uma manifestação prevista para ocorrer na Avenida Paulista no próximo dia 17, com o objetivo de fazer o caldeirão das ruas atingir o ponto de fervura ideal para permitir a virada do jogo. Os entraves são enormes, mas o Brasil precisa de uma vez por todas resolver a questão de qual regra vale para combater e punir o crime. Colocar na cadeia depois de um julgamento rápido e justo os poderosos que andaram fora da linha foi uma das melhores ideias que surgiram por aqui nos últimos anos. Seria bom continuar seguindo esse caminho.


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