Regionais : O País do futuro
Enviado por alexandre em 25/06/2016 15:51:51

O País do futuro



Ruy Fabiano

A degradação da política brasileira, hoje no banco dos réus, mergulhou o país no vácuo do imponderável. Ninguém arrisca um palpite sobre o dia de amanhã – na verdade, nem mesmo o de hoje.

De repente, do nada, surge mais uma operação policial, encarcerando um ou mais notáveis da República, asseclas e operadores, expondo mais vísceras de algum segmento político-partidário. Ou de todos. Faz dois anos que isso acontece. Esta semana, foi a vez do ex-ministro Paulo Bernardo, do PT, que serviu a Lula e a Dilma. Sua mulher, a senadora Gleisi Hoffmann, continua servindo – e deve acompanhá-lo, em breve, na desdita.

Em Pernambuco, a Polícia Federal descobriu outra conexão criminosa, desta vez envolvendo a campanha do falecido ex-governador de Pernambuco e candidato à Presidência, Eduardo Campos, morto em 2014, num desastre de avião. A operação Turbulência descobriu que a aeronave acidentada havia sido adquirida com dinheiro público roubado. Os financiadores de Campos mantiveram apoio à campanha da candidata que o sucedeu, Marina Silva. E Leo Pinheiro, da OAS, em delação, disse que também doou propina da Petrobras à campanha de Marina.

Amplia-se, pois, o arco partidário sob suspeição pública e investigação policial. O PSB acaba de integrá-lo. A próxima sucessão presidencial, com sua inevitável bolsa de apostas, tornou-se tema de videntes e cartomantes. No campo da ciência política, os dados não autorizam especulações. A lógica saiu de cena.

Depende dos que sobreviverem até lá. E eis aí o temor que se instala. Num paralelo, a Operação Mãos Limpas, ocorrida na Itália, nos anos 90 – fonte de inspiração do juiz Sérgio Moro -, também produziu um haraquiri na política italiana. Mas, por falta de renovação dos quadros dirigentes de lá – e por um acordo político entre os que dela escaparam – levou a um desfecho decepcionante. E paradoxal.As pesquisas de opinião, por isso mesmo, tornaram-se vazias. E não apenas pela distância do pleito, previsto para 2018 - mas que pode ocorrer antes (ou nem ocorrer, segundo os mais pessimistas) -, e sim pela gradual saída de cena dos nomes até aqui tidos como óbvios. Como não há vazio no poder, hão de surgir outros. Quais?

Resultou na ascensão de um político burlesco – e corrupto -, Sílvio Berlusconi, que dominaria a cena política de 1994, quando se tornou primeiro-ministro pela primeira vez, até 2011, em que finalmente foi banido, após ocupar por quatro vezes a chefia do governo. Nesse período, fez aprovar leis que enfraqueceram o Judiciário, submetendo-o ao poder político.

O resultado é que a corrupção venceu e seu símbolo passou a ser exatamente um sobrevivente das Mãos Limpas (mesmo sem tê-las), ele próprio, Berlusconi. Por aqui, há sinais preocupantes.

O presidente do Senado, Renan Calheiros, já se manifestou contra as delações premiadas, sugerindo que apresentará projeto de lei restringindo-as. Ninguém duvida que o atual Congresso apoiaria entusiasticamente tal iniciativa, além de outras, que reduzissem, por exemplo, os poderes do Ministério Público. Criatividade não falta.

Ao tempo da CPI dos Anões do Orçamento, em 1993/94, em que pela primeira vez parlamentares cassavam parlamentares, Antonio Carlos Magalhães reuniu-se com alguns chefes partidários para propor uma saída que impedisse o que chamou de “guerra de extermínio”. O acordo resultou na entrega de algumas cabeças coroadas para preservar as demais. Funcionou – e a nave seguiu.

A diferença é que agora o Congresso não é tribunal, mas banco dos réus. Há um juiz implacável, que infunde temor até à mais alta Corte, que, por sua vez, é mais política (e partidária) que jurídica. E há ainda uma força-tarefa, que envolve policiais federais e procuradores, que exercem seu ofício com ardor missionário. É talvez a primeira vez na história que um juiz de primeira instância se sobrepõe aos cardeais da Suprema Corte, pondo-os a nu.

O advento da internet, com suas redes sociais, estabelece ainda poderoso diferencial: enseja efetiva participação da sociedade, propiciando em curto prazo mobilizações de massa, em proporções jamais vistas. Foram necessárias cinco megamanifestações, entre 2015 e 2016, todas demolidoras contra a classe política e as instituições, para que estas acreditassem que, afinal, opinião pública existe - e já não é apenas a opinião publicada.

O mantra de que as instituições estão funcionando é verdadeiro, mas nem sempre se sabe como e para quem. Sempre funcionaram, mas naquela base. Não mudou muito, exceto quando temem a contrapartida das ruas. É por aí que há alguma esperança.

Esqueceram do Brasil



Cristovam Buarque *

A ausência do Brasil nas decisões políticas provoca um esquecimento da perspectiva de nação ao longo das décadas e séculos no futuro

Nesta semana, ouvi um professor chileno dizer: “Tenho pena do Brasil”. Esta frase me incomodou mais do que as matérias sobre as tragédias brasileiras destes tempos sombrios. Ainda mais quando imaginei a pergunta que ele não fez: “Como vocês deixaram o Brasil chegar a esta situação?” Como senador, senti constrangimento por esta pergunta não feita, e pela resposta que daria: “Há décadas, os políticos não colocam o Brasil como o personagem central de suas decisões”.

O Brasil tem sido preocupação de sociólogos, literatos, jornalistas, economistas, mas não dos políticos. A Lava-Jato está mostrando que alguns usam a política para o enriquecimento pessoal; outros, para financiar campanhas e continuarem com seus mandatos; os melhores fazem política servindo a desejos imediatos de grupos específicos dos eleitores que os apoiam; as leis são feitas para beneficiar trabalhadores, empresários, aposentados, servidores públicos, consumidores, mas raramente ao Brasil como um todo, no longo prazo.

Há parlamentares dos professores, não da educação; dos aposentados, não da aposentadoria; dos universitários, não da ciência e tecnologia; da assistência social, não da emancipação do povo; do apoio à indústria, não ao desenvolvimento industrial; dos médicos, não da saúde. Ao longo da história, querendo atender cada grupo no imediato, sem considerar o Brasil no longo prazo, relegamos a opção por prioridades: o resultado tem sido o aumento nos gastos públicos acima da disponibilidade de recursos e, em consequência, o endividamento e a inflação.

A ausência do Brasil nas decisões políticas provoca um esquecimento da perspectiva de nação ao longo das décadas e séculos no futuro. Para beneficiar cada grupo, sacrificamos todos e o país. O debate sobre o impeachment é um exemplo de que “esqueceram o Brasil”. Com opção já tomada, defende-se a cassação ou a continuidade do mandato da presidente, sem aprofundar o debate sobre o que será melhor para o Brasil.

A disputa se dá entre os que desejam a continuidade do governo do PT, depois de 13 anos, mesmo sabendo dos riscos de a volta da irresponsabilidade fiscal desestruturar ainda mais as finanças públicas e de o corporativismo vir a desarticular ainda mais o tecido social e o futuro do Brasil; os outros não querem a continuidade do governo de Dilma, sem refletir sobre as consequências da interrupção do mandato do segundo presidente entre os quatro eleitos.

Não há consideração sobre qual destas duas alternativas será capaz de consolidar nossa democracia, assegurar estabilidade fiscal e monetária, induzir o país na direção de uma economia produtiva, uma sociedade justa, um setor cientifico e tecnológico sólido, cidades eficientes, educação de qualidade igual para todos; não há consideração sobre qual será capaz de conduzir as reformas de que o Brasil necessita.

Esqueceram do Brasil, esta é a causa de o Brasil dar pena em quem observa sua tragédia atual.

* Cristovam Buarque é professor emérito da UnB e senador pelo PDT-DF

Página de impressão amigável Enviar esta história par aum amigo Criar um arquvo PDF do artigo
Publicidade Notícia